Projeto
Orla e os debates sobre políticas públicas de Preservação e difusão do Patrimônio
Arqueológico da faixa costeira do município de Araranguá
Na
quinta feira, 22 de maio, parcela expressiva do publico que esteve nas
dependências do Hotel Morro dos Conventos seguramente se sentiu privilegiado
pelo fato de ter tido a oportunidade de sanar dúvidas em relação à Arqueologia,
ciência ainda pouco conhecida pela esmagadora parcela da população brasileira.
Para explanar sobre arqueologia e as descobertas arqueológicas no balneário
Morro dos Conventos, foi convidado o professor doutor Juliano Bittencourt, do
IPAT/UNESC, cujos estudos desenvolvidos ou em andamento tiveram e tem o
balneário e faixa costeira do extremo sul catarinense como campo de investigação.
No
entanto antes do início da explanação o comandante do corpo de bombeiros de
Araranguá solicitou a palavra para fazer algumas ponderações à coordenação do
projeto orla pelo fato de não ter sido encaminhado convite formal a corporação
para participar das reuniões. Segundo o Tenente Marcolino o mesmo ressaltou que
sua presença na reunião do dia 22 de maio se deu por puro acaso. Disse também
que o equívoco da coordenação também envolveu a polícia militar. Argumentou que
o corpo de bombeiro que presta serviço a comunidade tem muito a contribuir nas
reuniões que poderia estar participando desde o início, tendo em vista as
experiências acumuladas na orla durante a temporada de veraneio.
Informou
que atos de vandalismos corriqueiros, como a queima de uma cabana dos
salva-vidas no Arroio do Silva, orçada em sete mil reais dos cofres públicos, deve estar
inserido no projeto orla como um problema e ser debatido com a comunidade.
Sendo assim sugeriu que a organização do evento elabore convite formal e
encaminhe aos comandantes da polícia militar e bombeiros para que ambos
participem dos encontros. Diante da critica do tenente, Simon respondeu que vem
participando das reuniões um cidadão que se identifica como bombeiro, vindo até
a assinar o caderno de presença. O tenente ressaltou que a companhia de
Araranguá não autorizou qualquer pessoa para participar dos encontros, que o
cidadão descrito, não faz parte da corporação, que fez apenas um curso de
salvamento civil, porém, já foi excluído.
Depois dos inconvenientes relacionados aos
comandos da política militar e corpo de bombeiros, o professor Juliano
finalmente iniciou sua explanação, primeiro apresentando a equipe que o
acompanhava. Pediu desculpas por não ter tido condições de atender o grupo em
outra oportunidade, em especial ao professor Jairo que em várias ocasiões lhe
teria encaminhado E.mail solicitando sua presença no Morro dos Conventos como
haviam agendado em outra oportunidade. Além de mapas demarcando as áreas em
estudo na região, distribuiu aos presentes cartilhas didáticas e lúdicas de
arqueologia, bem como cópia de um artigo intitulado Arqueologia entre rios: do
Urussanga ao Mampituba, Registros arqueológicos pré-históricos no extremo sul
catarinense, para que o público presente tivesse noção sobre o que seria
discutido.
Mostrou
também artefatos de caça e peças de cerâmica produzidas em oficinas com
estudantes, onde retrata um pouco do cotidiano dos povos que habitaram o
extremo sul de santa Catarina, cuja presença mais antiga é datada de mais ou
menos quatro mil anos atrás. Sobre a instituição no qual está representando, a
UNESC, disse o departamento de arqueologia vem atuando desde 1997, 1998, quando
foi contratada para o levantamento arqueológico do trecho onde seria construída
a rodovia Interpraias, entre a Lagoa dos Freitas, Içara, até o município de
Balneário Gaivota. No trecho foram notificados inúmeros sítios arqueológicos,
alguns já pesquisados através de escavações. Os estudos da área onde está a
barragem do rio São Bento também foram executados pela equipe de arqueologia da
UNESC.
Quanto
a BR-101, todo levantamento arqueológico ficou sob a responsabilidade da UNUSUL.
Admitiu que a quantidade de institutos e
profissionais envolvidos na arqueologia é aquém do necessário atualmente, sendo
que a empresa mais próxima que presta assistência técnica similar à UNESC está
localizada em Florianópolis. Com relação aos mapas expostos no interior da
sala, três ao todo, disse que ambos mostram as áreas ocupadas pelos distintos
grupos, os períodos, e o progressivo avanço humano que ameaça a segurança
desses sítios. Um dos mapas apresentados, de cor vermelha, destaca a forte pressão
humana sobre os espaços ocupados por sítios, porém, quando se refere ao Morro
dos Conventos, esse avanço ainda é, no momento, um tanto quanto limitado. O
projeto orla tem entre outras atribuições o estabelecimento de um plano para a
definição de áreas possíveis para ocupações reservando aquelas consideradas
APPs e as ocupadas por deposições ou elementos que confirmam a presença humana
pré-histórica.
