COMO FORAM TRILHADOS OS CAMINHOS QUE
RESULTARAM NA MAIOR ONDE DE ATAQUES AOS DIREITO DOS TRABALHADORES
Passados
quase vinte anos da hegemonia petista a frete da presidência da república, a
assembléia estadual do Sinte e as manifestações de rua, ambas ocorridas no do
dia 15 de março de 2017, fizeram emergir antigas e costumeiras práticas de
lutas, quase esquecidas e até mesmo desconhecidas pela maioria dos jovens. A
primeira delas foi o surpreendente consenso de quase todas as forças políticas
que integram o Sinte, que propuseram o início da greve no magistério estadual a
partir do dia 20 de março. Essa proposta de data foi refuta pela maioria do
público presente na assembléia, alegando não ter havido consulta e discussão na
base.
Como
proposição alternativa, foi sugerida e aprovada a data do dia 28 de março, onde
haverá outra assembléia estadual, para deliberação ou não de paralisação dos
trabalhadores do magistério público estadual por tempo indeterminado. A segunda
cena curiosa foi a presença expressiva de bandeiras tremulando nas mãos de
integrantes de centrais sindicais como a CUT e CTB, pouco vistas em manifestações
nos últimos 15 anos de regime petista. O terceiro e último episódio “quase”
inusitado foi a presença políticos, deputados federais e estaduais, do partido
dos trabalhadores e de outros antigos aliados ao governo petista, caminhando lado
a lado com os manifestantes e gritando palavras de ordem contrárias as
reformas.
Talvez
a grande maioria dos manifestantes presentes em Florianópolis nesse dia, por
desatenção ou desconhecimento dos fatos, não fizeram a mesma leitura em relação
aos fatos mencionados acima. A pergunta que muitos gostariam de fazer é por que
episódios “ditos isolados” como acima narrados devem ser frisados e merecedores
de reflexões por parte da categoria do magistério, entre outras. O fato é que
historicamente o povo, as demais categorias de trabalhadores em especial, suas
opiniões e decisões sobre engajar-se ou não às lutas por conquistas de direitos,
geralmente sofreram certo tipo de pressão ou influência de agremiações partidárias,
entidades sindicais, etc, onde compartilhavam interesses comuns.
Até
o final da década de 1990 havia certo consenso político e ideológico envolvendo
categorias profissionais e movimentos sociais. Todos, com raras exceções, possuíam
absoluta clareza quanto aos seus objetivos e os caminhos que deveriam trilhar
para romper com um regime que explorava e aniquilava milhares e milhões de
trabalhadores. Digamos que naquele momento, o capitalismo era o inimigo número
um a ser perseguido e abatido, e o socialismo/comunismo, a esperança, a utopia
possível. Desde a sua fundação em 1980, o partido dos trabalhadores alimentava essa
vontade quase inconsciente em suas lideranças, bem como milhares de ativistas e
simpatizantes, até a chegada ao poder em 2001, com a eleição de Lula.
Do
dia para a noite, os que tinham prometido fartura, abundância, até mesmo o
paraíso celeste (pós-morte, é claro) entraram em um longo período de
hibernação. Progressivamente os discursos, antes inflamados e apaixonados,
foram se suavizando, estatutos sendo alterações, tornado-se mais palatáveis e pragmáticos
à ordem capitalista e às centrais sindicais, como a CUT. O fato é que uma
legião de lideranças sindicais, agora aliados, foi absorvida em cargos de segundo
e terceiro escalão em secretárias de estatais federais, outros tantos cooptados
para formatação de consensos entre trabalhadores, categorias profissionais e
governos.
Aquilo
que muitos imaginavam que pudesse ocorrer, ou seja, a construção de uma ampla
coalizão popular para o progressivo processo de ruptura das práticas seculares
de exploração, nada disso aconteceu. No lugar de ações impactantes como reforma
agrária e política, o que propôs o “governo popular” de Lula foi costurar
alianças com partidos e setores reacionários do capital. Essa atitude intempestiva
do partido dos trabalhadores provocou indignação e até mesmo o abandono
definitivo de lideranças importantes fundadoras do partido.
