A
quem interessa a regulamentação do direito de greve do setor público brasileiro
Durante
sua trajetória histórica a espécie humana para sobreviver as adversidades impostas
pela natureza desenvolveu certas habilidades intelectuais e tecnológicas que
lhes proporcionou condições de adaptação e convivência social em diferentes ambientes.
Com o melhoramento das técnicas agrícolas, a expansão do comércio e o
aprimoramento do sistema de trocas através do emprego da moeda, a Inglaterra foi
à nação que apresentou condições propícias para o desencadeamento da Revolução Industrial,
espalhando-se mais tarde para o restante da Europa e demais continentes.
Diante
das novas tecnologias que rapidamente transformaram oficinas em possantes fábricas
dispensando trabalhadores, um exército de desocupados se espalha pelas
periferias das cidades, que associado a fome e as péssimas condições sanitárias
resultam nas pandemias que levam a morte milhares de pessoas. É nesse cenário
de incertezas protagonizado pelo regime capitalista que germinam as primeiras
mobilizações e greves em resposta à exploração praticada pelo capital. Contudo,
as mobilizações apresentavam ainda um caráter de voluntariedade desconhecendo qualquer
legislação que desse respaldo, ou seja, inexistia qualquer jurisprudência que resguardasse
o cidadão de participação de atos ou manifestações classistas sem prejuízo
profissional e pessoal.
No
entanto reforça frisar que etimologicamente a palavra greve vem do francês
“grève”, uma referência a gravetos e cascalhos depositados na Praça de Paris
antes da canalização do Rio Sena, que veio se chamar mais tarde de Place da Grève.
Admite-se que era nesse local que ocorreram os primeiros movimentos ou reunião
de trabalhadores franceses onde resultaria mais tarde, em 1789 a Revolução
Francesa. Todavia, embora a greve já fizesse parte do cotidiano dos
trabalhadores europeus entre os séculos XVIII e XIX, garantindo-lhes proteção
mínima, foi a partir do século XX que as greves se generalizaram transformando
em movimentos de forte impacto social como a Revolução Russa, que levou na
derrocada do regime capitalista e a ascensão do socialismo.
Em
âmbito brasileiro, tanto a Constituição de 1924 como a de 1891, ambas
dispensaram qualquer menção ao termo greve, sendo que o próprio Código Penal de
1890 atribuía a quem ousasse paralisar as atividades laborais como ação
criminosa sujeita as penalidades legais. Porém, tal excrescência jurídica teve
pouca duração, pois meses mais tarde o governo imperial lançou decreto
dispensando a qualificação de ato criminoso. Já no regime republicano, foi a
partir da década de 1930, na era Vargas, que os movimentos paredistas se espalharam
pelas principais cidades do Brasil, multiplicando os sindicatos de caráter
corporativistas, por estarem as lideranças dos mesmos sujeitos a submissão e cooptação
do Estado, uma espécie de fantoche institucionalizado.
Com a
ascensão do Estado Novo, a Constituição Federal estabeleceu regras mais severas
para inviabilizar qualquer possibilidade dos trabalhadores de se organizarem e
participarem de mobilizações em defesa da classe. O Decreto n. 5425/1943, que
normatizou a criação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), se transformou
em instrumento de arbitrariedade facultando ao Estado o direito de perseguir e prender
àqueles que ameaçassem a ordem pública. Foi, portanto, em 1946, com o fim do
estado novo, que o direito de greve foi regulamentado permitindo sua deliberação,
somente é claro, na hipótese de esgotarem todas as negociações entre as partes.
Se
no Estado Novo, o direito dos trabalhadores à greve foi caracterizado como ato
criminoso, com a deflagração do golpe militar de 1964, a lei n. 4.330, retoma o
caminho da intransigência e do autoritarismo similar a década de 1930, quando o
empregador dispensar o empregado se a justiça julgasse a greve ilegal. No
entanto, com a promulgação da constituição de 1967 e com a decretação do AI-5
em 1968 a ação terrorista do Estado contra sindicatos e sindicalistas tornou-se
rotina, as reuniões, concentrações e manifestações foram proibidas, seus antigos
integrantes perseguidos, presos e torturados, tendo como justificativa a
garantia da ordem e a segurança pública,
Os
sinais de que o regime militar estava enfraquecendo ficou comprovado nas
manifestações e greves de metalúrgicos que pipocavam em várias partes do
Brasil, porém, o epicentro das paralisações era maior na região do ABC paulista
entre os anos de 1978 e 1979. Diante as ameaças de que as turbulências sociais em
curso ameaçassem as estruturas do sistema capitalista, o processo de transição
do regime militar para o civil foi articulado de modo a assegurar a permanência
da mesma elite política que atuou no antigo regime.
