O GOLPE DE ESTADO DE 1964 E A ATUAL
CRISE POLÍTICA INSTITUCIONAL
Nas
últimas semanas a população brasileira vem acompanhando atônita o tenso e
complexo momento político no qual passa o Brasil, cujos desdobramentos apresentam
certas similaridades ao período anterior ao golpe militar de 31 de março de
1964. Como professor historiador do ensino público de Santa Catarina e acredito
que outros profissionais da área também o fizeram me predispus em vasculhar
minhas estantes e rever obras literárias relativas ao tema, algumas adquiridas
há mais de trinta anos.
Dentre
as que se destacaram na época e de forte repercussão ainda hoje estão: O Jogo
da Direita - René Dreifuss; O Governo Militar Secreto - Nelson Werneck Sodré;
Os Senhores das Gerais - Heloísa Maria Murgel Starling e Brasil Nunca Mais de
Dom Paulo Evaristo Arns. Não esquecer também o excelente trabalho elaborado
pelo Jornalista Clóvis Moura, o Diário da Guerrilha do Araguaia, onde detalha a
participação do exército na caça e fuzilamento de cidadãos opositores ao regime
militar. Não foram dispensadas nessa pesquisa jornais, revistas e outras mídias
como as digitais, ambos contendo vasto acervo de informações que auxiliaram na
análise e reflexão dos fatos.
Num ambiente de instabilidade social e
política no qual estamos passando, a contribuição teórica dos historiadores,
sociólogos, cientistas políticos, entre outros intelectuais independentes, serão
imprescindíveis para pinçar os rumos da democracia e se há riscos reais de que venha
sofrer algum revés nos moldes de 1964. Cabe-os abordá-los de forma imparcial e
independente, porém, tal independência é um torna quanto relativa, pelo fato das
análises e opiniões poderem influenciar e serem influenciados por suas condutas
sociais. Não se pode esquecer também a conduta opiniosa de jornalistas e demais
profissionais das diferentes mídias, com destaque a TV aberta, que ainda se caracteriza
como principal veículo de informação e formadoras de opiniões. Dependendo o modo
como essa ou outras ferramentas midiáticas são conduzidas poderá, e exemplos
não faltam, decidir o futuro de governos ou regimes.
O
golpe de 1964 ocorreu dentro de uma conjuntura social um tanto quanto semelhante
a atual. Na época, as mídias oficiais propagavam aos quatro cantos informações
distorcidas atribuindo ao presidente João Goulart defensor do comunismo, de
agitador das massas, de quem pretendia estabelecer no Brasil uma pátria
vermelha nos moldes da União Soviética. A visão deslocada acerca do respectivo regime
fez com que a Classe Média fosse às ruas na famosa marcha Deus, Pátria e
Família, rejeitando e discriminando qualquer um que ousasse defendê-la ou
demostrasse qualquer simpatia. Portanto, era o cenário perfeito desejado pela
burguesia nacional e internacional, chancelada pela mídia conservadora demonizasse
Goulart, apregoando aos quatro cantos que as reformas estruturais pretendidas gerariam
o caos social.
Convêm esclarecer que tais reformas almejadas
não tinham qualquer caráter revolucionário e sim reformas estruturais pontuais
que visavam conter as fortes pressões advindas das massas trabalhadoras. Evidentemente
as medidas mais contundentes que desagradaram setores conservadores foram homologadas
a partir de 1962 com a aprovação no congresso nacional do abono natalino, hoje
13° salário. Novas medidas deram sequencia como a lei do salário família;
aposentadoria do trabalhador rural; direito a greve; remessas de lucros para o
exterior; emancipação das refinarias de petróleo; decreto sobre a reforma
agrária; decreto sobre a aposentadoria especial, etc. No entanto, muitas dessas
proposições aprovadas, até poucos dias anterior ao golpe não tinham sido ainda
executadas. Foi no comício gigante da Central do Brasil, Rio de Janeiro, no dia
13 de março de 1964, que o presidente João Goulart prometeu às massas e aos
movimentos sociais que as reformas de base popular finalmente seriam executadas.
