sexta-feira, 13 de março de 2020

O POTENCIAL DA AGROECOLOGIA NO SUL DE SANTA CATARINA

foto-Jairo

Quem já não deve ter se indignado várias vezes a frente da televisão assistindo a repetida propaganda com o seguinte bordão: “agro é Tech, agro é pop”. É claro que uma propaganda dessa dimensão tem por objetivo fazer as pessoas a acreditarem que o agronegócio brasileiro é indiscutivelmente a alavanca para o desenvolvimento econômico. Um tipo de propaganda dessa magnitude tem um custo milionário, bancada, é claro, por poderosas corporações transnacionais que controlam o mercado de sementes e insumos agrícolas, a exemplo dos agrotóxicos.
A agricultura familiar, responde hoje com quase 80% dos alimentos comercializados no Brasil. No entanto, esse setor não recebe a mesma atenção dos governos com políticas que garantam a subsistência digna das pessoas envolvidas. É difícil produtos da agricultura familiar, competirem com o agronegócio. A pouca competitividade se deve as pomposas políticas de subsídios públicos para insumos como agrotóxicos, responsáveis por doenças e mutações genéticas, das quais comprometem enorme fração das verbas públicas.

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Atuando paralelamente e quase invisível ao agronegócio, está a agroecologia, modelo produtivo que dispensa aditivos químicos tóxicos no manejo do solo e das plantas. Quem visitou supermercados ou fruteiras já se deparou em algum canto com variedades de legumes, verduras e frutas orgânicas, porém, já notou que o espaço é pouco visitado em virtude dos preços pouco convidativos, comparado com os produtos convencionais. A não introdução de químicos no manejo de hortaliças e culturas variadas proporciona ao consumidor a aquisição de produtos ricos em vitaminas e demais propriedades nutricionais.
 Quem segue o hábito diário de inserir produtos orgânicos no cardápio, tem a tendência de ir menos ao médico ou consumir medicamentos. Por isso, o preço maior pago por um quilo de cenoura, batata, aipim, etc, no final das contas se torna menor, quando deixamos de ir ao médico. Parcela significativa das pessoas atendidas nas unidades de saúde e hospitais no Brasil tem como um dos principais vetores das enfermidades, alimentos contaminados por agrotóxicos. 
É possível mudar essa tendência nada saudável num país dominado por poderosas organizações que faturam bilhões comercializando venenos e medicamentos? Uma sociedade mais saudável certamente fragilizaria tais corporações, ascendendo outra cultura de cidadãos livres e felizes. Poucos sabem que no Brasil milhares de famílias sobrevivem cultivando produtos orgânicos, um exemplo que merece ser citado é o Movimento dos Sem Terra.  A dificuldade, porém, é inseri-los na lista diária de compras da população que ainda prefere produtos convencionais, por serem mais baratos.

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 Se o agronegócio tem forte poder de persuasão sobre o consumidor isso se deve a forte estrutura criada pelo seguimento, começando no campo, se deslocando para o Congresso Nacional até atingir outros setores como o judiciário e o executivo. A agroecologia, embora discreta, está conseguindo derrubar barreiras e se tornando visível à população. Um aspecto importante no seguimento dos orgânicos é a obrigatoriedade do produtor ter o certificado que comprove ser o produto livre de aditivos químicos. O encontro ocorrido em uma propriedade particular no município de Forquilhinha no dia 02 de março de 2020, revelou a dimensão dessa atividade na região no sul de Santa Catarina. 
A participação ativa da EPAGRI, por meio dos seus profissionais, que mostram engajamento na introdução de uma mentalidade transformadora, está sendo imprescindível. Outro aspecto observado nesse encontro foi o empoderamento dos/as pequenos/as agricultores/as orgânicos/as e outros tantos em vias de certificação, na tomada de decisões coletivas. São muitos os grupos criados com reuniões periódicas, onde são discutidas desde o manejo da produção, as estratégias de publicidade, a valores compatíveis ao trabalho realizado.
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O trabalho educativo é outro elemento destacado nos encontros. É nesse instante que entram em ação os profissionais da EPAGRI, acompanhando os agricultores em uma saída de campo, onde são mostrados cultivos orgânicos. No encontro da Forquilhinha, o público presente foi instruído acerca do modo de como cultivar milho e arroz orgânico. Os técnicos exibiram uma área onde havia sido cultivado arroz, que estava em vias de certificação como orgânico.  Relataram alguns empecilhos que poderão dificultar a obtenção da certificação e como proceder para garantir seu deferimento.


 Uma das causas limitantes é a inexistência de uma barreira natural para bloquear a passagem de partículas de agrotóxicos à área vizinha. A água também foi outro tema discutido. Como fazer para garanti-la à cultura de arroz orgânico, sabendo que sua origem é a mesma que abastece os não orgânicos? Sobre as barreiras naturais, não há uma definição padrão quanto a sua extensão entre orgânicos e não orgânicos. Recomenda-se que quanto maior for a barreira mais seguro será o cultivo orgânico.