Em
vez de medidas que favorecesse milhões de trabalhadores esperançosos por
salários mais compatíveis, saúde, segurança e educação dignos, três anos depois
de ter tomado posse, veio a primeira das muitas medidas antipopulares que
favoreceriam exclusivamente os donos do capital. A REFORMA DA PREVIDÊNCIA de
2003, que deu prosseguimento ao programa neoliberal do governo FHC, em 1998,
foi uma delas. Depois veio o grande pacote de medidas reformistas antipopulares
do governo Dilma, o chamado AJUSTE FISCAL, que já serviria de tubo de ensaio
para a reforma previdenciária de 2015 e de sua continuidade no começo de 2017
na era Temer. Tudo em prol dos bancos, corporações, fundos
de pensões, ambos controladores dos mercados de ações e papeis das dívidas
públicas dos países subdesenvolvidos.
Tanto
a reforma da previdência como a trabalhista, ambas estavam passando por estágios
de encubação nos governos Lula e Dilma. Lembram da Emenda Constitucional 41,
que estabeleceu, em nome da “justiça social”, o teto máximo de remuneração para
os trabalhadores do sérvio público em 2.400 reais e contribuição de 11% para
aqueles que quisessem exceder o teto. Foi um ataque direto aos servidores
públicos, punindo-os com o fim da integralidade salarial. Além do teto máximo
de remuneração, a EC-41, impôs outras maldades aos trabalhadores que o próprio
FHC não conseguiu implementar com a proposta da PL-9 de 1999, que estabelecia
os fundos de previdência complementar, que foi reprovada graças a oposição do
PT no congresso nacional.
Outros
pontos contidos na proposta de emenda e combatidos pelos trabalhadores sem
sucesso foram: a) imposto para inativos, aposentados e pensionistas; b) idade
mínima para ter direito a seguridade; c) redução do valor das pensões e a
quebra da paridade e da integralidade dos proventos. Na época da aprovação
dessa emenda, surgiram indícios de que o partido dos trabalhadores teria
promovido verdadeiro movimento para a aprovação da emenda que alterava a
previdência seguindo as recomendações do FMI. Segundo o boletim n. 30, de abril
de 2016, do SINDESEF-SP, filiado a CSP-CONLUTAS, a aprovação da emenda ocorreu
graças a compra de apoio político e votos de parlamentares.[1]
Não
há dúvida que tal proposta de reforma teve o apoio direto de parlamentares e segmentos
ligados aos fundos de pensão, beneficiados com a possibilidade de acumular
lucros bilionários dos trabalhadores que recorressem ao plano de aposentadoria
complementar. Mesmo com toda pressão dos trabalhadores, a proposta foi aprovada
no congresso e homologada pelo governo Lula.
Embora
o capital vislumbrasse no segundo governo Dilma a possibilidade de elevar seus
lucros, muito maior até que na fase do boom econômico, 2011 a 2014, de crédito
abundante, suprimi-la do poder, como o fizerem no final de 2016, através de impeachment,
ampliaria as chances das forças ultraconservadoras de assumirem definitivamente
as rédeas do Estado para agilizarem as amplas reformas estruturais, iniciadas
com Dilma. O ajuste fiscal e a EC-47, que estabeleceu novas regras para
aposentadoria, se constituiu em caminho já trilhado pelo PT e que Michel Temer
aproveitaria para dar continuidade, cloro que seria feito sem qualquer pudor e
com o apoio inicial da classe média brasileira. Lembram das manifestações de
ruas dos vestidos de amerelo e verde?
O
que muitos não imaginavam talvez até os que foram às ruas vestidos de trajes
patrióticos para defender o impeachment, foi o modo brutal como a proposta de
reforma previdenciária foi elaborada que retira o direito de aposentadoria para
quase todas as categorias, elevando o tempo de contribuição para ter direito a
uma remuneração integral, para pelo menos 49 anos ou 72 anos de vida. Outro
detalhe, se o cidadão/ã quiser se aposentar aos 65 anos deverá começar a
trabalhar a partir dos 16 anos de idade. Numa conjuntura econômica instável e
desfavorável ao trabalhador como a atual e com perspectivas nada animadoras
para os próximos anos, poucos serão os que serão absorvidos no mercado formal
de trabalho. Com isso as idades para a aposentadoria se elevarão.
O
rolo compressor neoliberal não esmaga somente a previdência dos trabalhadores.