O
sinal verde das reformas de base divulgada por Goulart chegou às portas da Casa
Branca no qual foi interpretado como afronta ou ameaça real ao secular domínio
americano na região. Forjar atos ou
ações que pudessem justificar uma possível intervenção militar na região tinha
que ser pensada urgentemente, seguindo os moldes dos golpes contra regimes e
governos no mundo inteiro. O anticomunismo parecia ser a melhor estratégia para
justificar uma ação militar em defesa da democracia e dos direitos civis.
O
treinamento de soldados do exército brasileiro nos Estados Unidos foi o suporte
necessário para o golpe do dia 31 de março de 1964. Quase todas as ações
golpistas na América Latina sempre tiveram como pretexto reverter o avanço das
ideologias da Revolução Cubana sobre as nações. Nesse sentido o governo norte
americano refez toda sua política de atuação geopolítica, interferindo direta e
indiretamente nos regimes constitucionais “ameaçados”. Foi neste ambiente tenso
que as estratégias da guerra fria passaram a influenciar governos populares
reformistas.
A
similaridade entre os dois momentos, 1964 e hoje, está no seu caráter de
moralização social, ou seja, o combate a corrupção. Quem acompanhou há poucos
dias as manifestações em São Paulo quando centenas de pessoas munidas de
vassouras executavam movimentos dando a ideia de que estavam varrendo a
corrupção. Esse mesmo ato simbólico foi intensamente utilizado pelo candidato
Jânio Quadros cujos seu principal símbolo de campanha era uma vassourinha. Até
músicas, modinhas foram difundidas na época.
A
própria classe média conservadora, nas manifestações por todo Brasil, quando
sai às ruas passa tomar consciência de uma realidade catastrófica na qual as demais
classes menos abastadas conhecem muito bem, hospitais e escolas públicas
sucateadas; violência generalizada; precariedade no saneamento básico;
transporte urbano de péssima qualidade, etc. Outro aspecto importante para
compreender as distinções das mobilizações sociais atuais das que anteciparam o
golpe de 1964, está nos objetivos pretendidos, de um lado um projeto nacional
autossustentado e do outro um plano de atrelamento ao capitalismo.
Por
cerca de 20 anos aproximadamente as utopias por um país melhor, de igualdade e
justiça social ficaram congeladas, mas não esquecidas por milhares de
brasileiros esperançosos. São esses milhares de anônimos que empunharam
bandeiras e saíram às ruas antes de 1964, que tiveram suas vidas violadas pela
censura, mantendo-se calados por um longo e tenebroso período de perseguição e
terror. A redemocratização brasileira abriu as portas para um novo começo, da
reativação das esperanças por liberdade, terra, educação, saúde, saneamento
básico, que ficaram em stand by por cerca de duas décadas.
Com
a abertura política e o fim do bipartidarismo (ARENA e MDB) novas siglas
partidárias surgiram como o PT e outras foram saíram da clandestinidade como o
PCB e PCdoB. Não significa que com esse novo cenário político partidário o
Brasil tenha perdido sua condição vergonhosa de país injusto e desigual. Muitos
dos políticos antes integrantes dos quadros do regime militar, filiados a ARENE
e que respaldaram as arbitrariedades e atrocidades, migraram para as novas agremiações
partidárias com “invólucros humanísticos”.
Depois
da derrocada do regime militar dez anos a mais foi o tempo esperado pela população
para eleger o Primeiro Presidente da Nova República. A última eleição direta
para presidente ocorreu em 1961, numa eleição tumultuada na qual Jânio Quadros
venceu. Porém, ficou no poder por cerca de nove meses, sendo substituído pelo
vice, João Goulart. Com o fim da anistia política e a derrubada de resoluções
que proibiam manifestações públicas, de um ambiente aparentemente tranquilo
ressurgem os movimentos sociais, tomando frente das mobilizações
reivindicatórias dos trabalhadores.
O
partido dos Trabalhadores transforma-se no principal catalizador dos
movimentos, dominando o cenário político nacional, convergindo para si personalidades
importantes exiladas e demais militantes alojados no MDB, sigla “oposicionista”
ao regime militar. A Central Única dos Trabalhadores viria se configurar nesse
novo cenário como principal entidade de organização e mobilização dos
trabalhadores. Além de bandeiras históricas na luta por direitos, tanto o PT
como a CUT, seus estatutos apresentavam dispositivos que iam além das
reivindicações pontuais, propondo até a ruptura do próprio sistema capitalista e
o profundo debate em defesa do socialismo.
