A
METÁFORA DO “CRIADOR E CRIATURA” PARA REPRESENTAR O ATUAL CENÁRIO POLÍTICO
BRASILEIRO
Acompanhando
o espetáculo circense encenado na Câmara dos Deputados no último domingo, 17 de
abril, quando foi aprovado o processo de cassação da presidente da república
que irá agora para o senado, dois fatos emblemáticos chamaram a atenção. O
primeiro foi a brutal traição de políticos da base aliada do governo, que um
dia antes juraram ao “pé da cruz” que votariam contra o impeachment; a segunda,
a transformação do parlamento brasileiro em uma espécie de “templo sagrado”, “cujas
vezes do além mediavam os pensamentos de beatos deputados crédulos com sua
absolvição no dia do juízo final”. O espetáculo mais parecia filme pastelão da
pior qualidade.
O agravante
é que figuras caricatas presentes na câmara, instituição que se define como
laica, tiveram a audácia de aclamar expressões de apelo sacro como“feliz é a
nação cujo deus é o senhor”; “que deus tenha misericórdia desta nação”; “que
deus se compadeça do Brasil” e outras tantas dezenas de aclamações bizarras
desse gênero.Duvido que muitos dos parlamentares que estavam presentes
compreendem o significado de expressões como laicidade, eticidade e outros tantos
adjetivos que dão sustentação a um regime que se caracteriza como republicano.
Muitos,
obviamente devem concordar comigo, que certos parlamentares, talvez pelo fato
de terem falado pela primeira vez no parlamento, pareciam estar em “transe”
absoluto ou sobre efeitos de potentes alucinógenos. Levianamente muitos expressavam
o nome deus, uma forma debochada, escrachada, escabrosa de tentar dissuadir a
atenção de suas“ovelhas”, ofuscadas por promessas de um paraíso celeste. Não
sabem os fiéis “cordeiros”, que o paraíso não está tão longe como apregoam seus
falsos profetas,está aqui na terra, em Brasília, a capital dos privilégios, da
fartura...,o Éden Terrestre, onde poucos são os eleitos, os abnegados,que
desfrutam as benesses à custa do sacrifício de milhares de trabalhadores
assalariados.
É assustador
quando um espaço como a “casa do povo”, que deveria transmitir princípios e
valores republicanos,elencados na ética e na cidadania, vem se transformando
paulatinamente em um verdadeiro templo, com a impregnação de dogmas e valores
medievais ultraconservadores, ultrarreacionários, que em nada contribuem para a
libertação e transformação social. No entanto,como querer culpar os “digníssimos”
parlamentares, com exceções, é claro, pela condição de pouca escolaridade,
compreensão ética e política se ambos representam o pensamento e sentimento de
uma sociedade constituída por cerca de 80% de analfabetos estruturais.
O
que ficou escancarado na Câmara Federal no domingo, 17/04, foi o retrato nu e
cru da pobre sociedade brasileira. Manter essa condição de miséria, de
despolitização absoluta, se constitui como prerrogativa para eternizar
privilégios e práticas corruptas, não exclusivamente nas hastes dos poderes,
mas em todos os seguimentos da sociedade. Não queiram acreditar que dos 513
deputados eleitos, que estão “representando o povo”, mais da metade não tiveram
os votos negociados por algum favor. Sem contar os que tiveram suas campanhas
financiadas por grandes corporações do agronegócio, empreiteiras, indústrias de
armamentos, etc. Agora imagine os pleitos eleitorais municipais. De que modo,afinal,
se elegem expressiva parcela de prefeitos e vereadores?
Foram
os 66 deputados que proferiram o nome de Deus, outros 44, de seus próprios familiares,
que foram eleitos para legislar em nome do povo e para o povo, não de Deus,
restrito a espaços apropriados. Essa forte presença sacra milenar ainda se
mantém presente nos interstícios do Estado Republicano brasileiro. Basta
observar em algum canto de uma repartição pública e lá estará uma cruz
decorando o ambiente. A Constituição de 1988 proíbe qualquer discriminação de
cor, raça e credo. Como ficam as demais religiões,há
espaços para seus símbolos nas repartições públicas?
A
crise institucional no qual o Brasil está submetido tem relação direta e
indireta com o próprio modo como o congresso se constituiu. Muitos dos
congressistas e outros nomes históricos, alojados em partidos tradicionais,
fisiológicos e oportunistas, pasmem, adquiriram “gordura” e expressividade
suficiente dentro do próprio governo, porém, quando viram que o “barco estava
afundando”, pularam fora como os ratos representados no filme Titanic, de 1997,
do diretor James Cameron.
São
esses mesmos “ratos de porão”, sem qualquer compaixão e ética,que subiram a
tribuna do parlamento no domingo, usando o nome de Deus para pedir perdão aos
atos de traição, tanto seus como de companheiros de partido, que dia antes
estavam ministros, jurando fidelidade à presidente da república. São cenas
grotescas que podem ser comparadas com o personagem Frankenstein, obra essa escrita
em 1817 por Mary Shelley.
Ao
mesmo tempo em que a presidente compôs seu governo com “pedaços” de partidos sem
qualquer qualificação ética e moral, essas mesmas criaturas, sem alma, agora desejam
mais poder. Mesmos desfigurados conseguem destruir seu próprio criador, transformando-se
em monstros moventes a procura de novos corpos, vítimas indefesas,desejando
vida eterna. Indiscutivelmente, o dia 17 de abril de 2016 ficará registrado na
história como o dia do juízo final, quando centenas de parlamentares sobre a
“bênção divina”tiveram a incumbência de escreverem mais um capítulo da nossa
emblemática e caricata história política de senhores e vassalos.
O
espetáculo circense do domingo, pasmem, teve cobertura completa de uma das
principais emissoras de teve, com tradição golpista. Foi também uma das poucas vezes
que a população brasileira deixou de assistir o “pastelão” Domingão do Faustão,
porém, teve que assistir outro pastelão piorado, o Domingão da Armação.
Prof.
Jairo Cezar
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