Outra bomba relógio que está sendo armada pelo governo e setores conservadores
do congresso nacional é a reforma trabalhista, mais destrutiva ainda que a
reforma previdenciária. Ou seja, é a primeira vez nos quase 70 anos de CLT que
os trabalhadores estão sendo submetidos a uma terrível onda de ataques contra direitos
conquistados através de lutas.
Se a
reforma trabalhista for aprovada como se pretende, provavelmente com o apoio de
dezenas de sindicatos e centrais trabalhistas pelegas, os trabalhadores serão
submetidos a um regime de submissão que muito se assemelhará ao século XIX, com
jornadas longas e extenuantes, sem férias, décimo terceiro e seguro desemprego.
A aprovação na câmara, na quarta feira,
22 de março de 2017, do projeto que regulamenta a terceirização irrestrita para
todos os seguimentos laborais, consiste no fim definitivo da CLT e a decretação
de um processo de espoliação contra o trabalhador jamais visto na história
brasileira.
Acredite,
a terceirização beneficiará exclusivamente o empresariado sedento por lucros,
ou seja, o capital. Isso porque, com a contratação do trabalhador/a
terceirizado/a, o custo financeiro com o mesmo será de 30 a 40% menor que o
formal. Além do mais, com a redução salarial, estados e municípios poderão
sofrer uma forte estagnação da suas economias, pois reduzirá o poder de compra
do trabalhador. Centenas de pequenos municípios brasileiros sobrevivem hoje
graças a renda dos aposentados. Menor ganho salarial redundará também numa
menor contribuição previdenciária e tributária.
O fato
é que já havia há algum tempo discussões sobre o tema terceirização com
organizações trabalhistas no Brasil inteiro. No entanto, pegou muita gente de
surpresa, até mesmo políticos envolvidos nesse debate, quando do
desengavetamento de outro projeto formatado na década de 1990, muito pior do
que estava sendo debatido. A proposta coloca os trabalhadores numa condição de
precarização absoluta do trabalho, podendo até o contratante admitir força de
trabalho por tempo parcial. Isso permite a legalizado os chamados bicos, ou
seja, um trabalhador pode ter vários contratos temporários. Adeus férias,
décimo terceiro e, por fim, aposentadoria. Quanto ao direito à greve, o projeto
de lei se aprovado autoriza a contratação de substitutos terceirizados e
temporários para ocupar a vaga dos grevistas.
Enfim
os trabalhadores brasileiros estão diante de um cenário preocupante, capaz de
retroagir suas condições laborais e de direitos ao século XVIII. Para as
empresas, será muito mais lucrativo demitir o trabalhador concursado e
contratá-lo novamente. Isso deve ocorrer em setores mais sensíveis e lucrativos
como bancos e grupos de comunicação. Na realidade foi o setor financeiro,
banqueiros em especial, os que mais atuaram nos bastidores do poder para a
aprovação dessa lei.
As organizações sindicais como a CUT vêm se
mobilizando para tentar reverter esse desmonte no sistema trabalhista
brasileiro. No entanto, mesmo assim, as centrais não conseguem se entender e
tomar posições conjuntas. O fato é que há centrais sindicais como a Força
Sindical que é favorável a esse novo plano.
Aí estão, portanto, as contradições e mentiras deslavadas divulgadas
pela mídia entreguista e pelo próprio governo para tentar convencer o povo em
apoiar as reformas, bem como a terceirização, afirmando que são necessárias
para reativar a economia e tirar o país da crise.
Imagine agora, 49 anos de trabalho extenuante,
semi- escravidão, possivelmente sem direito a férias, décimo terceiro e, por
fim, sem perspectiva de que irá desfrutar da aposentadoria, pois certamente
morrerá bem antes. Reajustes e ganhos reais de salários, também será outra
utopia para quase todas as categorias profissionais. A nova legislação trabalhista propõe suprimir
o item que defende o acordado sobre o negociado que está na legislação do
trabalho. Se o congresso aprovar esse ponto, o que valerá para os reajustes
salariais será aquilo que for negociado, não o que está redigido na CLT.