Nas
eleições presidenciais de 2001 depois de duas tentativas infrutíferas finalmente
um representante dos trabalhadores é escolhido presidente. Luiz Inácio Lula da
Silva, o metalúrgico sindicalista de São Bernardo do Campo, converge para si o
sentimento de milhões de brasileiros vendo-o como um Dom Quixote, um cavaleiro
da esperança, um messias que traria justiça, igualdade e esperança de dias
melhores. As primeiras medidas encabeçadas pelo dito governo popular dão
mostras que o sonho adormecido há décadas ficaria momentaneamente em stand by
para outro momento. Quando muitos acreditavam que se articularia uma espécie de
pacto social, ou seja, trazer os movimentos para junto do governo assegurando
apoio a governabilidade, veio a decepção.
O
que ocorreu, todavia, foi o “arquitetamento” de um plano perfeito de
governabilidade, costurado entre lideranças de partidos políticos tradicionais,
não excluindo do plano nem mesmo figuras ultrarreacionárias, que tiveram
participação decisiva no golpe de 1964. Diante da expectativa de uma possível
traição, de estar se configurando como mais um partido grifado por políticas
impopulares, desprezando até os princípios estatutários, muito dos seus
integrantes fiéis, até mesmo fundadores, iniciaram do desembarque da sigla. No
decurso dos oito anos do Lulismo e se estendendo nos quatro anos subsequentes
do governo Dilma, as oligarquias tradicionais dominantes lograram lucros fabulosos,
muito superiores até aos apossados nos governos anteriores, incluindo o regime
militar.
O
agronegócio não ficou de fora, foi beneficiado por políticas altamente
favoráveis, dentre elas a impositiva Reforma do Código Florestal, em 2012, e
outras tantas que avalizaram ainda mais o fortalecimento do tradicional modelo “Colonialista
Desenvolvimentista Agrário”, de enorme custo social e ambiental. É o
agronegócio, do desmatamento e do agrotóxico, que ditou as políticas no campo
durante o lusismo e agora no governo Dilma. Tudo isso, é claro, sustentado por
uma forte bancada de congressistas na qual respaldam aprovando projetos de
interesse corporativo.
O
protecionismo corporativo do ruralismo se tornou mais evidente quando foi
escolhida para gerir a pasta do Ministério da Agricultura nada menos que Cátia
Abreu, ultra defensora do agronegócio. A expectativa é que na frente da pasta
da agricultura qualquer projeto que desagrade o agronegócio como de reforma
agrária e demarcações de terras indígenas, sejam abortadas pela presidente. Portanto, não é somente o setor agropecuário
exportado que vem merecendo críticas. Todos os governos cujos programas foram
calcados num modelo de produção de base desenvolvimentista, como o próprio
regime militar, ambos executaram megaprojetos de infraestrutura, como
gigantescas e insustentáveis barragens hidrelétricas no norte e centro oeste do
Brasil, obras essas ainda em execução.
Organizações
do terceiro setor como Ongs Ambientais, pesquisadores independentes e
estudiosos do seguimento energético alertavam acerca dos equívocos cometidos
pelos governos petistas em disponibilizar bilhões de reais para obras tão
dispendiosas e de custo social e ambiental elevados. O problema energético no
Brasil, segundo especialistas, está no seu precário gerenciamento, parte do que
é gerada atualmente é desperdiçada na distribuição. Bastariam ações simples, como
o reparo das redes de distribuição defeituosas, bem como amplo plano
educacional para informar e conscientizar a população. Se a estratégia do Petismo Liberal
Desenvolvimentista Periférico é a promoção desmedida do progresso econômico a
todo custo, foi necessário, portanto, neutralizar os movimentos sociais,
cooptando as principais lideranças com cargos em estatais.
Entidades de massa como CUT, UNE e MST, que
antes do PT governo protagonizaram gigantescas mobilizações sociais contra os
desmandos burgueses, ficaram quase no ostracismo nos últimos anos. Motivos para
mobilizações não faltaram. Várias foram as investidas dos seguimentos neoliberais
que atacaram brutalmente direitos históricos dos trabalhadores, fragilizando-os
e tornando-os suscetíveis às brutalidades do capital. De movimentos de massas
nas décadas de 1980 e 1990, a um aparelhado instrumento burocrático nos anos
2000 em diante, foi o que se transformaram entidades do tipo Central Única dos Trabalhadores.
