CAMAPNHA
DA FRATERNIDADE 2017 TRAZ PARA O DEBATE AS FRAGILIDADES E AMEAÇAS SOFRIDAS
PELOS BIOMAS BRASILEIROS
Nas
últimas décadas os biomas brasileiros sofreram um assustador recuo das suas
áreas naturais pressionados pelas políticas desenvolvimentistas do agronegócio,
da mineração, da indústria e de ocupação imobiliária desordenada de ecossistemas frágeis como a faixa litorânea
coberta pelo bioma da mata atlântica. O que é intrigante é que muitas vezes tais
invasões irregulares são avalizadas pelo próprio poder público e órgãos
ambientais que têm atribuições fiscalizadoras.
A
redução da cobertura natural desses biomas, somada as frágeis políticas de
saneamento básico (coleta e tratamento de esgoto, destinação do lixo sólido,
tratamento de água e drenagens) está mobilizando entidades ambientais,
organizações cientificas, universidades, igrejas, parlamentares, entre outros, para
a promoção de discussões e encaminhamentos de ações na tentativa de
sensibilizar as autoridades competentes, em âmbito federal, estadual e
municipal, no cumprimento das legislações de proteção dos biomas e a aceleração
da universalização da cobertura de saneamento.
A
cúria católica brasileira demonstrando sensibilização às demandas ambientais
que comprometem a sobrevivência de milhares de vidas humanas e de centenas de espécies
vivas em extinção, nas duas campanhas da fraternidade 2016 e 2017, inseriu saneamento
básico e biomas como lemas de discussão em todas as comunidades durante o
período da quaresma. É inquestionável a iniciativa assumida pela CNBB, bem como
de outras vertentes cristãs em atar compromissos em campos sociais tão sensíveis
e polêmicos, como política e meio ambiente. Nas décadas de 1970 e 1980, quando
a América Latina estava sobre o domínio dos sanguinários regimes ditatoriais,
religiosos integrantes da doutrina católica de vários países como o Brasil
adotaram abertamente uma postura crítica às políticas anti-sociais dos governos
militares e saíram a campo para mobilizar e preparar o povo para as lutas contra
os regimes opressores.
O
movimento que passou a ser denominado Teologia da Libertação teve o engajamento
de lideranças religiosas e simpatizantes das causas sociais, cujos textos
bíblicos, as celebrações e demais eventos religiosos assumiram conotações mais
política, ou seja, buscar nos livros dos apóstolos e nas práticas do dia a dia
de Jesus Cristo, os fundamentos filosóficos para exprimir as reais causas das injustiças sociais e
encontrar possíveis soluções. A iniciativa da Teologia da Libertação era
engajar a população nos movimentos sociais, sindicados, associações,
cooperativas, para a sensibilização e tomada de posicionamento político com propósito
de combater e romper com o modele de produção perversa que mantinha milhões de
indivíduos na América Latina, dentre eles o Brasil, em situação de miséria
absoluta.
Assumir
uma posição em defesa dos mais carentes e injustiçados que embora tradicionalmente
sempre se constituiu teoricamente como propósito do clero católico, porém, sem
qualquer efetivação das cúpulas conservadoras, bispos e papas, redundaram em severas
criticas perseguições e até banimentos de integrantes importantes do clero progressista.
O enfraquecimento da doutrina libertária e a progressiva ascensão das alas
conservadores da igreja que prestaram apoio velado aos governos neoliberais na
América latina motivaram o violento recrudescimento das forças progressistas e na
difusão de programas econômicos que resultaram no esgotamento dos recursos
naturais.
Sobre
tais práticas, muitos religiosos deixaram o conforto dos conventos e a rotina
de suas paróquias para abraçar as causas sociais e ambientais, indo residir em pequenas
comunidades distantes e esquecidas do poder público, tendo que enfrentar a
fúria de grileiros de terras, desmatadores e contrabandistas de espécies da
fauna e da flora. A defesa das florestas e a difusão de práticas econômicas
sustentáveis, extrativismo e pequenas culturas para a subsistência, foram e
ainda são hoje praticadas graças ao incansável apoio de pessoas como da
religiosa Norte Americana Dorothy Stand, assassinada em 2005 por pistoleiros
encomendados.
Nesse
mesmo ano na cidade de Cabrobó, BA, o bispo Luiz Cáppio, iniciou greve de fome,
em protesto contra a transposição do rio São Francisco. Mesmo com a postura
extrema do religioso, não foi suficiente para frear a continuidade do projeto,
cuja transposição comprometeu e vem comprometendo inúmeros biomas e a própria integridade
do rio São Francisco. A participação de ativistas civis e religiosos nas causas
ambientais no Brasil traz para reflexão os problemas e as demandas existentes
em todos os ecossistemas.
Por
ser o catolicismo uma das correntes do cristianismo que mais agrega seguidores
em todos os municípios brasileiros, o tema “Fraternidade: biomas brasileiros e
a defesa da vida” se constituem como oportuno para que em cada município,
comunidade, igreja e residência, durante as reuniões e a leitura da cartilha da
campanha da fraternidade, sejam trazidas para o debate e a reflexão as demandas
dos biomas locais.
