domingo, 23 de abril de 2023

 REDESCOBRINDO OS CAMINHOS PERCORRIDOS PELO MONGE JOÃO MARIA NO PARANA E SANTA CATARINA

Depois de ter transitado por alguns caminhos entre os municípios de Lagoa Vermelha e Passo Fundo, cidades do RS, onde se acredita ter o/s Monge/s João Maria, entre outros, trilhados durante o final do século XIX e metade do XX, dessa vez o desafio foi ainda maior, refazer o caminho do/s mesmo/s monges nos estados do Paraná e Santa Catarina. Pesquisando sobre qual ou quais cidades que poderiam nos proporcionar mais informações sobre as incursões milagrosas dessa ou dessas pessoas, decidimos visitar primeiro a cidade paranaense da Lapa, situada acerca de 70 km da capital Curitiba.

Por que o desejo de conhecer mais profundamente os passos seguidos pelo monge nesses três estados do Sul do Brasil? A resposta está no fato de estar a professora Elisa Stradiotto, do instituto de psicanálise de Santa Maria, desenvolvendo sua pesquisa de doutorado, cujo objeto investigação são os arquétipos do/s monge/s, fundamentada na teoria do pensador Carl Yung. Nos três estados visitados são unânimes as opiniões de ter existido três monges: João Maria de Agostini, João Maria de Jesus e José Maria de Santo Agostinho.

Foto - Jairo

 Entretanto, há quem defenda que tenha havido apenas um monge, o primeiro, pois todas as imagens conhecidas e veneradas pelos devotos mostram similaridades físicas e faciais. A decisão por visitar primeiro o município da Lapa se caracterizou como opção assertiva, pois o local nos impressionou tamanha riqueza cultural, histórica, arqueológica, religiosa, geomorfológica, tudo reunido em um território cuja origem se deu pela passagem de tropeiros a partir de 1730. Se a intenção era somente desbravar o caminho do/s monge/s, dialogar com seus seguidores devotos, principalmente benzedeiras, que praticam seus ritos sob a intersecção do profeta, nossa permanência por três dias na cidade nos proporcionou mais do que isso, um vasto conhecimento de episódios importantes da história regional e brasileira e, acredita-se totalmente desconhecida de milhões de brasileiros e brasileiras.

 O que mais nos impressionou foi saber que muito desses episódios tiveram como cenários de protagonismos os estados gaúcho e catarinense, dentre eles o Tropeirismo, a Revolução Farroupilha, Revolução Federalista e a Revolução de 1930. Todos esses eventos ocorridos na Lapa e região, obrigatoriamente tiveram passagem por Araranguá, com ênfase ao troperismo. Em 1729 registros históricos dão conta que vindo de laguna, cidadãos abriram uma trilha que iniciou na foz do rio Araranguá e que se deslocou até o atual Timbé do Sul, com a abertura da trilha da rocinha.

Esse trajeto batizado de Caminho dos Conventos passou a fazer ligação terrestre do Rio Grande do Sul através da facha litorânea, passando por Araranguá, subindo a serra da rocinha, seguindo rotas já abertas e outras em construção no estado catarinense. O caminho era para o deslocamento de gado e muares às feiras de São Paulo. Claro que nesse difícil itinerário estavam os Campos Gerais, no sul do Paraná, como Ponta Grossa, Campos do Tenente, Tijucas do Sul, Curitiba, entre outras, todas surgidas através do tropeirismo.

Como professor de história da rede pública de Santa Catarina por mais de trinta anos é impactante afirmar que jamais durante esse longo tempo havia ouvido o nome de uma cidade paranaense de nome Lapa e os fatos lá ocorridos. Estando lá, refletia comigo mesmo que se tivesse conhecido ou visitado no inicio da minha carreira profissional certamente minhas aulas sobre o federalismo no sul do Brasil seriam bem diferentes. Isso inclui também outros temas como o intricado conflito do contestado e seus desdobramentos políticos, sociais e religiosos no estado catarinense e paranaense.

