A LGC (Lei Geral da Copa) e suas
implicações na vida dos brasileiros
A partir da última edição da copa do
mundo realizada na África do Sul, em 2010, a atual que se transcorrerá no
Brasil e as duas edições seguintes, Rússia e Catar, ambos os países apresentam democracias
ou fragilizadas ou geridas por regimes absolutistas como o Catar, que sediará o
mundial de 2022. O que tudo isso tem a ver com o dia a dia de milhões de
pessoas que vivem nesses países? Tudo! A FIFA fundada em 1904 e considerada uma
das maiores organizações esportivas do atual mundo globalizado, que agrega mais
de duzentas federações afiliadas, vem se constituindo como um Estado paralelo quando
o assunto é copa do mundo.
São tantas as exigências impostas pela entidade
no momento da seleção, que o país contemplado é forçado a se subordinar a uma
espécie de constituição paralela ou Legislação de Exceção, que assegura as
empresas contratadas para a realização das obras de infraestrutura privilégios excepcionais
como a suspensão das licitações. São, portanto, bilhões de reais disponibilizados
e oriundos de bancos públicos como o BNDS, a juros irrisórios, para o financiando
de verdadeiros “elefantes brancos” como as Arenas Cuiabá, Manaus, Natal, entre
outras, que depois de concluídas e finalizadas as competições, os quarenta ou
cinquenta mil assentos disponibilizados ficarão obsoletos ou semiocupados em jogos
envolvendo equipes sem expressão local ou nacional como o Mixto e o Cuiabá (MT),
São Raimundo (AM), América e CRB (RN), etc., algumas dessas agremiações não disputam
as divisões intermediárias do campeonato nacional. E os custos de manutenção
dessas arenas, quem arcarão? Presume-se que os respectivos estádios citados
terão o mesmo destino como o Ninho do Pássaro, construído em Pequim/China para
as Olimpíadas, e os da África do Sul, obsoletos e bem dizer abandonados.
O que dizer da remoção forçada de cifras
que ultrapassam duzentas mil pessoas em algumas cidades sedes brasileiras,
cinquenta mil aproximadamente somente no município do Rio de Janeiro, para dar
lugar a obras de infraestrutura e “higienização” (limpeza) condicionadas aos
eventos previstos como copa do mundo e olimpíadas? E o envolvimento das três
forças armadas no processo de pacificação dos morros e favelas do Rio de
Janeiro, cuja mídia coorporativa a serviço do capital maquia as informações divulgando
a falsa ideia de que a ação é necessária porque visa exclusivamente retomar o
controle do estado sobre áreas dominadas pelo tráfico e garantir “segurança” à
população. Muitos dos que foram forçados a abandonarem suas casas e transferirem-se
para lugares distantes, cinquenta quilômetros aproximadamente, não obtiveram
proteção devida do Estado, ou seja, a garantia mínima de uma nova alocação sem
prejuízo econômico e social.
Com a “pacificação” das ditas áreas
ocupadas por favelas próximas a área central da cidade, o resultado foi a
valorização financeira desses espaços que por sua vez contribuiu para a
intensificação da especulação imobiliária envolvendo grandes empreiteiras.
Transferir populações marginalizadas para áreas distantes da qual viviam segue
a mesma política adotada pelo município décadas atrás quando cortiços ou
casebres foram destruídos e justificados pela necessidade de higienização da
cidade. Como acreditar que através do simples deslocamento de centenas de
militares fortemente armados para as respectivas áreas será possível contornar
um problema crônico que tem sua causa o próprio modelo econômico que se
alimenta e se reproduz das desigualdades sociais existentes.
Se uma pequena fração dos bilhões de
reais utilizados nas obras estruturantes estivesse sendo aplicados na melhoria
das condições de vida dessas populações, esquecidas e abandonadas pelo Estado,
talvez hoje não estivessem reféns do tráfico, da violência e nem tão pouco
submetidas ao controle das forças armadas. Poucos sabem também que durante a
realização dos jogos estarão suspensas a validade do estatuto do idoso e o
Código de Defesa do Consumidor, tudo minuciosamente planejado e acordado entre
as partes e explicitado na LGC (Lei Geral da Cópia), Lei n. 12.663/12 para
beneficiar empresas parceiras da FIFA. Dentre outros acordos inconvenientes que
também afronta leis nacionais destacamos a liberação da venda de cerveja nos
estádios durantes os jogos exclusivamente para beneficiar a principal multinacional
americana Budweiser. Em relação a esse
tema, na copa do mundo da Alemanha, em 2006, as cervejarias nacionais
conseguiram na justiça vetar tal dispositivo assegurando a comercialização das
marcas locais nos estádios.
