O JULGAMENTO DAS ADIS NO STF, SOBRE DISPOSITIVOS DO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO QUE ESTIMULARÃO OS DESMATAMENTOS IRREGULARES
Seis
anos após a aprovação da lei n. 12.651/12, que versa sobre o novo código
florestal brasileiro, as estatísticas comprovam que jamais se desmatou e
queimou tanta floresta nesse curto período de tempo. A pergunta que muitos
gostariam de fazer é qual ou quais os reais motivos que levaram o Congresso
Nacional a elaborar nova legislação ambiental se a que vigorava era
comprovadamente avançada. A resposta, portanto, pode estar associada ao
dispositivo que estabelece penas médias e severas aos infratores do código, cerca
de 70% dos proprietários rurais brasileiros.
O
código florestal aprovado em 2012, anistia de multa quem desmatou floresta
anterior a 2008, porém, condiciona a anistia à reparação dos danos segundo prazos
pré-estabelecidos. A tramitação do projeto de lei no congresso fez com que ONGs,
Universidades e Entidades de Pesquisa
fossem excluídas do debate, menos ainda, de ter a oportunidade para encaminhar
suas proposições. Depois de concluído os
trâmites da lei, parlamentares que votaram a favor do código, concluíram que o
código se caracterizaria em retrocesso ambiental, abrindo brechas para novos
desmatamentos. A única certeza assegurada
pela lei era a absolvição dos infratores ambientais. O código também concederia
licença para fazer o que quiser na área produtiva.
Outros
equívocos do código florestal ocorreram nos itens APPs e Reserva Legal, que
tratam sobre os percentuais que devem ser preservados por cada bioma, pois
comprova o real desconhecimento dos congressistas (bancada ruralista) das
biodiversidades da cada um deles. No bioma amazônico cada proprietário deve
manter 80% da área em reserva legal; no bioma cerrado, tão complexo, diverso e
ameaçado, foi estabelecido somente 35% de reserva legal. Até 2050, caso permaneça o ritmo de
devastação do cerrado, 31% dos 34% que restam do bioma, serão, com certeza,
dizimados. Desaparecerão por completo do bioma cerca de 480 espécies de
plantas. São três vezes mais do total de plantas extintas entre o ano de1500
até os dias atuais.
Até
o momento não se tem um retrato fidedigno de toda área florestada brasileira, os
dados disponíveis são muito fragmentados. Os próprios parlamentares,
especialmente os da bancada ruralista, não se pautaram a cientificidade do código,
pois não era suas reais pretensões, o
que desejavam mesmo era aprovar outro documento ambiental, que fosse menos restritivo
e que livrasse milhares de proprietários do pagamento de multas por crimes
ambientais cometidos.
A
lei determina que proprietários de terras devessem fazer o levantamento da
cobertura vegetal por meio do CAR (Cadastro Ambiental Rural), como instrumento técnico
necessário para que o governo conhecesse melhor a realidade do campo
brasileiro. Depois de feito o levantamento cadastral, o mesmo deverá ser
validado por meio do PRAs (Programa de Regulação Ambiental). Estando essas etapas concluídas, ai sim,
teoricamente, é possível saber com exatidão a real dimensão do campo
brasileiro, quanto tem de floresta, quanto pode ser suprimida e o quanto deve
ser reparada. Esse será também o momento de avaliar as incoerências do
código florestal, que certamente serão enormes. Técnicos do governo e ONGs são unânimes em admitir que não há
transparência dos dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural), misturando
atividades legais e ilegais. Essas incertezas se dão porque a normativa n. 03 de
2014, do MMA (Ministério do Meio Ambiente), dá caráter sigiloso às informações
pessoais do CAR.
Diante
das aberrações constatadas no código florestal aprovado em 2012, três ADIS
(Ação Direta de Inconstitucionalidade) foram protocolados no STF, em novembro
de 2017, questionando mais de 40 pontos do documento, entre eles, os dispositivos
duvidosos constados em APPs; sobre as reservas legais e a polêmica anistia às
multas. Depois de alguns meses tramitando no supremo tribunal, finalmente no
dia 28 de fevereiro de 2018 os ministros da corte suprema votaram as ações, tendo
os resultados provocado indignação e incertezas quanto ao futuro das florestas.
Enquanto
muitos admitem que a decisão dos ministros foi assertiva, pois pôs fim as
dúvidas ou inseguranças jurídicas relativas ao código florestal, otros, ao
contrário, se posicionam um tanto incrédulos, alegando que a corte suprema
brasileira assumiu posição contrária aos debates em todo planeta que vem
apregoando um posicionamento unilateral em defesa das florestas e do clima
global. A sensação que ficou quando foram concluídas as votações das ADIs foi
de que integrantes do agronegócio tiveram influência nas decisões dos ministros.
As justificativas que corroboram às críticas desferidas aos ministros, diante
da decisão, são passíveis de ter o consenso social. Vejamos então que dispositivos das ADIS foram
acatadas pelo STF e outras que foram suprimidas, conservando o texto originário
no código sem alteração.