Embora tenha havido dificuldades para chegar ao município paranaense pelo fato de termos seguido uma antiga estrada de chão batido, que servira de passagem aos tropeiros, a chegada ao centro da cidade nos deixou a certeza que estávamos em um local repleto de história e misticismo. Foi exatamente o que ocorreu. Já sabendo antecipadamente que havia no município um importante lugar onde o monge João Maria teria morado por algum tempo e promovido milagres, no dia seguinte, bem cedinho, fomos até esse lugar, o Parque Estadual do Monge.

Foto Jairo

Por ser uma terça feira e estando o local fechado para a visitação, o guarda do parque abriu uma exceção para nós permitindo que o visitássemos. O breve contato que tivemos com esse cidadão nos proporcionou importantes informações sobre o parque, o monge e os vários episódios por ele protagonizados. Por ter sido mantido fechado durante a pandemia do Covid 19, o parque estava passando por reparos, porém, alguns passos depois se tiveram a impressão de estarmos, sim, envolvidos em uma ambiente carregado de energia, de espiritualidade.

Uma extensa e íngreme escadaria de pedras nos levou a um local onde estavam junto à rocha imagens de santos e objetos deixados pelos devotos. Fixada na parede, de tamanho pequeno, havia uma figura do monge. Degraus abaixo, enfim encontramos a fonte de água que, para os devotos, dizem ser milagrosa. Claro que atualmente por estar o parque sob a jurisdição do governo paranaense o mesmo perdeu um pouco sua essência original de espaço sagrado como sempre fora na sua existência.

Foto  Jairo

Foto Jairo
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Foto Jairo

A cidade da Lapa respira religiosidade, pelo fato de estarem lá edificadas duas importantes igrejas de extraordinário simbolismo arquitetônico e histórico. A mais importante, por ser a sede da paróquia, tem a sua estrutura edificada na segunda metade do século XVIII, 1784, cujo padroeiro é Santo Antônio.  De acordo com relatos, no solo que abriga a igreja, foram sepultados os dois lideres do Cerco da Lapa, os coronéis Gomes Carneiro e Cândido Dulcídio.

Foto Jairo

Somente mais tarde os restos mortais desses líderes foram retirados da igreja e transferidos junto com outros para o Pantheon dos Heróis, construído próximo do local. Além dessa igreja edificada há mais de duzentos anos, nas proximidades está o estonteante o único santuário no mundo para homenagear um santo negro, São Benedito. Embora a pedra fundamental tenha sido fixada em 1947, sua conclusão definitiva ocorreu somente em 1962, graças a generosidade dos moradores locais e do interior.

Foto Jairo

Foto Jairo

Sobre a Congada, celebração que ocorre após o natal em homenagem a São Benedito, o evento traz à luz reminiscências da presença africana na região, que servira de mão de obra escrava nas culturas de cana, café, etc, e no manejo do gado das fazendas dos campos gerais. No estado do Paraná e mais especificamente na região da Lapa os descendentes de escravos africanos revitalizaram algumas de suas tradições trazidas da África como a Congada. O ritual é celebrado em dezembro durante o ciclo natalino, onde uma série sequencial e ritmada de atos são exibidos, sendo os atores devotos do santo negro. A congada possui traços religiosos, cívicos e pagãos. Devido a essas peculiaridades o rito ocorre no lado externo do Santuário de São Benedito.

A congada apresenta nos seus enredos fatos ocorridos no continente africano envolvendo disputas amorosas de uma rainha angolana entre o rei de congo e o embaixador angolano. O rito ou celebração se dá em etapas sequenciais até seu ápice quando ambos os grupos conflitantes se confraternizam. O que chama atenção aqui é o aspecto profano razão pela qual a igreja católica não autoriza encenação no interior do santuário. O que faz refletir sobre a congada é certamente as dificuldades e resistências impostas a esse grupo étnico, secularmente marginalizado, até ocupar um espaço de relevância em um ambiente profundamente atravessado por preconceito e xenofobia.

Depois de conhecer algumas peculiaridades referentes à etnia africana com forte penetração na cultura do povo da Lapa, é relevante aqui compartilhar outro aspecto que é marcante do município, a história. Como já foi realçado em outro momento, Lapa é o único município paranaense, e acredito ser do sul do Brasil com tantos museus proporcionais ao número de habitantes, pouco mais que cinquenta mil habitantes.

