A
PARTICIPAÇÃO DA INTELIGÊNCIA FRANCESA E DA CIA NA ARTICULAÇÃO DO PLANO QUE
RESULTOU NO GOLPE MILITAR DE 1964
Quando
entrei na universidade, antiga FESC, hoje UNISUL, Campus Tubarão, para cursar
história, um ano depois do fim oficial da ditadura, 1986, as primeiras obras da
historiografia brasileira que me chamaram atenção e que procurei lê-las com
atenção especial foram os livros Os Senhores das Gerais; Ditaduras e Indústrias
Culturais; Radiografia de um Modelo; Brasil Nunca Mais e Guerrilha do Araguaia.
Destes, o que causou maior perplexidade quando lido foi à obra Guerrilha do
Araguaia, do sociólogo, jornalista e historiador Clovis Moura, onde descreveu
com detalhes o movimento sangrento ocorrido no sul do Pará, liderado por
militantes do PCdoB, onde teve a incorporação de estudantes, profissionais
liberais. A escolha da região do Araguaia se deu pelo fato de que lá os
combatentes rebeldes desenvolveriam táticas de guerrilha com intuito de
resistir e combater o regime militar.
Várias
foram as operações articuladas pelos militares pretendendo reprimir os combatentes
do movimento armado, ao qual resultou na desarticulação do grupo, que
resultaram na execução de 59 ativistas ligados ao PCdoB e mais duas dezenas de
camponeses que haviam se juntado à causa revolucionária. Do lado do exército,
informações dão conta de ter havido 19 militares mortos.
Mas
por que o preâmbulo a um episódio tão macabro para a memória brasileira a mando
do regime militar? Trazer à luz para debate um acontecimento desagradável da
história brasileira, que foi a Guerrilha do Araguaia, tem por objetivo
exercitar a memória da população, relembrando que quem estava no comando do
posto maior da presidência do Brasil era o General Ernesto Geisel. O mesmo
general que há poucos dias, documentos cedidos pela CIA, dos Estados Unidos o denunciaram
de co-participação intelectual na execução de ativistas que faziam oposição a regime
militar. A divulgação dos documentos gerou certo desconforto à cúpula do
exercito brasileiro, bem como a muitos possíveis candidatos militares, cuja
população deverá, na hora de decidir quem votar, ter em mente os 20 anos de
terror, repressão contra os direitos sociais.
De acordo com o relatório apresentado, antes
de o general Geisel deixar o poder, o mesmo autorizou ao seu substituto, o
general João Batista de Figueiredo, que colocasse em prática a operação de
execução de integrantes do comitê do PCB, cerca de um terço. Na realidade esse episódio
ou massacre foi mantido em segredo da população por cerca de quarenta anos, sem
qualquer pronunciamento do exército.
Se
pesquisarmos os documentos ou a literatura descrevendo o modo como os militantes
do PCB se posicionavam perante o regime, em nenhum momento, com raras exceções,
há relatos que comprovem existir algum plano de luta armada contra o regime
militar. Todo o processo se deu por vias pacificas, utilizando como estratégia
o instrumento eleitoral, concorrendo a cargos eletivos utilizando emprestada a
sigla do MDB, única agremiação partidária brasileira legalizada, além da ARENA.
Um bom exemplo de livro que deve ser lido, que descreve o podo pacifista de
militantes do PCB na luta pela redemocratização do país por vias institucionais
é A Saga de João dos Pintos – Uma História Política de Araranguá nos Últimos 40
anos.
Muito
do que se escreveu sobre a história do Brasil no período final do regime
Militar, trazem relatos um tanto agradáveis acerca do general Figueiredo, dando
nota de que o mesmo teria iniciado o processo pacífico e gradual da redemocratização
do Brasil. Não é segredo e nem exagero afirmar que muitos brasileiros ainda
hoje se sentem tocados quando são proferidas críticas aos militares durante os
vinte anos que comandaram o Brasil. Expressiva parcela não aceita em hipótese
alguma a expressão golpe, defendem que o 31 de março de 1964, foi um movimento
revolucionário em defesa da ordem e segurança nacional. Também, muito do que é
ensinado e aprendido nas escolas, traz os Estados Unidos, através da CIA, como
um dos principais protagonistas dos movimentos golpistas no Brasil nos demais
países da América do Sul.
Na
realidade, segundo pesquisas realizadas há pouco tempo, antes do fatídico 31 de
março de 1964, pessoas influentes do governo americano teriam mantido contato
com o General Castelo Branco, membro do Estado Maior do Exército, alertando-o
de que militantes “comunistas” estavam articulado no Brasil movimento político
revolucionário, de inspiração chinesa e não Cubana como estava sendo mencionado.
Disse também o representante dos Estados Unidos ao general Castelo Branco, que
ele era o único militar que reunia condições suficientes para impedir o que
estava previsto, e o general aceitou.
Não
se vêem nas obras historiográficas do período correspondente ao regime militar
brasileiro, relatos sobre a participação da França na construção do golpe. O
programa intitulado “Doutrina Francesa”, de treinamento de militares sul americanos
(Brasil), foi decisiva, para o sucesso da empreitada militar, que atuou no
combate intensivo dos focos comunistas que se espalhavam pelo continente. O
plano, contrarrevolucionário, foi baseado na obra escrita pelo líder comunista
Mau Tsé- Tung antes da Revolução Comunista na China. A primeira experiência do
plano foi aplicada na Argélia, antiga possessão francesa, palco de ações
rebeldes anticapitalista, depois o plano foi transportado para os EUA, sendo lá
revisado e adaptado para combater os movimentos revolucionários que se
pipocavam por toda a América do sul.