Nessa
perspectiva a tendência é de muitos jovens não quererem acessar ao sistema
previdenciário por acreditar que jamais terão possibilidades de desfrutar os
recursos ao qual contribuíram. Não há qualquer sinal de dúvida que a
justificativa do governo para a reforma da previdência não é exatamente o que
vem afirmando, que é deficitária e que implodirá no futuro. O que se vê através
dos meios de comunicação especialmente dos próprios órgãos do governo é um
abarrotamento de informações falsas que confundem a população. Está se
misturando tudo, previdência particular (regime geral) e pública. Ambas são distintas e seguem procedimentos
próprios. A própria constituição federal não diz que o servidor público é parte
da seguridade federal.
A
previdência social que engloba assistência e atendimento à saúde é sim
superavitária, porém, nas ultimas décadas os governos estão se utilizando de recursos
do caixa da previdência para custeio de outros campos. Na verdade o discurso apresentado
é, sim, ideológico, ou seja, repleto de interesses como forma de confundir ou
jogar uma categoria contra outra. Lembram o que disse Fernando Henrique Cardoso
na época da primeira reforma: “os aposentados são todos vagabundos”. Vê o
absurdo. Somente em 2015, mais de 500 bilhões de reais foram utilizados para o
pagamento de amortizações da dívida pública brasileira. Nesse mesmo ano os
gastos com previdência foram de 460 bilhões.
Esses
números aviltantes da dívida também escondem outros absurdos que merecem ser
mencionados. Enquanto os valores previdenciários custeraram cerca de 90 milhões
de brasileiros, os bilhões da dívida pública foram diretamente para uma dezena ou centena de mãos. Não é um
absurdo? Outros dados que revelam a
farsa da previdência. Entre isenções fiscais, dívida pública e sonegação
fiscal, o Brasil deixa de arrecadar mais de um trilhão de reais por ano.
Se fossem tomadas medidas como: a auditoria da
dívida pública; fins das isenções e o combate as sonegações, o país poderia ter
um aporte anual de recursos equivalentes a 40% desse montante, ou seja, mais de
400 bilhões de reais. Se o déficit previdenciário divulgado é de cerca de 200
bilhões anuais, os 40% vindos dos sonegadores, entre outros, não solucionariam
o problema? A equação é simples. O falta então?
As
manifestações gigantes do dia 15 de março não há dúvida que serviu de
termômetro para o governo Temer avaliar o cenário para manter ou tomar outras
medidas quanto ao projeto de reforma previdenciária. A primeira vista, muitos
até acreditaram que a fragmentação do projeto transferindo para os estados e municípios
a responsabilidade com a reforma da previdência para os servidores públicos,
seria algo positivo. De repente caiu a
ficha. A fragmentação proposta pode ser até muito pior que a proposta original.
Como
um político experiente e astuto, a intenção do governo foi dividir os
trabalhadores e inviabilizar a greve geral dos professores e outras categorias
que estão previstas. No momento que joga para os estados e municípios a
autonomia para promover suas reformas, as regras das aposentadorias deverão ter
de se adequar aos dispositivos federais. Outro aspecto que favorecerá o
governo. Lembram da PLP-343, que trata da proposta de RECUPERAÇÃO FISCA dos
estados? Então, aí está a jogada. Os estados possuem dívidas com o governo
federal, portanto, o acordo firmado com as unidades federativas para a renegociação
das dívidas era de que fizessem os ajustes fiscais: congelamento dos salários,
proibição de novos contratos e o aumento da contribuição previdenciária.
O
curioso nisso tudo é que três dias depois da divulgação da notícia de que o governo
federal excluiria do projeto os servidores públicos estaduais e municípios, no
dia 24 de março, o governo Colombo, de SC, apresentava na casa da agronômica, o
esboço do projeto SCPREV que trata sobre a aposentadoria dos servidores
estaduais. Na realidade essa proposta de reforma do governo do estado já tinha
sido apresentada em 2015. O texto traz itens que seguem a mesma fórmula do
governo federal, isto é, estabelecer um teto máximo de 4.600 reais e criar um
fundo complementar de 8% para o estado e servidores que quiserem obter um
provento acima do teto. Os recursos do fundo seriam geridos por uma fundação
privada. Foi possível entender agora a manobra do governo federal? Uma luta que até então se projetava ser
unificada, poderá se fragmentar, dando suporte ao governo federal na aprovação das
reformas.
Prof.
Jairo Cezar
Brilhante análise. A hibernação acaba justamente na já campanha rumo a 2018
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