A boa impressão da cidade já começa com o monumento aos tropeiros edificado em 1965, onde faz homenagem ao movimento tropeirista responsável pelo surgimento da cidade. Além do monumento o visitante ou turista vai se impressionar com outra obra artística, o monumento que presta homenagem aos 250 anos da legendaria cidade da Lapa. Outro espaço que respira arte é o que presta informações ao turista. Fora as duas edificações simbólicas, têm na cidade da Lapa a Casa Vermelha, do início do século XIX, que serviu de hospedaria para os tropeiros, sendo hoje espaço que abriga o museu do tropeiro e outras atividades culturais e artísticas. Há também o Teatro São Jorge, que une traços da arquitetura italiana, neoclássica e elisabetano. O teatro foi inaugurado em 1876, tendo recebido a comitiva imperial em 1880 de Dom Pedro II. Durante o cerco da lapa o local serviu de enfermaria.

Foto  Jairo


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Bem na área central da cidade está estão alguns símbolos que enaltece a religiosidade e o sentimento patriótico do povo. Além da bicentenária igreja de Santo Antônio, não tem como não chamar atenção a enorme escultura edificada em um grande pedestal que homenageia o General Gomes Carneiro. A obra foi de autoria de um artista paranaense cujo nome é João Turin. E não acabou. O Turista ou visitante pode esquecer em acreditar que um ou dois dias conseguirá trilhar por todos os museus e pontos turísticos importantes do município. Tem também a igreja matriz de Santo Antônio, construída em 1784; a prefeitura, inaugurada em 1890, de estilo neoclássico, que foi o local da primeira escola, onde atualmente abriga o gabinete do prefeito.

Foto Jairo

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A Casa Lacerda também é ponto obrigatório de visita. A edificação representa uma típica família tradicional luso-brasileira do século XIX. Foi construída entre os anos de 1842 e 1845. Para os lapeanos tradicionais a residência tem também um forte simbolismo, pois no seu interior foi assinada a carta de capitulação, ou seja, da rendição dos revoltosos maragatos durante o cerco da lapa.  Sobre o cerco da Lapa e a capitulação, fatos que remetem a Revolução Federalista darei destaques mais tarde onde reuniremos fragmentos desse emaranhado e intricado acontecimento que mudou os rumos da história do sul e do Brasil.

Foto Jairo

 

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Outra marcante edificação com traços arquitetônicos em estilo romano se refere ao Pantheon dos heróis, que foi edificado em 1944 em comemoração ao cerco da lapa. Nesse local estão depositados os restos mortais dos inúmeros participantes, conhecidos como heróis, do cerco da Lapa, entre eles o general Antônio Ernesto Gomes Carneiro e o coronel Delcídio Ferreira.  O museu da Moda, dos trajes e indumentárias usadas pelos homens e mulheres ao longo da historia do Brasil também tem um espaço dedicado no centro histórico da cidade. Infelizmente o referido espaço estava fechado, pois passava por reparos.

Bem na data que faz alusão a lei áurea, 1888, quando foi declarada pela princesa Isabel o fim oficial da escravidão no Brasil, na Lapa estava sendo inaugurada outra edificação que viria mais tarde se tornar a casa da memória.  A mesma foi batizada de casa dos cavalinhos pelo fato do seu proprietário ter pintado na parede externa, parte superior da edificação, figura dos animais. Atualmente o local abriga documentação sobre o município, bem como a carta de sesmaria que registra o nascimento da cidade.

 O Beco do Quebra – Pote e a Estação Ferroviária também integram o acervo historio da cidade. O primeiro se refere a uma antiga fonte de água de abastecimento público, onde foram encontradas por meio de escavações fragmentos de cerâmicas e louças centenárias que estão resguardadas no museu histórico da lapa. O segundo, estação ferroviária, foi inaugurada em 1952. O local, nova estação, veio substituir a antiga edificação do final do século XIX. Atualmente abriga fragmentos da estação depositados no seu interior. Passeios esporádicos também são realizados esporadicamente utilizando a Maria fumaça.