No
item ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP), das onze
proposições questionadas na ação, somente três tiverem o aceite dos ministros
do supremo, ou seja, sofreram alterações conforme postuladas nas ações
protocoladas, ou seja, suas posições favoreceram o meio ambiente, são elas: a) as que tratam sobre preservação de florestas no
entorno de nascentes e olhos de água; b) das APPs para interesse social de baixo
impacto ambiental; c) nascentes e olhos de água intermitentes ou
perenes.
Agora,
os ministros não abriram mão dos seguintes itens: a) as medições das APPs dos leitos dos rios, que deverão partir do leito
regular médio e não do leito da época da cheia. Trazendo esse tópico para o
município de Araranguá, as áreas inundáveis seriam consideradas APPs, ou seja,
toda a extensão de terra às margens do rio Araranguá, contendo trechos mais
largos e outros mais estreitos; b) permissão de projetos habitacionais em áreas
de mangues e restinga com função ecológica comprometida. Embora o
município de Araranguá não possua um bioma específico de mangue, a vegetação de
restinga é predominante em toda a sua faixa costeira. Com o projeto Orla
concluído e também com a homologação das UCs, essas áreas, teoricamente, estarão
livres da ocupação por projeto habitacionais. Entretanto, a descaracterização contínua
desse ecossistema, supressão de variedades endêmicas ou inclusão de espécies
exóticas, abrirão precedentes para a inserção de projetos de elevado impacto
ambiental.
Outros
itens julgados e deferidos pelos ministros também são vistos com retrocessos
ambientais, seguindo a lista: c) dispensa de APPs
em alguns tipos reservatórios de água para abastecimento e produção de energia,
abstendo até de recuperar aquelas desmatadas. Quanto a esse ponto, acredito
que o mesmo comprometerá vários reservatórios importantes de abastecimento
potável, que poderão ter suas margens ocupadas por projetos de infraestrutura e
com enormes impactos devido a redução das recargas em períodos de estiagem. Que
sirvam de exemplo as crises de abastecimento de água na cidade de São Paulo em
decorrência da redução do volume de água dos reservatórios.
A
degradação das APPs é um dos inúmeros fatores; d)
plantação em várzea em pequenos imóveis
rurais. Essas áreas são geralmente berçários de espécies da fauna e sua
interferência pode comprometer a qualidade do solo e dos recursos hídricos. e) as atividades
de aqüicultura em APPs, imóveis rurais pequenos e médios também são permitidas.
Alegam os ambientalistas e pesquisadores que essa atividade poderá comprometer
os ecossistemas pelo fato de serem utilizadas componentes químicos que
contaminarão os recursos hídricos e o próprio solo. f)
desmatamentos realizados depois de 2008,
não pode mais desmatar enquanto não recuperar a área destruída, porém, quem
suprimiu anterior a essa data não tem a mesma restrição.
Tanto
as entidades científicas, ambientalistas e os produtores rurais que sempre
prezaram pelo cumprimento às leis ambientais, alimentam a mesma opinião, o
dispositivo favorece quem agiu ilegalmente durante décadas, enquanto aqueles
que cumpriram rigorosamente as regras tiveram perdas econômicas, pois deixaram
de produzir para preservar, nem mesmo tiveram seus IPTRs (Imposto Predial Territorial Rural)
isentados de pagamento. g) atividades econômicas em encostas com declividade
de 45 graus ou topos de morros. Quase todos os dias os noticiários dos
telejornais apresentam reportagens divulgando deslizamentos de encostas, quedas
de barreiras com vítimas fatais. É visível que todo esse problema é decorrente
de atividades agrícolas e ocupações em áreas consideradas de riscos, cujo solo,
sem a presença de uma vegetação fixadora, torna-se suscetível às erosões e
enxurradas. h)
nas áreas com declividade de 25 a 45 dispensa o reflorestamento.
Quanto
a RESERVA LEGAL
questionadas pelas ADIs, todos os oito itens pontuados na ação foram negados
pelo supremo. Portanto, mantém-se a redação original do código que versa o
seguinte: a)
redução de RL de 80 para 50 nos
municípios onde há 50 por cento de área ocupada por UCs ou terras indígenas
homologáveis; Tendo em vista a fragilidade nas gestões na maioria das UCs
(Unidades de Conservações) espalhadas na região da Amazônia Legal, muitas das
quais, com sérios problemas de descaracterização por ações atrópicas, a redução
do percentual de RL, sem uma fiscalização devida, tende a reduzir ainda mais as
áreas de florestas. b) a decisão do Supremo também dispensa a exigência de RL para
hidrelétricas, rodovias e hidrovias, bem como não obriga a recuperação dessas
áreas desmatadas.
