DICAS
DO GEÓGRAFO BRITÂNICO DAVID HARVEY SOBRE FORMAS ALTERNATIVAS DE GOVERNOS LOCAIS
Foto - acervo - Jairo |
Na
década de noventa o Brasil pós-ditadura estava passando por transformações sociais
importantes, como o afloramento de movimentos e forças políticas com utopias
ousadas, bem contrárias ao modelo de gestão vigente. Sendo assim, esses ares
revolucionários passaram a contagiar um enorme contingente de indivíduos, esperançosos,
que vislumbravam no horizonte a possibilidade de construção de uma nação para
todos/as. Era comum na época a publicação de obras literárias na linha de Paulo
Freire, Florestan Fernandes, Maria da Conceição Tavares, Otávio Iani, outros
tantos, das quais instigavam o imaginário da juventude à compreensão da dinâmica
do complexo tecido social, suas contradições e possibilidades superação.
Na
própria universidade, nos cursos de ciências sociais e humanas, os programas
curriculares apresentavam um forte viés crítico, isso porque não havia motivo
para continuar mantendo um modelo de governo, reprodutor de tantas injustiças e
desigualdades. É claro que Marx e outros neo-marxistas, nesse período, sempre transitavam
por esses e outros cursos, sendo indicados como referenciais bibliográficos
obrigatórios. Se o desejo de transformação dominava o imaginário da militância,
não havia como se abster de ler tais obras. Era imprescindível instigar a
imaginação e a leitura era fundamental. Porém, é importante destacar, que
jamais se excluiu do acervo bibliográfico da esquerda, obras e autores
conservadores, liberais, a exemplo dos clássicos que fundamentaram o pensamento
econômico capitalista vigente, como Adam Smith, Max Weber, Augusto Conte, John Maynard
Keynes, entre outros.
Nas
dezenas ou mesmo centenas de obras das quais tive a felicidade de lê-las, uma
delas que marcou minha geração, e acredito até que tenha sido determinante na
escolha do propósito no qual sigo há anos, a luta ambiental, foi Condição Pós
Moderna, escrita pelo geógrafo Britânico David Harvey. Uma obra com mais de 300 (trezentas) páginas, o autor tece comentário sobro o mundo a partir do iluminismo, adentrando
na modernidade e na fase pós-industrial.
Não
deixou de pontuar aspectos importantes no campo da arquitetura, da arte, da
literatura. Sobre o final do século XX, destacou
as profundas transformações tecnológicas, a crise do materialismo histórico e a
flexibilização das relações de produção. Para Harvey a própria percepção do
tempo e espaço varia. Explica que essa variação afeta valores individuais e
processos sociais do tipo mais fundamental.
A
obra Condição Pós-Moderna, por muitas vezes utilizei capítulos como o 10 para complementação
de minhas aulas de história. Esse capítulo, cujo título é Teorizando a
transição, dos demais 20 presentes no livro, trazia uma abordagem muito interessante sobre
mudanças no mundo da produção e relações sociais. Uma espécie de fluxograma foi
elaborado por Swyngedouw (1986) onde mostra distinções entre o sistema de
produção fordista e Just-in-time, no processo produtivo, trabalho, espaço,
Estado, Ideologia.
Hoje
com 83, o geógrafo marxista britânico formado pela Universidade da Cambridge,
Inglaterra, continua ativo e escrevendo obras importantes. Além de escrever é
convidado por inúmeras universidades para promover palestras. Veio ao Brasil
várias vezes, sendo a última no começo de agosto onde participou de lançamento
do seu livro mais recente A Loucura da Razão Econômica. Na oportunidade, a
revista eletrônica Brasil de Fato o entrevistou, no qual explanou comentários
sobre seu último trabalho e qual sua compreensão sobre o atual cenário político
global, com ênfase à America Latina.
Descreveu
que na América Latina alguns países saíram de um cenário neoliberal, passando a
experimentar novas formulas de organização como a social democracia. No
entanto, esse modelo não se moldou como se deveria, pois a intenção do
capitalismo foi sempre destruir formas sociais de relação. Afirmou que não há
solução aos problemas sociais emergentes com a permanência o regime
capitalista. É importante e necessário encontrar soluções alternativas ao
capitalismo.
Os
países da América Latina que experimentaram formas sociáveis de governança, não
prosperaram pelo fato do modelo ter se assentado sobre lideranças carismáticas.
Muitos desses países, os governos de esquerda, depois de eleitos foram empurrados
para tendências ideológicas de centro ou de direita, ambos se distanciaram
radicalmente dos seus programas originais. Essa
guinada conservadora gerou frustrações, que resultaram no recrudescimento da
direita e alguns casos até da estrema direita. Segundo Harvey, é preciso rediscutir
a democracia, dar sentindo ao termo, onde o povo possa ter mais participação.
Sua proposta é que sejam construídos modos de governança nos bairros,
comunidades, mediante associações, assembleias, etc. Esse sistema de
organização coletiva, denominou de “Comum” – Pessoas criarem solidariedade,
forma de governo local comum.
Citou exemplo de comunidades indígenas, que possuem formas de organização comum, como
uso coletiva da terra, das florestas, etc. É necessário que a sociedade, a
esquerda política em especial, reconheça o emprego, a moradia, a produção, como elementos não dissociados à sobrevivência do planeta. No livro recém lançado,
discorreu na entrevista aspectos relativos ao crescimento econômico e
desenvolvimento. O desenvolvimento deve
partir do aprimoramento das potencialidades humanas, que na realidade está
sendo reprimido, pois está vinculado ao conceito de crescimento econômico.
Isso
é um grande erro, segundo o autor. Portanto, desenvolvimento não pode ser
entendido como algo conectado ao material, a produção de bens. No Brasil, por
exemplo, havendo a eleição de um governo de esquerda, a idéia de crescimento
econômico deve prevalecer seguindo critérios bem definidos, ou seja, priorizar
regiões que não alcançaram padrões mínimos de crescimento, a exemplo da região
nordeste.
O
geógrafo falou também sobre o livro escrito em 2012, Cidades Rebeldes, onde abordou
os problemas hoje enfrentados por países como a China que importaram bilhões de
dólares em matéria prima para alavancar sua economia, como edificação de cidades
que não estão sendo hoje aproveitadas. Essa bolha especulativa estourou levando
milhões de investidores chineses a perderem suas economias. Esse é um modelo
que não deve ser seguido pela esquerda.
A
preocupação de Harvey no instante que as esquerdas assumirem o controle
político de cidades grandes é o como geri-las, administrá-las. Deu exemplo de
cidades como Barcelona, que seus governos de esquerda não souberam o que fazer
depois que se elegeram. Ressaltou que as esquerdas devam exercitar ao máximo a
imaginação, a utopia. A leitura de bons livros, de romances, de ficção, são
algumas das estratégias necessárias para despertar a imaginação.
É
preciso soltar a imaginação, pensar além do que já está feito, pois nada pode
iniciar do zero, tem que partir do que já existe. Citou Marx em relação à
história que não fazemos nas condições que escolhemos, mas no que está posto. Usou
essa metáfora para a cidade de São Paulo, que não pode ser construída tudo de
novo, tem que partir da realidade existente, e reconstruí-la seguindo um padrão
de coletividade. Deu exemplo das construções que estão vagas, que podem ser
ocupadas por quem não tem acesso a habitação.
Prof.
Jairo Cezar
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