Para concluir essa explanação sobre museus na lapa paranaense deixei para o final duas edificações que direta e indiretamente tem muita relação com o município de Araranguá, no sul do estado de Santa Catarina. O primeiro é o museu histórico. Por que ele é tão importante? A resposta é fundamentada no fato de ter sido o local residência do herói da republica o General Carneiro, onde faleceu durante o cerco da cidade. No seu interior, em um dos cômodos, estão distribuídos peças, artefatos, ou seja,  tudo que faz referência ao general. Interessante que ao lado do museu histórico está, colado a parede, o antigo theatro São João, que serviu de enfermaria para atender os amotinados republicanos durante o ataque dos federalistas.

 Sobre o cerco da Lapa, foi um acontecimento cujo epicentro se deu no sul do Brasil onde forças opositoras ao governo do presidente Floriano Peixoto se rebelaram. Esse grupo de rebeldes ou revolucionários foi denominado de federalistas ou maragatos. A intenção era derrubar o governo central e instalar uma republica federalista nos moldes que é hoje os EUA. Entretanto, para galgar êxitos tinham que superar algumas barreiras, enfrentar e vencer forças legalistas ou pica paus distribuídas em vários pontos do estado gaucho, catarinense e paranaense.

Foro Jairo

Deve ser ressaltado aqui que um dos primeiros desafios dos federalistas foi superar uma pequena resistência republicana instalada em Araranguá, principal ponto de passagem em direção a capital catarinense, Florianópolis. Embora não tendo tomado a capital catarinense, os opositores seguiram antigos caminhos dos tropeiros no planalto do estado, atravessando Lages, Curitibanos, Mafra até chegar à capital do Paraná, Curitiba. Pouca gente sabe que a não tomada da capital paranaense pelos federalistas se deve a acordos firmados entre ambos os movimentos.

O filme Preço da Paz, produzido em 1999 pelo cineasta Mauricio Appel, que retrata a história da tentativa de ocupação da capital paranaense pelos rebeldes federalistas, é uma excelente fonte de pesquisa histórica para aqueles que querem entender um pouco desse intrincado momento da nascente republica brasileira. O filme aborda a participação do Barão de Serro Azul, um ex-monarquista e que na época da revolução chefiava a cidade de Curitiba. Para que a cidade não fosse destruída pelos federalistas angariou recursos dos comerciantes e empresários e entregou aos rebeldes. Com a saída das tropas rebeldes e a chegada dos soldados legalistas tanto o barão como os demais membros da elite e integrantes da população foram acusados de traição e fuzilados sumariamente.

Já na Lapa, os republicanos, em menor número, promoveram uma grande resistência junto às edificações históricas. Por 26 dias, cerca de mil republicanos aguentaram o cerco da Lapa que contava com quase três mil soldados federalistas. Esse tempo foi suficiente para que o governo de Floriano Peixoto pudesse organizar e mandar as tropas legalistas do Rio de Janeiro para dissolver o movimento. Mesmo considerado vitoriosos, os federalistas aceitaram em assinar o termo de capitulação, ou seja, um documento que tratava das condições de rendição e que declarava vitória aos republicanos. O documento ou carta de Capitulação foi assinado na casa Lacerda, único museu federal da Lapa.

Foto Jairo

Não acabou ainda, a Lapa tem outro grande monumento histórico, do qual não está inserido no roteiro turístico do município. Estou me referindo ao cemitério municipal. Por saber que esses espaços estão carregados de símbolos e memórias de um povo, não seria diferente de um município como a Lapa com quase trezentos anos de história. No último dia na Lapa eu e minha companheira fizemos um tour no interior desse espaço repleto de informações sobre as famílias que habitavam a região. Nas várias incursões que fizemos nos cemitérios da região de Araranguá, os mais antigos, católicos em especial, o grau de conservação dos túmulos era bem inferior ao visto na Lapa.

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Entretanto, nos cemitérios exclusivos para sepultamentos de pessoas devotas ao protestantismo as condições de preservação eram idênticas ao visto na cidade paranaense.  Talvez o motivo da preservação daquele espaço tenha relação com muitas as pessoas que estão lá sepultadas, membros das primeiras famílias tradicionais que se fixaram no município. 

Embora o objetivo da viagem à Lapa tenha sido pesquisar os passos trilhados pelo Monge João Maria na região dos campos gerais e a devoção do povo a essa figura mítica, não havia como se esquivar de compreender o contexto político, econômico, religioso, histórico, etc, que permeou os inúmeros cenários onde o monge estava presente. A Lapa, portanto, foi um desses lugares de forte impacto social, como o parque do Monge já relatado no início desse trabalho.