É,
sem dúvida, o ressurgimento do arque-sindicalismo getulista corporativo, e
outras tantas centrais entreguistas, beneficiadas por legislações caducas, bem
como das benesses provenientes do imposto sindical. O que se esperava de um
governo de raiz popular era que, no mínimo, fosse promovida uma profunda
revolução educacional, especialmente no nível básico. Nada disso ocorreu muito
pelo contrário. O fato é que manter na ignorância milhões de brasileiros os
impedirão de compreender que sua condição de ignorância e mediocridade está
condicionada ao modo como são eleitos seus representantes nos diferentes
seguimentos políticos.
Manter
a governabilidade significaria assegurar privilégios incondicionais aos setores
produtivos predatórios que sugam nossas riquezas, destruindo rios, florestas, comunidades
tradicionais, ecossistemas inteiros. O setor bancário se aproveita dessas
brechas constitucionais para abocanhar lucros bilionários, transformando
pessoas, empresas, cada vez mais reféns dos créditos atraentes, muitos dos
quais impagáveis. O que dizer da dívida pública? Por outro lado, o estímulo ao
consumo proporcionou a milhões de brasileiros a sensação de experimentar os
segredos do consumo de supérfluos, criando a sensação de ascensão na escala
social. São a ilusão da inclusão social, pobres travestidos de classe média. O
desejo de ter um carro na garagem, TV de última geração, potentes celulares, confronta
com a incapacidade de compreender conceitos curtas, bem como interpretar
noticiários jornalísticos carregados de vícios, preconceitos e termos
imperceptíveis aos olhares e ouvidos de muitos.
E
não cessa por aí, os avanços do reformismo neoliberal extrapola os limites da
razão. Além do setor da saúde, entregue à gestão para duvidosas Organizações Sociais,
caso Hospital Regional de Araranguá, o seguimento educacional, ensino público
superior em particular, também sofre os desmandos governamentais. Sem esquecer as
corporações multinacionais de ensino superior particular que se instalam onde
dá lucro devorando volumosas fatias de verbas públicas através dos programas
como FIES, Pro Uni, PRONATEC, etc. O agravante é a qualificação dos
profissionais de muitas dessas instituições, muitos dos quais embora diplomados
são ainda semianalfabetos, especialmente na área da educação.
Não
bastando todas as mazelas governamentais e de um sistema político
patrimonialista, clientelista, nepotista e corrupto, a população diariamente é
surpreendida com notícias bombásticas de envolvimento de políticos e executivos
envolvidos no rombo em uma das principais empresas brasileiras, a Petrobras. O
fato é que essa rapinagem de dinheiro da estatal não envolve somente integrantes
do partido dos trabalhadores, mas de outras tantas siglas que compõem o arco de
alianças. Outro aspecto importante que deve ser ressaltado é que as
roubalheiras não são exclusividades dos governos petistas, são práticas muito
antigas, de décadas, séculos, porém, sempre acobertadas, sem que seus
responsáveis fossem punidos.
Foram
bilhões de reais literalmente espoliados de empresas públicas como a Petrobrás.
Essa mesma companhia que hoje é vitimada e cujas ações foram rebaixadas a
valores irrisórios, há cerca de quatro ou cinco anos, todos a contemplavam,
orgulhosos, pelo fato de ter sido descoberta uma grande reserva no pré-sal. No
entanto, diante do quadro de turbulência que se abateu sobre a estatal, há
poucos menos de dois meses senadores oportunistas aprovaram projeto de lei no
qual retira da Petrobras o controle absoluto sobre a exploração do petróleo do
pré-sal.
Isso
se caracteriza como um perverso golpe contra um dos principais patrimônios
públicos. De certo modo, o quadro de instabilidade que se abateu sobre a
estatal serviu de pretexto que fosse agilizada a quebra do monopólio. Outra, entre
tantas mentiras apregoadas pelo governo federal, afirmavam categoricamente que
10% dos royalties da comercialização do pré-sal seriam destinados para o
financiamento da educação pública. Com os preços do barril despencando no
mercado internacional, hoje pouco ultrapassa os 40 dólares, a própria atividade
de extração do mineral está praticamente inviabilizada.