A
preocupação é que enquanto o projeto orla não define as políticas para as
respectivas áreas todo o acervo arqueológico encontrado está ameaçado, mesmo
sabendo que o Ministério Público Federal recomendou ao poder publico municipal
que providenciasse a proteção dos mesmos, determinação que não foi cumprida.
Informou Juliano que a Unesc vem desenvolvendo trabalhos na região no qual
resultou em publicações de pesquisas, seminários e congressos, bem como a
participação em eventos em vários estados e no Exterior. Dentre os mais
importantes destacou o projeto Arqueologia Entre Rios que é tema de sua tese concluída
em abril último.
Dentre
as instituições envolvidas em pesquisas na região destacam-se a USP e a UFRJ,
que atuam desde 1990; a PUC e a URGS com pesquisas de campo no município de Passo
de Torres. O Instituto Anchietão, da UNISINOS/São Leopoldo, é o mais conhecido,
cujas pesquisas arqueológicas coordenadas pelo Padre Shimidt, tiveram enorme
êxito a partir da década de 1970 com escavações em Araranguá, especialmente
mais ao norte da região nos limites do município de Balneário Rincão, cujos
materiais encontrados estão em exposição na igrejinha do próprio município.
Sendo
a arqueologia uma ciência que necessariamente requer a colaboração de outras
ciências afins, como a biologia, história e engenharia ambiental, a pressão
promovida pelo departamento de arqueologia fez com que fosse aprovada resolução
obrigando a inserção de créditos dessa ciência nesses cursos, permitindo uma
melhor qualificação dos profissionais nos exercícios de suas atividades.
Destacou também o trabalho com oficinas que o departamento vem desenvolvendo
nas escolas da região, uma forma lúdica de familiarizar os estudantes com essa
ciência transformando-os em colaboradores e protetores dos possíveis sítios
encontrados. Em relação às pesquisas e escavações já realizadas, disse que o sítio
com datação mais antiga foi encontrado no município de Jaguaruna datada de oito
mil anos.
Já
na pesquisa “Entre Rios” no qual coordena, as datações são de 3.340 anos, de
grupos caçadores e coletores; e de 700 anos aproximadamente, das etnias
guarani, tronco cultural tupi-guarani. A não presença de qualquer indivíduo ou
agrupamento guarani na região tem relação direta com o processo de ocupação portuguesa
ocorrida a partir do século XVI. O
modelo colonialista escravocrata exportador adotado fez com que os donatários empregassem
a mão de obra indígena na extração de madeira, pau Brasil, depois substituído
pelo trabalho do africano. A partir do século XIX, o governo imperial adotou
políticas para estimular a ocupação do sul do Brasil, chegaram os imigrantes europeus
para trabalhar na cafeicultura do sudeste e ocupar as terras do sul do Brasil.
Quando aqui chegaram, especialmente imigrantes italianos e alemães, se
defrontaram com ocupantes nativos, cujo efeito foi devastador. Nas investidas,
especialmente dos bandeirantes paulistas, caçadores de índios, milhares foram
mortos, os sobreviventes, transportados para as regiões produtoras de cana onde
foram comercializados como escravos.
Convém
destacar que os guaranis ocuparam as terras do litoral a cerca de 200 anos
antes da invasão portuguesa. Além do mais, acredita-se que os sambaquianos, caçadores
e coletores de conchas que habitavam há cerca de quatro mil anos já tinham
desaparecidos. Há indícios com base nos artefatos encontrados da presença de
caçadores e coletores vindos do interior, que desciam periodicamente ao litoral
para a coleta de crustáceos e outros tipos de alimentos. Esse deslocamento
via-se comum em períodos de escassez de alimentos em seus ambientes de origem.
Os grupos do interior, caçadores e coletores, ou Xokleng, há registros de que
os últimos indivíduos desapareceram por volta da década de 1950. Pelo fato de
não ter sido encontrado no litoral, elementos peculiares à cultura Xokleng como
pontas de flechas, acredita-se que não tenham constituído agrupamentos como dos
guaranis, que há registros de que nas décadas de 1920, 1930, e 1940 muitos
ainda viviam nas matas com histórias contadas de que crianças brancas teriam
sido seqüestradas de criadas na cultura guarani. Diferente dos caçadores e
coletores, os gurarins geralmente construíam seus acampamentos ou aldeias próximas
a cursos d’água como lagos, lagoas e florestas.