Uma situação semelhante ocorreu na
cidade de Salvador (BA) cuja tradição é a comercialização do Acarajé no entorno
e interior dos estádios durante as partidas de futebol. A FIFA na
tentativa de favorecer uma multinacional de FEST FOOD tentou assegurar que tal
iguaria regional tivesse seu comércio proibido num raio de dois
quilômetros durante os jogos, sem
sucesso. E sobre à venda dos ingressos para os jogos que além de serem
questionáveis os procedimentos para os sorteios, tem o agravante de penalizar
os compradores na hipótese de quererem desisti-los independentemente dos
motivos. De acordo com a LGC (Lei Geral da Copa), a FIFA tem direito assegurado
reter 10 a 20% do valor total do ingresso no instante da desistência e
devolução do dinheiro ao comprador,
decisão que afronta em cheio o código do consumidor que permite o cidadão, na
compra pela internet, ter o reembolso total do valor pago num prazo de sete
dias antes da realização do evento.
E a lei antiterrorismo que visa
enquadrar manifestantes como dos bleck blocs e de outros grupos que saíram às
ruas em junho de 2013, em criminosos comuns que ameaçam a ordem pública? Não
podemos esquecer que todas essas medidas que estão sendo adotadas fazem parte
do pacote de recomendações impostas pela FIFA. É ou não é a respectiva entidade
um Estado Paralelo, tão poderoso que consegue fazer com que seus governantes se
curvem a ponte de sofrerem humilhações como no episódio em que um representante
da entidade indignado com os atrasos das obras expressou publicamente que o
governo brasileiro deveria receber um chute no traseiro como punição pelos
atrasos. Qual a punição recebida por tal dirigente? Nenhuma.
Faltam três meses aproximadamente para o
início das competições e a população brasileira que na época da escolha da sede
tinha recebido com entusiasmo e euforia a escolha do Brasil, não demonstra o
mesmo sentimento hoje, paira no semblante dos mais céticos uma aura de
expectativa e preocupação, são bilhões de reais que deverão ser pagos após o
evento, acredita-se, que tais recursos sairão dos bolsos dos contribuintes,
pagando mais caro pelo quilo do arroz, feijão, leite e outros produtos de
primeira necessidade. E a FIFA, qual sua responsabilidade em todo esse passivo
financeiro? Nenhum. A única beneficiada nesse mar de falcatruas e
irregularidades que paira sobre as obras em andamento é que a entidade e seus
parceiros terão lucros líquidos superiores a um bilhão de dólares. Isso mesmo. Essa
é uma das razões pelas quais há anos países com democracias mais consolidadas
vêm se recusando a aceitar eventos protagonizados por essa entidade.
Acredita-se que milhões de pessoas na expectativa
do começo da copa no dia 12 de junho quando o Brasil estreará esqueceram que no
estádio onde Neymar e outros tantos jogadores que recebem salários milionários,
o Itaquerão, perderam a vida três trabalhadores, sendo o último, no dia 31 de
março, cujas explicações da causa morte são controversas. É claro que
dificilmente serão as empreiteiras responsabilizadas pelos incidentes no
Itaquerão que segundo informações obtidas dos bombeiros que vistoriaram o local
constataram 26 (vinte seis) irregularidades, além da estafante jornada de 16
horas de trabalho diário que são submetidos os operários, justificadas pelas
horas extras. Não podemos esquecer que historicamente no Brasil o montante dos
recursos que financiam os eleitorais são
oriundos de empreiteiras e empresas de transportes coletivos. Esse é um dos
motivos que faz com que nos planos diretores dos municípios brasileiros, temas
como mobilidade e ocupação urbana sejam sempre polemizados ou postergados para
o final na expectativa de barganhar benefícios.
Observem que tanto a África do Sul como Brasil
e a Rússia são repúblicas ainda fragilizadas cujas instituições e partidos políticos volta e meia aparecem no
cenário nacional e internacional envolvidos em denúncias de corrupção. São
essas as nações que se enquadram perfeitamente no padrão FIFA, falta de
transparência, analfabetismo estrutural, democracia fragilizada, passividade do
povo, entre outros.
Prof. Jairo Cezar
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