Dificilmente serão cumpridos tais dispositivos
relativos aos royalties contidos no Plano Nacional de Educação. Para compensar os rombos financeiros nas
estatais e outras políticas de estímulo ao consumo como das isenções fiscais, o
governo vem aplicando o ajuste fiscal empurrando o Brasil para uma das maiores
crises da história. Para reverter tal desastre das contas públicas o governo impõe
medidas impopulares, remanejando ou cortando investimentos em setores
estratégicos como educação, saúde, saneamento básico, etc.
Não bastando essas medidas mitigatórias da
economia que contribuem para a gradativa perda de popularidade, a administração
PT sofre os efeitos nefastos das denúncias diárias de corrupção colocando no
banco dos réus integrantes seletos de longa jornada no partido. Nesse ínterim não
foram poupados nem mesmo os dois principais expoentes do partido, a presidente Dilma
e o ex-presidente Lula. Era exatamente o que queriam os ultraconservadores remanescentes
do militarismo. Certamente o erro histórico cometido pelo PT foi ter costurado
alianças com partidos fisiologistas, somente para assegurar uma aparente governabilidade.
Foram ou são lobos revestidos em peles de ovelhas, muitos dos nomes convidados
que ocuparam ou ocupam espaços importantes dentro do governo.
Além
de fisiologistas são cínicos, sem ética e caráter, muitos dos políticos que desfilam
pelos corredores do congresso e do palácio do planalto preconizando expressões de
cunho populístico e eleitoreiro. Muitos dos congressistas que vomitam
expressões moralistas no parlatório da câmara e do senado, são figuras
carimbadas, sem qualquer caráter, a começar pelas campanhas eleitorais duvidosas
financiadas com dinheiro de grupos econômicos poderosos, com intuito exclusivo
de assegurar suas benesses.
Ludibriar
a opinião pública se constituiu em uma das ferramentas eficientes na condução
de modelos econômicos perversos, como o atual sistema produtivo que incita a
perversidade, o cinismo e a imoralidade. Sem esquecer o famoso “jeitinho
brasileiro”, uma dos vícios herdados das classes dominantes do século XVI, atravessando
gerações e contaminando todas as classes sociais. Ao mesmo tempo em que o
capitalismo cria mais e mais regras, uma espécie de racionalismo Weberiano, seus
protagonistas tentam diariamente burlá-las, fazendo prevalecer interesses escusos.
A imprensa, especialmente a de massa, jamais se tornou alheia ou indiferente nos
instantes de crises ou instabilidades sociais. Se não foi protagonista em algum
momento, certamente assumiu papel decisivo nos desdobramentos políticos,
espetacularizando fatos e definindo rumos de partidos, regimes e governos.
Um
país onde quase 80% da população são analfabeta funcional não é segredo para
ninguém o extraordinário impacto provocado pelas informações processadas nas
mentes das pessoas. Tanto o jornalismo como os programas diários de
entretenimento são meticulosamente elaborados por profissionais qualificados já
antecipando os resultados desejados. Forjar conceitos, valores, transformar vilões
em mocinhos e vice versa é o que vem se especializando tais sistemas midiáticos
de massa.
Um
país constituído por mais de duzentos milhões de habitantes, cujas informações recebidas,
metade das quais são filtradas e transmitidas por duas ou três empresas de
comunicação, já se sabe de antemão seus efeitos sociais e políticos. Construir
demônios, santos, incitar o ódio, o preconceito, têm se tornado especialidade
de tais veículos de comunicação. A rede globo, a rigor, nos últimos cinquenta
anos, se constituiu no principal veículo de comunicação especializando em
forjar e manipular informações e imagens, apoiar golpes de Estado, eleger
presidentes graças a sua poderosa e eficiente capacidade de manipulação.
Em
1975, quando o regime militar esboçava sinais de enfraquecimento, a rede globo
produziu documentário enaltecendo as realizações do regime demonizando seus
oponentes. Não poupou críticas àqueles que apoiaram o governo de João Goulart,
afirmando que a posição tomada pelos militares foi correta pelo fato de ter
impedido que o Brasil se transformasse em uma União Soviética. O documentário
em nenhum momento se prestou em exibir as perversidades do regime, as torturas
nos porões, as mortes e desaparecimentos de centenas ou milhares de cidadãos
que estavam sendo promovidas pelo regime.