Seguindo
a tendência dos governos neoliberais que insistem em manter um programa desenvolvimentista
predatório, a exemplo de projetos como a hidrelétrica de Belo Monte, tudo leva
a crer que haverá o agravamento dos passivos ambientais especialmente nas
regiões de forte expansão da fronteira agrícola, onde projetos associados estão
sendo articulados e de impactos ambientais incalculáveis. c) a dispensa da compensação ambiental por
desmatamento ilegal no mesmo bioma estimulará a prática de infrações
generalizadas por todo o território. O cidadão poderá a título de
compensação por ato infracionário, adquirir área equivalente à desmatada,
independente de ser no mesmo bioma. No caso de Araranguá, o código permite, não
havendo área com floresta similar à suprimida ilegalmente, para compensação,
poderá adquirir outra, quem sabe no costão da serra geral ou outro bioma
distinto, cujo efeito ambiental compensatório ao ecossistema agredido, é nulo.
O
código ambiental de 1965 determinava que para efeito de validade, RL só era
reconhecida quando fosse comprovada a exclusiva presença de espécies nativas
endêmicas ao bioma específico. Com a decisão de que: d) valerá o reflorestamento com espécies exóticas como recompensa de RL
(Reserva Legal) suprimidas, não tardará para que eucaliptos e pinos dominem
por completo todos os ecossistemas, com impactos irreversíveis ao solo,
recursos hídricos, a fauna e a flora nativas.
Quem ousar fazer, usando o
aplicativo Google Earth, um rastreamento da extremidade sul de santa Catarina,
perceberá que o percentual da cobertura vegetal original é quase inexistente.
No entanto, comparando imagens mais antigas com as atuais, irá notar o aumento
vertiginoso de áreas ocupadas com agricultura especialmente a rizicultura. É
possível também perceber algumas poucas manchas verdes nas imagens, ou são
remanescentes de APPs em rios, lagos ou topos de morros, ou áreas de RL
protegidas por produtores rurais que seguiram o que determinava o código
florestal.
Agora
quando se lê a nova redação do código florestal, como o item referendado pelo
STF, onde assegura: e) permissão
para o cômputo de APP no percentual da RL e continuidade das atividades
agropastoris em RL onde ocorreram desmatamentos irregulares anteriores a 2008,
aumenta a certeza de que vivemos num país do faz de conta e da impunidade. Se
quase 80% dos produtores rurais brasileiros cometeram algum crime ambiental, é
claro que deveriam ter sido interceptados pelos órgãos fiscalizadores e punidos
sansões estabelecidas pela legislação. Utilizar APPs como computo para atingir
o percentual das RL é uma medida um tanto descabida para livrar o produtor
infrator do crime ambiental cometido. A lei diz que para o produtor infrator
ser beneficiado, a APP deve estar conservada ou em processo de recuperação, bem
como o proprietário ter requerido inclusão do imóvel no (CAR). Isso não é
obrigação de todos os produtores, segundo o código florestal?
Por
fim, foi julgado o quesito mais polêmico de todos, o trata da ANISTIA ÀS MULTAS, que isenta os desmatares de pagamento de multa. Dos
quatro pontos presentes nessa ação, um apenas obteve a aprovação da corte, foi
o que autoriza a extensão de benefícios legais para pequenos imóveis rurais às
áreas de comunidades rurais tituladas e não tituladas. Isso inclui áreas
quilombolas e indígenas que terão o mesmo regime de proteção da vegetação. O que
causou estranheza no módulo anistia foi a posição dos ministros em anistiar ou absolver de multas, aqueles que
desmataram irregularmente, condicionando-os a se inserirem nos Programas de Regulação
Ambiental (PRA). Outra vez, vale ratificar, que essa decisão é um
verdadeiro ataque aos princípios básicos da ética e da justiça, uma porta
aberta à perpetuação das infrações ambientais no campo e a fragilização de
ecossistemas inteiros com o desaparecimento definitivo de espécies da fauna e
flora.
Se
o item anterior, ratificado pelo STF, que trata sobre a anistia aos
desmatadores pós-aprovação do código, condicionando-os a se inserirem no
programa de regulação ambiental, já é um absurdo, o que dizer então desse item
assim descrito: dispensar a recuperação
de RL desmatadas até julho de 2008, bem como recuperar APPs de corpos de água,
de acordo com o tamanho do imóvel. Se na decisão anterior o impacto dos
crimes cometidos em RL posterior a 2012, poderá ser minimizado através da
inclusão no PRA, como explicar para as futuras gerações o motivo pelo qual os
ministros do STF levaram a concordar com um dispositivo que dispensa de
recuperação milhões de hectares de terras ocupadas por florestas protegidas.
O
Código Florestal, portanto, se configurará em mais um documento com pouco ou
nenhum poder de decisão, pois prevalecerão acordos, barganhas políticas,
negociatas, etc. Lembram das manobras articuladas pelo atual presidente junto à
bancada ruralista para se livrar das acusações de envolvimento em
irregularidades na operação lava-jato. Afrouxamento de resoluções sobre
agrotóxicos proibidos, anistia de dívidas com a previdência e até mesmo limitar
a ação fiscalizadora do estado, fizeram parte do pacote de acordos que deram ou
darão mais soberania ao agronegócio para continuar destruindo as florestas.
Prof.
Jairo Cezar
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