De fato o que nos levou a visitar esse município foi, sem dúvida, o contato que tivemos com um cidadão, estudioso do monge, que se dedicou e vem se dedicando a construir um arcabouço político para a criação de um roteiro turístico nos moldes, por exemplo, ao Caminho de Compostela, entre França, Espanha e Portugal. O cidadão, Marcio Assad, embora resida no município da Lapa, exerce o cargo de secretário da cultura no município vizinho, Campos do Tenente, lugar que também foi palco de muitos acontecimentos envolvendo o Monge.

Foto Jairo

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Durante o breve contato que tivemos com o secretário e também devoto do monge, o mesmo nos relatou ricas informações sobre o quão importante foi e ainda é a figura desse indivíduo no imaginário social de toda aquela região dos campos de gerais do estado do Paraná. Já que no itinerário de viagem estava o município catarinense de Curitibanos, para chegarmos até lá obrigatoriamente teríamos que viajar pela BR 116, que há cerca de trezentos anos foi uma das principais rotas dos tropeiros e que também, conforme relatos foi o caminho trilhado pelo Monge. Antes de chegar ao destino, que era Curitibanos, visitamos outros municípios que margeiam a rodovia, onde sempre nos deparamos com algum elemento simbolizando a presença Monge em datas passadas.

O município de Mafra, que faz divisa com o estado do Paraná, foi um deles. Havia informações de que no centro da cidade tinha sido construído um monumento que guardava uma cruz que segundo a lenda foi a única que sobrou das 19 fixadas até as margens do rio negro. Essa mesma cruz, aqui mais uma lenda, devia ser ali mantida e cultuada sob o risco, caso fosse retirada, de a cidade de Mafra sofreria inundações.

 Para aqueles que não conhecem a cidade acredito que tiveram dificuldades como nós descobrir o local exato onde a pequeno monumento fora erguido em devoção ao monge. Ficamos embasbacados ao ver que o que se imaginava ser algo proporcional ao tamanho de alguém tão importante, com milhares de devotos, era uma diminuta capelinha na extremidade da praça, mal conservada, suja, com algumas flores de plástico fixadas em um pedaço de madeira queimada que restou da respectiva cruz.

Foto Jairo

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Situação parecida foi encontrada no município vizinho, Santa Cecília, onde visitamos outro local que se supõe ter sido parada do Monge João Maria. Quando lá chegamos ficamos surpreendidos como o tamanho do descaso dado ao local, santo. Distante do centro urbano, a fonte de água, dita milagrosa, ficava no interior de um potreiro junto a uma das comunidades mais carentes do município. Uma família nos recebeu e nos oferecendo gentilmente uma garrafa com água coletada mais acima do local dito sagrado. O morador nos relatou que o local onde havia uma pequena capelinha, uma cruz caída ao chão e pedaços de imagens de santos, vem sendo degradado devido ao transito de bovinos ao local. A própria fonte que passa ao lado está completamente assoreada pelo pisoteamento dos animais.

Foto Jairo

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O cenário de abandono nos deixou uma péssima impressão do modo como as autoridades vêm tratando de uma personalidade tão importante para a história e memória do estado catarinense. Bem diferente da do estado paranaense onde existem movimentos organizados com forte engajamento das autoridades na construção de políticas para a recriação do caminho do monge transformando-o em roteiro turístico.

Pernoitamos em Papanduva antes de darmos prosseguimento a Curitibanos, último destino de nossa pesquisa. Fomos direto à prefeitura da cidade e de lá no direcionaram à secretaria de educação e cultura, para conversarmos com o Sr Aldo, pessoa que nos daria mais informações sobre a figura do Monge João Maria no município e região. Nosso encontro com o Sr Aldo durou mais de três horas, tendo sido momentos de extraordinário aprendizado não somente sobre o monge, bem como o cenário de conflitos, fé, violência e mortes que se abateram sobre a região naquele período.