Em
1961 militantes franceses foram para os Estados Unidos onde ensinaram táticas
de combate de guerrilhas aos solados americanos, dos quais vinham sendo
massacrados na guerra do Vietnã. Antes do início da guerra no Vietnã os
franceses haviam invadido a região, que depois de vencido o inimigo, o país foi
dividido entre norte e sul. Agora os Estados Unidos estavam tendo problema com Vietcongs
comunistas do norte, sendo a ajuda francesa importante, pois conheciam muito
bem o comportamento dos guerrilheiros.
Quando
o método moderno de combate aos subversivos foi adotado no Brasil, via CIA, de
inspiração francesa (doutrina Francesa) os métodos violentos de tortura,
interrogatórios, etc, se justificavam pelo fato de haver uma “Guerra Civil” em
curso no Brasil, que era papel do regime manter os princípios da ordem interna.
De todos os militares que ocuparam a presidência, Geisel foi um dos que defenderam
a tortura como instrumento para obter confissões, até mesmo execuções sumárias
por esquadrões da morte.
No
governo de Geisel, que assumiu a chefia do SNI foi o general Figueiredo,
considerado um dos integrantes da linha dura do regime, responsável pelos
serviços de interrogatório e execução de subversivos. Um detalhe que talvez
explique porque o movimento de luta armada foi erradicado no Brasil durante o
regime militar. A resposta está na doutrina francesa, que inspirou a operação
bandeirantes que levou na captura e execução das principais lideranças do
movimento, como Carlos Marighella, Carlos Lamarca e Joaquim Câmara Ferreira.
Outra
revelação importante acontecimento durante o duro período da ditadura, foi o
discurso feito pelo filósofo Frances Sartre, em Paris, em 1969, para exilados
políticos brasileiros e simpatizantes. Questionou o motivo pelo qual soldados
do exército brasileiro estavam indo para o Panamá e aos Estados Unidos
treinarem com soldados americanos. Desabafou afirmando que o exército
brasileiro cada vez menos servia para proteger o país de inimigo externo,
atuando diretamente na repressão interna do povo.
Portanto,
para os estados unidos, o Brasil se constitui em uma peça chave do complexo
tabuleiro político que se instalou na America do Sul. Combater todos os focos
de movimentos que ameaçam os interesses do capital eram prioridade das
prioridades. Entretanto, o regime ditatorial no Brasil veio a se configurar num
verdadeiro laboratório de experimento de ações contra os inimigos do regime
ditatorial no Chile, Argentina e Uruguai. Embora a preparação dos militares que
atuaram a favor do regime tenham tido a mãos dos Estados Unidos, os fundamentos
metodológicos aplicados foram inspirados segundo a doutrina francesa.
A
lei de segurança nacional foi, sem dúvida, a principal criação do regime
militar, que fez perdurar por vinte anos. Nela estava toda uma metodologia
inspirada na França, (doutrina francesa) que obteve excelentes resultados na
desarticulação de movimentos revolucionários como o da Argélia.
Presumimos
também que muitos devem ter ouvido falar no atentado ocorrido no Rio Centro,
Rio de Janeiro, quando em 1981, durante o governo Figueiredo, na realização das
festividades em comemoração ao dia do trabalhador, um carro contendo uma bomba
explodiu na entrada no centro de convivência, matando dois militares
identificados de pertencerem ao DOI CODI. De acordo com documentações liberados
pelo governo americano e que estão sendo agora disponibilizadas para
pesquisadores, há claras evidências que todo o episódio foi planejado pelos
altos comandos do exército e não por subversivos como sempre alegaram integrantes
da alta cúpula do exército. Até hoje o acontecimento não teve um desfecho
definitivo.
Em
2012, já no governo da presidente Dilma, foi sancionada lei criando a comissão
da verdade, cujo objetivo foi investigar mortes e desaparecidos durante período
entre 1964 a 1988. Em 2015, já tendo sido concluído o relatório com seis nomes
de militares do alto comando denunciados, o caso foi denunciado pelo MPF, cuja
ação penal permanece trancada tribunal regional federal do Rio de Janeiro,
aguardando recurso do Superior Tribunal Federal.
São
mais de 700 documentos enviados pelo governo americano sobre o período militar
que estão disponíveis na biblioteca nacional do Rio de Janeiro esperando ser
desvendado por pesquisadores. É possível que muitas questões até então não
respondidas pela justiça possam ser reveladas nesses documentos. A história
mais uma vez se coloca como aliada da verdade. A expectativa é que a partir
dessas novas revelações os militares se pronunciem junto à sociedade, permitindo
também que outros documentos, que estão sob a tutela das forças armadas, sejam
também liberados para consulta. O que se pretende é esclarecer e dar um basta
definitivo ao fantasma que ainda assombra o sono de centenas de famílias que
continuam sem respostas acerca do paradeiro de parentes, esposos, filhos,
amigos, desaparecidos na época do regime militar.
Prof.
Jairo Cezar
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cartas-do-Mundo/Carta-de-Paris-Geisel%A0-o-documento-da-CIA-a-historia-oficial-e-a-verdade-historica/45/40234
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