A
classe trabalhadora, diante do novo ciclo político e econômico que se vislumbra,
desenvolveu novas estratégias de organização e luta não só almejando conquistas
e garantia de direitos, como também oportunidade para promover intenso debate político
acerca do atual sistema de produção, pivô das crises e dos problemas vigentes. Foi
no interior desses movimentos que surgiram lideranças políticas de esquerda responsáveis
pela fundação do PT (Partido dos Trabalhadores) e da principal organização dos
trabalhadores CUT (Central Única dos Trabalhadores), cujos estatutos, na época
das suas fundações tinham como princípio norteador a ruptura do sistema capitalista
e a implantação do socialismo.
Faltava,
diante de todas as transformações em curso, ainda faltava o dispositivo legal
que assegurasse os trabalhadores o direito de participar dos movimentos de
classe isentando-os de risco de sofrer retaliações. Portanto, foi a Constituição
de 1988 que se transformaria no principal divisor de águas de dois momentos distintos
da história sindical brasileira, o totalitarismo político do reconhecimento dos
movimentos sociais e a redemocratização política associada à liberdade
sindical, excetuando do direito de mobilização e greve os servidores públicos
militares.
Quanto
ao direito à greve, a Constituição de 1988 no seu Artigo 37 determinou que
seria competência do legislativo a regulamentação do respectivo artigo,
estabelecendo regras acerca dos procedimentos e compromissos envolvendo
empregados e empregadores do setor público e privado. Sobre a ocorrência de
greve no serviço público federal, o decreto n. 7777/12, fundamentado na lei n.
7.783/89, autoriza as instituições afetadas por paralisações a contratação
mediante convênio de servidores municipais e estaduais para suprir a falta,
postura rechaçada pelos sindicados e centrais alegando infração ao direito de
greve dos servidores. Sobre o respectivo decreto, que viola a ato federativo,
ainda hoje tramita no STF ação direta de inconstitucionalidade contra o mesmo,
porém, não há previsão de quando o mesmo será julgado.
Sobre
o quesito greve, inúmeras são as teses apresentadas por intelectuais ou
estudiosos do direito, como tentativa de justificar sua legalidade e regulamentação.
Há argumentos consistentes que tenta atribuir a greve como fato social, cuja ocorrência
se manifesta independentemente de regulamentação, gerando situações
desestabilizadoras no ordenamento jurídico. Portanto, não há como estabelecer
medidas que visam dar um tom mecânico, de previsibilidade, de controle social. Em
relação as regras internacionais estabelecidas na Convenção 151 da OIT
(Organização Internacional do Trabalho) na cidade de Genebra, em 2010, que
trata sobre a garantia das negociações coletivas dos servidores públicos, sua
implementação no Brasil dependerá de regulamentação prometida para 2011.
Diante
da expectativa de que depois de 25 anos finalmente o Art. 37 da Constituição Federal
seria regulamentado, em 2011 o senador Aloysio Nunes do PSDB/SP apresentou projeto
de lei n. 710/2011 que causou turbulências nos segmentos sindicais atribuindo a
proposta do senador como projeto antigreve. Contrapondo a proposta do senador
Aloysio, surgiu proposta alternativa de n. 287/2013 encaminhada pelo CDH
(Comissão de Direitos Humanos da Câmara) sendo ratificado pelo Senador Paulo Paim,
do PT/SP, e vista pelas centrais sindicais como menos restritiva.
Em relação
aos pontos polêmicos contidos no projeto de lei do senador Aloysio, destaca-se
o que trata sobre a decisão do indicativo de greve, facultando a entidade
pretendente, nesse caso o SINTE, o encaminhamento da pauta de reivindicações ao
governo, que terá trinta dias para apresentar contraposta. Isso, todavia, impede a deflagração imediata
da greve, tampouco vale as negociações anteriores. Na sequência, esgotadas as
negociações, quinze dias antes da deflagração da greve, será exigido encaminhamento
de pauta explicitando como serão procedidos os serviços essenciais, devendo ser
mantendo 60% em funcionamento. Como não bastasse, deverá ser divulgada à
população informativo explicitando os motivos da paralisação. Na hipótese de
deflagrar a greve desconsiderando tais recomendações, poderá a mesma ser sentenciada
como ilegal.
Mesmo
com toda a burocracia necessária para tornar a greve como movimento legal,
ainda há o risco dos servidores sofrerem sanções arbitrárias durante as
paralisações como a suspensão do pagamento; exclusão dos dias de greve no
cálculo para o tempo de serviço. Sobre os dias parados, admite-se que o governo
possa negociar num limite de 30%, tanto para a remuneração como para o tempo de
serviço. A não observância dessas condicionantes estará sujeito o agente
público de sanções, como o enquadramento a lei de improbidade administrativa.
Prof.
Jairo Cezar
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