Foto Jairo

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Claro que há uma vasta bibliografia disponível tratando do tema guerra do contestado, os fanáticos caboclos e as chacinas que levaram a morte de milhares de pessoas, na sua maioria seguidores do Monge João Maria. Não se pode creditar o conflito e as mortes a exclusiva figura do Monge. Também não foi somente a construção da estrada de ferro SP/RS o principal epicentro do conflito. Outras disputas estavam em jogo, como a divisão dos limites territoriais envolvendo Santa Catarina. Foi a partir desses inúmeros cenários em especial é claro a construção da estrada de ferro que as tensões se elevaram na região.

Milhares de posseiros, caboclos, instalados as margens da ferrovia foram expulsos de suas terras sem qualquer tipo de indenização. Perambulando pelas estradas sem destino, esse grupo se juntou a outras centenas que haviam sido desligados da empresa responsável pela construção da ferrovia.  Muitos dos que foram desligados da empresa, não receberam qualquer salário ou contribuição indenizatória. O caldo das tensões atingiu níveis assustadores, até que surgiu no palco de acontecimentos o Monge José Maria de Jesus, como um guia, um suporte as tantas adversidades sofridas pelo povo.

Vários redutos ou acampamentos ocupados pelo povo expulso das terras junto com outros tantos trabalhadores da estrada de ferro e demais marginalizados, famintos e analfabetos, passaram a ver o monge como o caminho para a superação das privações na qual estavam submetidos. Imagine alguém que há décadas ocupava uma terra, plantava, colhia, de repente apareceram uns sujeitos munidos de documentos onde apresentavam ao caboclo pedindo que se retirassem, pois as terras eram suas. Analfabetos, sem qualquer apoio reagiam praticando violência contra os intrusos. O ápice de toda essa injustiça contra os caboclos teve como resposta que foi o incêndio da cidade de curitibanos praticando pelos revoltosos.

Nessa miscelânea de acontecimentos ocorrendo tudo ao mesmo tempo, os caboclos ficaram na história como bandidos. Uma das justificativas adotadas pelo governo central enviando o exército para a região da fronte visando esmagar os revoltosos era de que os rebeldes queriam o retorno da monarquia. Afinal, por que os rebeldes desejavam o retorno da monarquia, e será que queriam mesmo?  A resposta se deve ao fato de não ter havido no período monárquico qualquer interferência de terceiros, do império, por exemplo, querendo tomar as suas terras. A verdade é que o movimento guiado pelo monge não tinha pretensões de restabelecimento da monarquia como foi noticiado na capital do Brasil, RJ. O fato é que o movimento popular na região do contestado foi literalmente esmagado pelas forças oficiais do governo central.

Porém o processo de dissolução não se deu de modo tão simples como era de se imaginar. Os rebelados adotaram estratégias de guerrilha que dificultaram as ações do exército. Nessas primeiras incursões houve milhares de baixas principalmente do lado do exército. Tal organização dos rebeldes se deve a presença e habilidade de figuras hoje pouco conhecida do povo catarinense como de Maria Rosa. Isso mesmo, Maria Rosa, uma mulher liderando forças rebeldes que impuseram forte resistência ao exercito oficial.

Afinal quem foi Maria Rosa, uma mulher além do seu tempo, A Virgem Comandante da Guerra Sertaneja do Taquaruçu. É exatamente com essas palavras que aparece escrito na capa do livro organizado por Aldo Dolberth. A obra, além de capítulos escritos pelo organizador, tem também outros cinco colaboradores com textos diversos, porém relacionados à heroína dos sertanejos.  Sobre a líder do reduto de São Sebastião, alguns historiadores fizeram várias referências a ela em seus trabalhos de pesquisa, com destaque o professor Dr. Paulo Primeiro Machado, da UFSC.

Importante destacar primeiro que Curitibanos foi literalmente incendiada por piquetes sertanejos revoltados pela expulsão de suas terras e cujo líder foi Agostinho Saraiva, apelidado de Castelhano. Interessante que nesse livro, que contém 58 páginas, há um capitula escrito por Euclides Philippi onde destaca versos, poesias sobre os redutos. Segundo o autor, são trovas, repentes declamados por um tal de Neném Schefer, que atuou junto com Maria Rosa nos movimentos de resistências. Os mesmo ficaram guardados por décadas e trazem informações importantes sobre o cotidiano dos acontecimentos naquela época.