O
ano de 2013 quando milhares de pessoas saíram às ruas para protestarem deu
mostras que eram necessárias reavaliar os rumos da política brasileira. Ficou
claro pelas características das manifestações que a mesma ocorreu de forma
espontânea saindo às ruas milhões de brasileiros de ambas as classes sociais.
Alguns episódios importantes marcaram o momento como a formação dos Black
Blocs, grupos “encapuçados” violentamente combatidos por promoveram atos “violentos”
contra bancos, redes de lanchonetes e outros tantos estabelecimentos com forte
vínculo com o capitalismo.
A
imprensa oficial se aproveitou desses episódios para discriminá-los e
classificar seus integrantes como arruaceiros, vândalos terroristas. No calor
das manifestações posteriores a junho de 2013 outros fatos similares como os
atentados terroristas na Europa, fez o congresso nacional aprovar lei
antiterrorismo. O argumento em defesa do projeto partiu do principio que pelo
fato do Brasil vir a sediar os Jogos Olímpicos, há riscos de sofrer atentado.
No entanto, tudo isso é um blefe, o que se quer é discriminar os movimentos sociais,
as manifestações espontânea nas ruas. É uma afronta à democracia e o
cerceamento das liberdades individuais e coletivas.
O
advento de 2014 se constituiu como decisivo para o futuro político do partido
dos Trabalhadores, pois estava em curso mais um processo eleitoral. Mesmo sob
pressão e suspeitas de corrupção envolvendo membros do partido e da base aliada,
uma diferença pequena de votos, Dilma Rousseff assegurou sua reeleição.
Indiscutivelmente seu sucesso eleitoral se deve indiscutivelmente graças ao
apoio condicional de inúmeros movimentos sociais, intelectuais, artistas, músicos,
entre outros tantos anônimos, onde costuraram um pacto de compromissos eminentemente
social.
Acreditando
num possível cumprimento do acordo com os movimentos sócios que prestaram apoio
à candidatura Dilma, o sentimento de frustração não tardou quando a imprensa
começou a divulgar os nomes dos futuros ministérios e outros tantos nomes que
ocupariam cargos de primeiro escalão. Novamente a política da governabilidade
se sobrepôs ao pacto com os movimentos. Sob o espectro de uma crise econômica e
institucional sem precedente de riscos institucionais, não demorou para que
fossem executas medidas amargas, impopulares como o Ajuste Fiscal, com cortes
expressivos de recursos para pastas importantes como educação e a aprovação de novas
leis suprimindo direito dos trabalhadores.
Como
um rastilho de pólvora, a popularidade da presidente em queda livre diante das medidas
tomadas, se deteriorou ainda mais quando veio a público, denúncias de corrupção
na Petrobras. Varias operações foram deflagradas pela Polícia Federal como a
Lava Jato, Zelotes, entre outros. Nas investigações foram encontradas provas
concretas da participação de grandes empresas ligadas ao seguimento da
construção civil envolvidas em operações fraudulentas que as favoreciam.
A
deflagração da prisão de dezenas de executivos e a garantia legal de redução de
suas penas mediante delação premiada, fez com que todos os dias novos suspeitos
beneficiados com dinheiro público viessem a público. O cenário político
brasileiro se tornou ainda mais caótico quando deu entrada no judiciário, solicitações
de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff e também de seu vice Michel
Temer. Dentre as justificativas alegadas para a cassação de ambos estão as
pedaladas fiscais. A própria OAB referendado por 27 subseções estaduais também
protocolou pedido de impeachment. No golpe de 1964, a própria OAB oficializou
apoio aos militares. No entanto, a partir da promulgação da Constituição
Federal de 1988, a entidade referendou diversas ações em defesa da democracia,
o combate ao trabalho escravo, a não redução da idade penal, entre outras.
O
temor de que se estaria em curso um plano perfeito de “golpe branco” contra a
democracia se espalhou rapidamente pelas redes sociais e por outros veículos de
comunicação não oficiais. Nos últimos dias, várias foram as manifestações
sociais reivindicando de um lado a cassação da presidente e de outra, sua
permanência. Nesse interim, grupos ou partidos aliados ao governo aproveitaram
o ensejo para promover o rompimento definitivo e defender o impeachment. Dentre
as siglas que debandaram está o PMDB, porém, nem todos os integrantes acataram
a decisão da executiva nacional, mantendo-se nos cargos principalmente os
ministros, exceto um ministério, o do turismo.
