INCÊNDIO NO MUSEU NACIONAL NO RIO
DE JANEIRO PODE SER COMPARADO AO DESASTRE AMBIENTAL EM MARIANA/MG
No
texto publicado há poucos dias afirmei que em 15 ou no máximo 20 dias a
população brasileira não lembraria mais do incêndio que consumiu o prédio do
museu nacional no Rio de Janeiro. Não duraram três dias o tempo necessário para
que toda a imprensa brasileira deslocasse o foto das atenções ao atentado que
vitimou o candidato à presidência da republica, Jair Bolsonaro. É claro que
incêndios como o do museu nacional, facadas como a que foi desferida a um
presidenciável, despertam muito a curiosidade do público, elevando às alturas os
índices de audiência de qualquer veículo de comunicação.
Depois
do episódio da facada, é possível contar nos dedos os jornais e telejornais das
principais emissoras do país que lançaram informações ou reportagens mais
robustas sobre o museu. O que se viu mesmo foi à tentativa de setores
conservadores de querer politizarem o fato, acusar ou criminalizar à UFRJ, como
se fosse a universidade a principal culpada de toda uma política de desmando dos
últimos governos contra a cultura e a educação pública brasileira. Para corroborar com tais reflexões, vale a
pena aqui pontuar algumas observações ditas pelos entrevistados, museólogos,
historiadores, arqueólogos, de conceituadas universidades brasileira, no
Programa Faixa Livre, da Radio Band, Rio de Janeiro, que foi exibido no dia 06
de setembro.
Disseram
que no Brasil a expansão dos museus se deu no período posterior ao regime ditatorial,
como estratégia para o fortalecimento da democracia. Mesmo assim, o número de museus
em funcionamento no país é muito discreto, comparado com os Estados Unidos.
Enquanto aqui nos consideramos orgulhosos com 3800 museus, nos Estados Unidos,
os números são absurdamente superiores aos nossos, chegando a 18 mil espalhados
por todo o território. E olha que a população dos EUA é pouco superior a
brasileira. A resposta desse flagrante absurdo de poucos museus pode é flagrada
na campanha dos presidenciáveis. Somente
2 ou 3 têm descrito nos seus planos de governo proposições voltadas aos museus
brasileiros. Isso não ocorre somente no Brasil. Na Argentina, o governo Macri desativou
o ministério da cultura.
De
acordo com os entrevistados, o museu nacional sua existência é bem anterior às
universidades. Tudo o que se sabe sobre pesquisa científica no Brasil, começou
no Museu nacional. Portanto, o mesmo possuía uma simbologia muito além do que
havia de material no seu interior, peças arqueológicas, múmias, pedras, plantas,
documentos etc. O prédio foi o palácio imperial, ou seja, tinha sido a
residência dos reis, imperadores, príncipes que governaram o Brasil por 40
anos. Isso é muito forte, simbólico, para um país que almeja ocupar um grau de
excelência entre as nações desenvolvidas.
É
preciso que a população compreenda a real função dos museus, para que realmente
servem? Não se faz cidadania sem uma reflexão com o passado. Os museus,
portanto, são ferramentas essenciais para fortalecer sentimentos de
pertencimento, de membro integrante de uma cultura, nação. O museu nacional foi
o local onde milhares de famílias ser reuniam nos finais de semana. Além de uma
imensa área verde transformada em parque, também há um zoológico, onde atraia
milhares de jovens, crianças.
O
que é absurdo, conforme relataram os entrevistados/as, foi a fortuna gasta pelo
Estado para construir o Museu do Amanhã e outros mega projetos que integram o
pacote dos grandes eventos esportivos no Brasil: Jogos Pan-americanos, olimpíada
e copa do mundo. Enquanto isso, o museu nacional, com 200 anos de história,
vinha penando por recursos para se manter em pé. Revelaram os entrevistados/as que estão sendo discutidas
nos bastidores dos poderes constituídos, propostas de transferir a gestão dos
museus às OSS, modelo já adotado por outros setores do serviço público a
exemplo da saúde. Outro dado estarrecedor foi o custo orçado para a reforma do
maracanã, valor esse que seria suficiente para manter o museu nacional
funcionando em boas condições por 2000 anos.