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Quanto aos movimentos de resistência liderado por Maria Rosa, convém mencionar que o mesmo teve início em Taquaruçu e se consolidou em Caraguatá, onde Maria Rosa foi deposta pelos cabecilhos. Deve ser enfatizado aqui que o movimento não tinha vínculos diretos com as contestações de limites territoriais entre Paraná e Santa Catarina. O movimento, sim, era contra as injustiças, a opressão na qual o povo sertanejo estava submetido. Segundo relatos, a líder Maria Rosa, suas ações eram guiadas pelo monge José Maria. Certo dia, conforme descrito no livro Maria Rosa de Aldo Dolberth, Maria Rosa recebera mensagem do monge de que poderia ressuscitar por causa das encrencas que estava ocorrendo da região.

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Na visão do caboclo, somente as virgens teriam capacidade de desenvolver tais habilidades sensitivas a ponto de serem prontamente atendidas por Deus. Esse era o caso da virgem Maria Rosa. No entanto para o não caboclo, o sertanejo, as virgens eram retratadas como prostitutas das quais saciavam os desejos libidinosos do exército de São Sebastião. Por longo tempo esse foi o entendimento que se tinha dessas personalidades, consideradas junto com os caboclos e demais marginalizados como bandidos, vagabundos, etc.

Atualmente graças às pesquisas e documentações da época que vieram a público, ambos dão nova interpretação dos acontecimentos, deixando explicito que os fatos ocorridos que vitimaram milhares de moribundos, miseráveis, foram motivados pela ganância do sistema capitalista em franca expansão na região. Por muito tempo permaneceu o consenso de que as mulheres que tiveram destaques na guerra sertaneja eram taxadas de vulgares. É importante aqui ressaltar figuras emblemáticas importantes da época e pouco conhecidas do publico como a virgem Maria Rosa, a Virgem Teodora, Donzela Antonina, Chega Pelega, Dona Querubina, Dona Dulcia e tantas outras.

Não há como discordar que a derrota dos pelados no enfrentamento com exército legalista teve sim motivações internas, desentendimentos e disputas de poder. Também deve ser acrescido que o movimento começou a perder o seu foco principal quando salteadores, marginalizados, mercenários passaram a integrar o grupo dos rebeldes. Maria Rosa não conseguia mais ter voz ativa entre soldados agora embrutecidos pela senha assassina.

Não demorou, em 1915, forças legalistas ocupam o reduto de são Pedro sem que seus moradores e soldados percebessem. O reduto foi totalmente incendiado e seus moradores brutalmente mortos. Chegava ao fim, portanto, o exército encantado do povo marginalizado da região do contestado. O fato é que até hoje os reflexos desses episódios ainda permanecem vivos naquela região. A luta pela terra, por meio do MST, tem as suas raízes nessa região.

Retornando a Curitibano palco de enfrentamentos sangrentos durante os conflitos que seguiram ao contestado, há um episódio emblemático onde provou que os ranços odiosos contra o povo sertanejo ainda permanecem latentes na elite oligárquica local. Na gestão Espiridião Amin, inicio da década de 1980, o mesmo resolveu instalar placas comemorativas ao contestado em vários municípios da região. No município de o feito causou desconfortos a essas famílias com o que estava escrito nessa placa, pois enaltecia a luta bravia dos sertanejos caboclos contra a força tirânica dos coronéis. No dia posterior a fixação da placa a mesma foi retirada e não se soube do seu paradeiro. O governador sabendo do ato de imediato solicitou aos seus comandados que fixassem outra placa no local com os mesmos escritos. A mesma continua no local até o momento.

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Se em Mafra, Santa Cecília e Papanduva os monumentos dedicados ao monge são discretos, em Curitibanos o resultado é outro. Embora suntuoso o monumento esteja um pouco deslocando da área central da cidade. São necessários alguns minutos de carro ou ônibus para chegar ao local. Acontece que no passado o local havia uma fonte de água, também considerada milagrosa. Devido ao aumento de construções ao seu entorno, a água da fonte deixou de coletada por apresentar níveis de contaminação por rejeitos químicos e orgânicos. Há pouco tempo uma enorme pintura representando o monge foi feita na parede do muro que cerca o local.

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     Prof. Jairo Cesa