Com
base em pesquisas recentes coordenada pelo departamento de arqueologia da UNESC,
na região de Araranguá já foram catalogados oito sítios sambaquianos e um
abrigo sobre rocha, cujo material próprio dos que ali habitaram foi totalmente
saqueado. Em razão da falta de políticas mais sistematizadas do poder público
para pesquisas desse gênero, todos os sítios identificados até o momento suas
descobertas se deram de modo casual, ou mediante pesquisas acadêmicas ou
empresariais. Empresarial pelo fato da legislação federal obrigar o
empreendedor na hipótese de execução de um projeto de infraestrurura,
construção de rodovia, represa, entre outros, ter de contratar uma instituição para
promover o levantamento do potencial arqueológico. Entretanto, do mesmo modo
que a legislação estabelece regras mais rígidas para o setor empresarial, não impõe
qualquer restrição ao agricultor em assegurar proteção ao sítio por ele
identificado.
Quanto
a isso o que se pode fazer é promover programas de Educação Patrimonial podendo
ser coordenada pelas secretarias de cultura e educação do município, com a
colaboração de setores organizados da sociedade como Ongs, Oscips, Associações
de Moradores, etc. Quanto maior for a divulgação maior será a chance de
proteger todo esse acervo. Sobre os sítios encontrados no Balneário Morro dos
Conventos o que se fez foi apenas o levantamento, cabe agora ao IPHAN promover
o estudo dos mesmos. No entanto acredita-se que dificilmente tais procedimentos
serão concretizados em decorrência da escassez de pessoal e recursos, já
divulgados pelo próprio órgão.
Em
2013, documento enviado pela Oscip Preserv’Ação ao MPF para que intercedesse
junto ao IPHAN/SC, para que providenciasse ações de proteção aos sítios do
balneário, a resposta da superintendente estadual dizia que os sítios já
estavam legalmente protegidos, sendo crime sua destruição. Além do mais no
mesmo documento constava também de informação afirmando que quanto ao “Tombamento
do Morro” não havia meios legais para fazê-lo por decreto, sendo incumbência do
municipal. Para o Iphan o processo de tombamento tornar-se-i-a mais moroso
devendo passar por instâncias federais, em sessão do Conselho Consultivo do Iphan/Brasília.
Relatou que por restrições orçamentárias o órgão procedeu apenas ações
emergenciais, que possivelmente se poderá pleitear o que se pede que é o
tombamento do Morro dos Conventos. Deixou claro a superintendente que o poder
público tem a obrigação de preservar o local, visto que mais que uma beleza
natural, é um patrimônio que pode vir a ser considerado nacional, é sem sobra
de dúvida um patrimônio local e regional.
Quanto
ao memorando n. 362/PRESI enviado pelo Iphan ao MPF respondendo os
questionamentos elencados pela procuradora federal quanto à proteção dos sítios
no morro, na leitura do documento a procuradora fez algumas observações ou
críticas, pois o órgão do patrimônio federal não especificou quais medidas que
seriam tomadas para proteger os sítios, objeto da recomendação. Quanto ao
tombamento do monumento Morro dos Conventos, quando alega escassez de recursos
para execução, é noticiado que tramita processo de tombamento em curso de Parque
Arqueológico do Sul. Com tais informações acredita-se que já é de conhecimento
do Iphan, a existência de tais sítios arqueológicos, porém a não imposição de
qualquer medida de proteção pode o órgão ser imputado por crime de omissão,
pois infringe leis federais que obriga o órgão protegê-los.
A
importância do acervo arqueológico encontrado no balneário é de tamanha
grandeza que estimulou um acadêmico a universidade a construção de projeto de
pesquisa no qual foi aceito no curso de mestrado de uma universidade. Com
ênfase a descoberta dos sítios, o feito se constitui como um caso raro pelo
fato de ter sido encontrado e divulgado por uma organização não governamental.
Outro aspecto curioso verificado pelos profissionais do Ipat/Unesc, contratados
pelo poder público municipal para o levantamento dos acervos arqueológicos nas
margens do rio próximo à foz, onde serão construídas plataformas de pesca
artesanal, foi a inexistência de qualquer vestígio arqueológico no trecho do Rio
dos Porcos. Admite-se que tal ausência tem relação com o avanço e recuo das
águas do oceano, que possivelmente no período que grupos humanos migraram para
a região a área estava alagada.
Nos
últimos 10 mil anos o planeta passou por mudanças climáticas regulares, revezando
entre ciclos de glaciações e aquecimentos. Todo esse conjunto de fenômenos teve
influência no modo como esses grupos se estabeleceram no território que está
sendo estudado. O que se constata quando se descobre sítios, geralmente estão
situados em áreas mais elevadas, livre de alagamento como no entorno do farol, cuja
altura está a 70 metros acima do nível do mar. Dentre as descobertas da equipe
de arqueologia, o sítio guarani na comunidade de Ilhas, chamou atenção.