Uma
proposta interessante que vem sendo aplicada na Espanha, que poderia ser aqui
ser adotada é reverter 1% de toda a licitação pública para o fundo de
patrimônio. Nos EUA, o governo federal entra com muito dinheiro para o
financiamento dos museus. No Brasil, os governos devem fazer valer o que está
escrito na constituição federal sobre cultura, que não estão fazendo. A própria
UNESCO, em resolução aprovada, recomenda a destinação de 1% do PIB de todos os
países à cultura.
Um
exemplo para provar que no Brasil cultura não prioridade dos governos, na
administração Fernando Collor de Melo, o percentual destinado à cultura foi de
0,05%. A única exceção desse longo caminho de retrocesso na cultura foi na
gestão do ministro Gilberto Gil, cujo percentual para a cultura esteve próximo
de 1% do PIB. De lá para cá os recursos vem caindo paulatinamente. Foi através
do museu nacional que se criou a cultura da museulogia no país. Para o pensador
português, Boaventura Santos: “um povo que chora o seu museu é um grande
público”.
Embora
sabendo que os argumentos críticos e propostas inovadoras, ditas pelos
entrevistados no programa faixa livre, tenham dificuldades de atingir um grande
público, suas falas podem ser replicadas e compartilhadas nas redes sociais a
partir desse texto. É possível também que texto possa contribuir para reflexão
acerca da realidade dos acervos locais, museus, sítios arqueológicos, como
ambos estão sendo geridos pelos administradores públicos, se há inserção de
tais temáticas nos currículos do ensino básico, etc.
O
hábito de visitar museus, entre outros espaços culturais, não se caracteriza
como regra na nossa cultura. Se há exceções a regra, é porque professor/as ou
entusiasta/s da cultura, não medem esforços para superar barreiras impostas
pela burocracia e a escassez de recursos financeiros. Isso talvez seja a
explicação do enorme desprezo da população com o passado: casarios antigos,
monumentos, arquivos, bibliotecas, sítios arqueológicos e até mesmo com os
idosos, que carregam consigo vasto acervo da nossa história, que quando morrem,
morre um pouquinho da nossa memória.
São
possível que o museu nacional tenha o mesmo desdobramento ocorrido com a
comunidade de Pedro e o Rio Doce, ambos totalmente devastados com rejeitos da
mineradora Samarco. Depois de três anos da ruptura da barragem, os responsáveis
pelo crime não foram punidos, muito menos o pagamento das multas milionárias
como medida compensatória ao gigantesco passivo ambiental deixado. O rio doce
precisará de séculos para recompor parte de sua fauna e flora. O incêndio do
museu nacional e o desastre ambiental em Mariana foram dois acontecimentos
anunciados que poderiam ter sido evitados se tivéssemos governos realmente
comprometidos com cultura, educação, meio ambiente, segurança, saúde.
Depois
do desastre em Mariana, outros episódios similares se repetiram como no
Maranhão, quando uma empresa Norueguesa que extraía minério de ferro se
descuidou, deixando escorrer rejeitos tóxicos da barragem de contenção para
rios e igarapés. Vários jornais, nos dias que seguiram ao incêndio do Museu
Nacional, publicaram inúmeras reportagens retratando a situação dos museus
espalhados pelo Brasil. É quase certo que nenhum governo estadual ou municipal
tomará medidas cabíveis para a proteção desses espaços. Caso se confirme essa previsão, é só uma
questão de dias ou meses para que um novo incêndio ou desabamento aconteça e
apague um pouquinho mais da nossa história.
Prof.
Jairo Cezar
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