Com
ênfase ao município de Araranguá, o bioma da Mata Atlântica, como está
ocorrendo em toda a faixa litorânea do estado e Brasil, vem perdendo, ano após
ano, expressiva parcela da cobertura vegetal pressionada pela expansão urbana e
especulação imobiliária sobre os remanescentes florestais. O agravante é que todo
esse imenso processo de devastação, não somente em Araranguá, está tendo o consentimento
velado dos poderes constituídos, legislativo e executivo, e de seus órgãos
ambientais, que se incumbem dos licenciamentos ambientais, muitos dos quais
questionáveis por suspeitas de irregularidades.
Observando
os mapas acima, com destaque a área territorial correspondente ao município de
Araranguá, é possível constatar a vasta devastação da cobertura florestal original (mata, restinga arbórea, restinga
herbácea, banhados e áreas alagadas) nas últimas décadas, vindo a decrescer sensivelmente
a partir de 2005.[1]
Dos vinte municípios que integram as bacias do Rio Araranguá e Mampituba (afluentes
catarinenses) o município de Araranguá está na posição 13° entre os que mais
desmataram, ou seja, sua cobertura vegetal original atualmente é de 7,64%.[2]
São
inúmeras as licenças de supressão duvidosa de espécies da flora nativa no
município. Dois casos polêmicos devem servir de parâmetros, devendo ser relembrados
e discutidos nas reuniões e nas celebrações durante a campanha da fraternidade,
são eles: a abertura de Rua no Morro Azul, bairro urussanguinha, e o corte de
vegetação nativa centenária nas margens do antigo trecho da Br. 101, próximo a
Aravest. Tanto um quanto o outro foram
motivos de críticas e protestos tanto de ambientalistas como dos próprios munícipes.
A
escolha de seis biomas para serem inseridos na cartilha da campanha da
fraternidade, causou espanto e preocupação por parte de especialistas no
assunto pelo fato de não terem sido incluídos no documento outros dois
importantes biomas ou sub biomas, os manguezais e a restinga, considerados os mais
ameaçados entre todos os ecossistemas. Como acontece em outros municípios da
faixa costeira de Santa Catarina, em Araranguá, os balneários Morro dos Conventos,
Morro Agudo, Ilhas e Barra Velha, sofrem os efeitos nefastos e irreversíveis da
expansão imobiliária em áreas de APP (restinga), biomas que concentram
extraordinária biodiversidade e vestígios arqueológicos que comprovam a
presença humana na região há cerca de quatro mil anos ou mais.
Nessas
comunidades, os coordenadores dos grupos de famílias da campanha da
fraternidade deveriam ou devem se debruçar nessa problemática, informando e mobilizando
a população para resistir à fúria do capital sobre os frágeis biomas. Cabe
também, nessas comunidades, a profunda discussão sobre os decretos assinados em
2016 pelo poder executivo de Araranguá, onde foram criadas a MONA (Monumento
Natural Morro dos Conventos), a APA (Área de Preservação Ambiental), e a Resex
(Reserva extrativista) em Ilhas.
Não poderia
também ficar excluído do debate, o papel e a importância dos movimentos e organizações
ambientais que prestam serviço voluntário em defesa desses biomas. No caso do
Morro dos Conventos, o destaque fica para a OSCIP PRESERV’AÇÃO, entidade
ambiental fundada em 2011, cujos integrantes, a exemplo de outros
ambientalistas, também sofrem pressões e ameaças devido as suas firmes posições
de resistências à ganância do capital ao frágil santuário Morro dos Conventos.
Há
de se pressupor, que durante a seleção e organização dos conteúdos relativos ao
tema “casa comum” da campanha da fraternidade de 2017, os responsáveis não tenham
levantado discussões acerca de assuntos polêmicos que poderão afetar os biomas
brasileiros como o projeto de lei n. 3.729/04, sobre licenciamentos, que
tramita no congresso federal e que poderá ser votado ainda no primeiro semestre
de 2017. A proposta de lei tem por objetivo flexibilizar os procedimentos
(tempo e a burocracia) para a liberação de licenciamentos para projetos de
infraestrutura em todos os biomas brasileiros. Na hipótese de aprovação no congresso e
sancionado pelo presidente da república, a legislação permitirá que o próprio
empreendedor elabore, ele mesmo, um termo autodeclaratório, dispensando do dito
licenciamento órgãos como IBAMA, FATMA/SC, bem como as próprias FAMAS.
Segundo
os preceitos políticos e filosóficos contidos nas escritas e discursos
proferidos pelo Papa Francisco, sua posição como de toda cúpula católica são
para dedicar-se aos mais necessitados e as injustiças sociais. Não seria o
projeto de lei que aprovado trará novos procedimentos como a flexibilização de
licenciamentos nos vários biomas brasileiros um ato de injustiça social, de
degradação humana, e condenável pelo próprio vaticano mediante a encíclica “em
defesa da casa comum”? Esse documento,
lançado em 2015, pelo papa Francisco, não deixa dúvidas quanto a sua posição
política, ideológica e a preocupação com o planeta, com o acelerado processo de
degradação ambiental.
Prof.
Jairo Cezar
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