Segundo
os pesquisadores, com base nos elementos identificados, restos de fogueira,
artefatos cerâmicos, etc., tudo leva a crer que o respectivo aldeamento com
área aproximada de 200 m X 200 m foi um aldeamento considerado permanente. Isso
significa que os demais sítios encontrados, como do Morro dos Conventos, partindo
das características como tamanho e volume de cascas e peças encontradas, foram
aldeamentos provisórios, ou seja, pequenos grupos aproveitando os sambaquis,
montavam seus acampamentos e ali permaneciam por um determinado período. Depois
de coletando os suprimentos, mariscos, peixes e o abatimento de pequenos
mamíferos, desfaziam o acampamento e se transferiam para o aldeamento
principal, situado em Ilhas.
Quando
questionado sobre a destinação do sítio encontrado em terreno cuja intenção do
proprietário é loteá-lo, respondeu que se durante as escavações for comprovado
que o material enterrado tem certa relevância para a sociedade, a área do sítio
pode ser preservada em consonância com a legislação federal. Citou exemplo de um loteamento pretendido
para o município de Rincão, em que o proprietário teve que ceder 12 lotes para
que o sambaqui fosse preservado. Talvez sensibilizado e reconhecendo a
importância da preservação de tais monumentos arqueológicos, o proprietário do
respectivo loteamento doou mais quatro lotes para que fosse criado um centro de
incentivo à cultura e as pesquisas de arqueologia.
Além
do mapa que mostra a ação antrópica nas áreas ocupadas por sítios, chamou a
atenção também o mapa que descreve a
vegetação. Segundo o professor,
para a arqueologia o aspecto paisagístico é imprescindível para os
pesquisadores. Isso porque quando certos grupos pré-históricos procuram se
instalar em determinados terrenos, uma das preocupações dos grupos foi com a
água e a vegetação. A partir desses
elementos se torna possível obter mais informações sobre o modo como se
organizavam e suas relações com o ambiente do entorno. Deixou nítido o
professor que o poder público tem a responsabilidade de preservar os 54 sítios
identificados. Que o caminho é promover o diálogo com todos os seguimentos da
sociedade, órgãos públicos, associações de moradores, entre outras. Caso não o
faça seguramente todo esse rico patrimônio desaparecerá. Um exemplo são os
municípios de Balneário Comburiu entre outros que pela inexistência de políticas
públicas de ocupação ordenada os sítios arqueológicos foram destruídos.
Elisa
perguntou ao palestrante quais as medidas que devem ser tomadas quando se descobre
sítios, e quanto ao município, que ações devem tomar. Juliano respondeu que
quem deveria protegê-lo, mapeá-lo, dialogar ações de proteção seria o Iphan,
que existem três autarquias regionais, onde a autarquia mais próxima está
localizada em Laguna. No entanto devido à falta de pessoas e recursos, como
alegam, seguramente são as universidades que vem atuando. Os municípios na
ausência do Iphan devem providenciar ações para resguardá-los, como vem fazendo
os municípios de Laguna e Jaguaruna com a fixação de placas. Além do mais, os
municípios citados, por meio de suas fundações culturais, procuram divulgar o
patrimônio à sociedade.
Para
o município de Araranguá a arqueologia poderia ser uma grande parceira na
divulgação e promoção do desenvolvimento da região. No entanto vem perdendo uma
grande oportunidade em envolver a comunidade, as escolas, para preservar e
divulgar, transformando-o em atrativo turístico. A prefeitura poderia
disponibilizar placas ou criar infraestrutura de tal modo que proporcionasse a
visitação dos sítios em especial do abrigo sobre rocha. A própria tese defendida pelo professor
Juliano traz na sua conclusão referência aos sítios identificados no Morro dos
Conventos, sua importância e o modo como o poder público de explorá-lo para
promover o desenvolvimento do município. Segundo Juliano: “Os sítios do Morro dos Conventos
são bons exemplos do potencial museuológico que a região oferece, transformados
em museu ao ar livre, com visitas orientadas dentro de um plano de turismo
cultural sustentável, que inclua a comunidade”.
Quando
faz referência a arqueologia histórica está se referindo aos agrupamentos mais
recentes como os quilombolas entre outros que habitaram um determinado
território, cujas ruínas deixadas servem de material documental. Elisa levantou
questionamento se a antropologia não busca identificar o homem não a partir do
nascimento, mas do que veio antes, dos vestígios deixados. Que nós seres
contemporâneos possuímos elementos culturais desse povo anterior. Josie,
pesquisado do Ipat, respondeu que tanto a antropologia como a arqueologia
trabalham com a herança genética, que o ambiente onde viveram são decisivos no
processo de pesquisa. Além do mais a arqueologia ajuda a compreender o modo
como os grupos humanos se apoderam das paisagens, ajuda a pensar o território,
sua relação com os fenômenos climáticos, sua previsibilidade de médio e longo prazo.
Prof.
Jairo Cezar