A
saga oportunista, parasitária e fisiologista do PMDB que se mantém atrelado às
tetas do poder há décadas se escancarou nos últimos dias quando o vice-presidente
e também presidente do partido, Michel Temer, decidiu por desembarcar do
governo. Sua atitude foi interpretada traição, pelo fato do mesmo ter participado
da composição da chapa com o PT nas últimas eleições. A expectativa do PMDB, na
hipótese de cassação da presidente é a ocupação da de presidente por Michel
Temer.
A
certeza é imensa do impedimento da presidente, que já estão articulando com
outros partidos - o PSDB um plano de governo, ventilado até nomes como o
ultraliberal Delfim Netto, para integrar o governo. Ventila-se nos corredores
do poder que, assumindo o governo, uma das primeiras ações dos “abutres do
poder” será golpear de morte a Previdência Social. Imaginemos agora um governo
constituído por Michel Temer, Eduardo Cunha, Delfim Neto... É, sem dúvida, algo
inusitado, surreal, um retrocesso sem precedentes na curta trajetória da
democracia brasileira.
Se
acompanharmos diariamente os noticiários jornalísticos de alguns veículos de
comunicação como a Rede Globo, é explícito seu poder de persuasão a favor do
impeachment. No entanto, cabe frisar que a mesma empresa de comunicação que por
hora condena a atual administração, sempre foi beneficiada com publicidades oficiais.
A própria FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) que
oficializou apoia ao fora Dilma, também obteve generosas ajudas oficiais como
as isenções fiscais bilionárias.
Afinal
de contas, qual o posicionamento das esquerdas diante do atual atoleiro no qual
está envolvido o Partido dos Trabalhadores. Embora sob a mira das elites
conservadoras que procuram de todas as formas enquadrar o PT como principal
movimento partidário de esquerda, o PCB, PSTU e PSOL vêm lançando manifestos
esclarecendo seus posicionamentos frente aos acontecimentos atuais. Porém, as
perspectivas de uma coalizão das esquerdas para o enfrentamento do atual quadro
de turbulência política brasileira estão de certo modo distantes de ocorrer.
São
explícitas as divergências quanto às estratégias de luta com vistas a mobilização
das classes trabalhadoras para a ação. Na atual conjuntura, quando se vislumbra
no horizonte plano ultradireitista de ameaça à democracia, embarcar no discurso
oportunista pró-impeachment não se estaria corroborando a favor de um processo
de entreguismo político? A defesa, portanto, de tal seguimento da esquerda ao
não impeachment não deve ser compreendido como ato de misericórdia assegurando
apoio ao esfacelado regime petista.
Outro
posicionamento de tendências partidárias à esquerda, é o Fora Todos, que inclui
Dilma, Temer, Cunha, Congresso e a realização de eleições gerais. Diante desse
posicionamento, críticas foram lançadas por acreditar que se estaria
pavimentando caminhos para o golpe fatal da “direita histórica”. Uma população constituída
por cerca de 80% de analfabetos estruturais, de limitada percepção acerca do
funcionamento dos aparelhos do Estado, já se presume que eleições “tampão” não
resultarão em transformações conjunturais.
Nesse
sentido o caminho mais seguro das esquerdas seria construir uma agenda política
unificada para o Brasil, fortalecendo os movimentos sociais, sindicatos,
associações de moradores, entre outros, preparando os trabalhadores para o
rompimento definitivo desse modelo econômico perverso. Segundo o intelectual
italiano Antônio Gramsci, essa ruptura deverá partir pela educação. Um movimento
revolucionário não necessariamente deve seguir modelos. Pode brotar a partir de
realidades próprias, na organização de moradores de bairros, nos movimentos
ambientais, currículos de escolas, grêmios estudantis, etc. Parafraseando Gramsci
quando afirmava que de Guerra de Posição é o tipo de combate feito nas
trincheiras, com o objetivo de ir minando a resistência do inimigo.
Prof.
Jairo Cezar
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