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Foi falado também que em safra de condição climática normal é possível colher próxima a 200 sacas por hectare de arroz orgânico. O fator compensatório dessa variedade são os preços que oscilam entre quarenta a cinqüenta por cento superiores aos não orgânicos. Outra vantagem é que há um mercado em franco crescimento tanto no Brasil como no exterior. A presença de representantes de uma empresa             que beneficia arroz orgânico mostrou o grau de importância desse produto no mercado nacional e internacional. Outro dado revelador verificado no encontro da Forquilhinha foi à seriedade demonstrada pelos presentes quanto ao cultivo de orgânicos

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Os proprietários que almejam a certificação devem seguir alguns ritos obrigatórios, que podem durar meses até anos. O teor de toxidade do solo, mecanismos de manejo das culturas, são exemplos de itens a serem monitorados por profissionais e demais produtores orgânicos. O fato é que todo esse trabalho não se encerra no instante da certificação do produtor. Todos os anos as propriedades certificadas são inspecionadas para verificar se ambos estão cumprindo com os critérios recomendados acerca do manejo orgânico.
O descumprimento das normas estabelecidas resulta na perda da certificação. Talvez esteja nesse rigor extremo o motivo pelo qual do pequeno número de produtores que asseguraram a certificação na região do extremo sul de Santa Catarina, pouco mais de duas dezenas. Outro aspecto curioso foi observar a inexistência nessa reunião de produtores orgânicos ou não orgânicos de Araranguá. Diferente de Maracajá, onde há três propriedades certificadas, onde um dos proprietários, que cultiva banana, integra a comissão de ética do grupo Frutos da Terra.

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O outro produtor orgânico de Maracajá, um fumicultor, hoje desenvolve produção de hortaliças e legumes para o abastecimento de escolas municipais em Maracajá. Era possível perceber o carinho e o respeito de um profissional da EPAGRI a ambos, profissional que também presta assessoria aos cultivadores de pitayas da região. O que causou certa comoção foi quando esse cidadão, ex-produtor de fumo, declarou que com a introdução de orgânicos em sua propriedade sua saúde melhorou significativamente.
 Além do grupo Frutos da Terra, outros mais foram criados envolvendo diversas famílias de agricultores. Durante o ano, esses pequenos grupos promovem reuniões regionais, onde são discutidos e definidos planos para o fortalecimento dos sistemas orgânicos no sul de Santa Catarina. Nesse encontro macrorregional, no município de Laguna, cada produtor levou alguns itens cultivados para comercializarem ou trocarem com os demais. O destaque, porém, foi o café e o almoço oferecidos, ambos acompanhados por frutas, cereais, legumes, doces, queijos, pães, oferecidos pelos próprios agricultores.

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Entre os vários temas discutidos nas quase oito horas de reunião, o que mais mobilizou os presentes foi como proceder para que os orgânicos ocupem mais espaços nas mídias, estimulando a população a consumir mais? A criação de aplicativos informando a existência de feiras nos municípios foi uma das propostas elencadas. A disseminação de sementes crioulas foi outro assunto que permeou os debates no encontro.
Enquanto grupos de pequenos produtores orgânicos catarinenses quase sem visibilidade lutam as duras penas para sobreviver, com o mínimo de apoio do governo, esse mesmo governo garante incentivos ao poderoso agronegócio catarinense, com a retirada da cobrança de ICMS aos agrotóxicos. A tendência, portanto, é o aumento da toxidade do solo, água e a contaminação dos alimentos consumidos pela população. A alegação dos que defendem o fim da cobrança do ICMS é a elevação dos preços de produtos da agricultura, prejudicando a competitividade.

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Essa decisão do governo não favorece o bem estar da sociedade catarinense. Com a cobrança de ICMS sobre o comércio de venenos, tenderia a uma mudança de paradigma no modelo agrícola catarinense, forçando a aplicação de técnicas mais sustentáveis no campo. Com a decisão de incentivar o uso de pesticidas na agricultura, continuaremos nos deparando com cenários estarrecedores em vias públicas e terrenos particulares de nossas cidades, a disseminação de venenos.
O que é perturbador é que tais práticas são proibidas por legislações federais, estaduais municipais. Entretanto, jamais se teve notícia de ter havido detenção ou apreensão de alguém por estar exercendo tal prática irregular nos perímetros urbanos. No campo também não é diferente. As legislações recomendam que após a aplicação dos agrotóxicos nas culturas o proprietário isole a área por cerca de 48horas, fixando placas informativas dos princípios ativos aplicados na área. Nada disso é obedecido, com raríssimas exceções.

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Com isso, ampliar e fortalecer os produtores orgânicos são estratégias importantes para o enfrentamento da forte pressão vinda do seguimento do agronegócio catarinense. A maior aquisição de gêneros orgânicos nos supermercados e feiras livres será um forte estímulo aos praticantes dessa modalidade. Aumentando a demanda de consumidores, o produtor será motivado a produzir mais, aumentando a sua renda, além de assegurar uma alimentação saudável e nutritiva a toda a sociedade.            
    Prof. Jairo Cezar
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