QUARTA
CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE CULTURA, EM ARARANGUÁ/SC, REVELA O FORTE DESINTERESSE
SOCIAL E DAS AUTORIDADES NESSE SETOR
Penso
que as nações e cidades mais desenvolvidas têm a cultura material e imaterial
como parâmetro de referência. Acredito também que compreender o passado, a
memória estampada nos monumentos, nos artefatos cerâmicos e restos de
crustáceos, nos traçados das ruas, nos logradouros públicos, na culinária, etc,
trazem a certeza de ser esse povo mais feliz e resistente a presença de regimes
autoritários.
Apagar
ou silenciar a memória de agrupamentos sociais, exterminando-os ou recolhendo em
guetos, é como matar pouco a pouco a nossa essência humana. Quem conhece fragmentos
da nossa história sabe que a cultura jamais recebeu atenção especial dos nossos
governantes, muitas vezes permaneceu subalterna a alguns ministérios, por
exemplo, educação, na condição de secretaria. Diante desse caráter de
subalternidade, é claro que na repartição do orçamento, a cultura teve e tem
para si a menor fatia.
Os
reflexos dessa distopia orçamentária são sentidos nos municípios, com gestores
públicos se aproveitado da cegueira cultural coletiva para impor suas políticas
de interesse do capital. O patrimônio arquitetônico é o mais afetado, sendo
descaracterizado ou até mesmo literalmente apagado para ceder espaço a
empreendimentos comerciais e residenciais. E não fica somente na arquitetura,
outros itens de interesse coletivo, monumentos, o folclore, sítios
arqueológicos, etc, vem se perdendo sem que a população tome consciência e
manifeste alguma reação, no mínimo indignação.
A
cada intervalo de tempo os municípios brasileiros são estimulados a promoverem
suas conferências de cultura, momento pelo qual a sociedade é convidada a
discutir e elaborar seus planos para a cultura em âmbito local, estadual e
federal. Acontece que o primeiro grande evento desse gênero aconteceu em 2005,
o segundo em 2009 e o terceiro em 2013, essa última o tema gerador foi Uma Política de Estado para a Cultura:
Desafios do Sistema Nacional de Cultura. Dez anos depois de ter ocorrido a
última conferência, novamente a sociedade é convidada a discutir demandas e gargalos
envolvendo esse segmento, profundamente dominado por contradições e
negligências por parte de seus gestores e demais estruturas de poder.
Claro
que se formos questionar pessoas nas ruas sobre o que sentem e pensam sobre
cultura, raros serão aquelas que irão responder que cultura é tudo que nos rodeia
que nos faz pensar e sentir como membros de uma coletividade, que comunga os mesmos
espaços e o que construímos, os acervos memoriais, materiais e imateriais. Pode
ser até meio confuso definir cultura, mas é isso mesmo, são os acervos
memoriais, presentes na arquitetura, fachadas das construções, traçados das
ruas, monumentos, artes cênicas e visuais, cinema, musica, alimentação, etc.
Quando
deixamos de pensar acerca da necessidade e importância dessas especificidades
culturais presentes nas sociedades, vamos perdendo pouco a pouco nossa própria
identidade, nossa memória coletiva, nos tornando mais suscetíveis às imposições
culturais externas embasadas na lógica do mercado, da futilidade, do descartável,
do efêmero. Por isso as conferências, para rever nossa existência, que caminhos
estamos trilhando, o que realmente pretendemos ser como sujeitos coletivos.
Embora a última conferência tenha acontecido há uma década, 2013, com o tema
Política de Estado para a Cultura, jamais na história recente tivemos tantas
perdas, tantos ataques contra tudo que se refere a nossa memória coletiva. O
apagamento da nossa memória cultural foi mais evidente durante os dois últimos
governos, com ações deliberadas de esfacelamento do pouco do que ainda havíamos
construído da agonizante cultura.
Recompor
os fragmentos da nossa tão desprezada memória coletiva, outra vez, depois de
dez anos, está sendo assegurada à sociedade brasileira por meio de uma nova
conferência. O tema escolhido dessa vez para o evento foi “Democracia e Direito à Cultura”.
No município de Araranguá, a conferência teve como local o auditório da
UFSC, entre os dias 18, 19, 25 e 26 de setembro. Após essa etapa, as
proposições elencadas a partir dos seis eixos serão encaminhadas a conferência
estadual ainda esse ano. Um arcabouço de propostas deverá ser retirado na etapa
estadual, com a escolha de delegados que representarão o estado na conferência
federal, prevista para acontecer em março de 2024, na capital federal,
Brasília.
Embora
toda a complexidade envolvendo o evento, o ponto importante disso é o processo
democrático, que garante a participação de todo cidadão/a. Na abertura da
conferência ocorrida no auditório da UFSC, havia a expectativa de um grande
público presente, pois estaríamos construindo um plano de cultura para o
município para os próximos anos. Para um município com população estimada de 71
mil habitantes, claro que o auditório deveria estar lotado, tanto pela
importância do evento quanto pela carência cultural vivida pela população.
Cerca de cinquenta pessoas estavam ali para ouvir os palestrantes e ratificar
as inscrições para os três próximos encontros.
Cada
inscrito teve a liberdade de escolher um dos seis eixos propostos, sendo eles.
1 – Institucionalização, Marcos Legais e Sistema Nacional de Cultura; 2- Democratização
do acesso à cultura e Participação Social; 3- Identidade, Patrimônio e Memória;
4- Diversidade Cultural e Transversalidades de Gênero, Raça e Acessibilidade na
Política Cultural; 5- Economia Criativa, Trabalho, renda e Sustentabilidade; 6-
Direito às Artes e às Linguagens Digitais. Por estar intimamente inserido nas
lutas em defesa do patrimônio arqueológico local, decidi participar do eixo três,
identidade, patrimônio e memória. No instante que entrei na sala fique
espantado com o baixo numero de pessoas que escolheram esse eixo, três ou
quatro pessoas, durante os três dias. Penso ter sido esse eixo o que teve menor
público inscrito entre os cinco.
Claro
que todos os eixos têm lá suas importâncias, porém, identidade, patrimônio e
memória tratam exatamente da história, do que foi construído, arquitetura,
símbolos e signos, que servem de ele entre o passando, presente e o
futuro. A pouca presença de inscritos
nesse eixo deixa escancarada o modo negacionista como as autoridades locais,
poder público em particular vem tratando nosso patrimônio, principalmente os
sítios arqueológicos datados de quatro a cinco mil anos.
Por
ser uma conferência voltada à cultura, base superestrutural de uma sociedade,
todas as entidades organizadas no município tinham o dever de estar presente,
poder executivo, legislativo, integrantes do judiciário, fundação ambiental,
entre tantos outras. Talvez uma ou mais pessoas desses segmentos estivessem
presentes, porém bem inexpressivo diante de tamanha relevância. Até é possível justificar o fato dessas
entidades não se fazerem presentes, porém, penso ser injustificável não estarem
lá os conselheiros municipais de cultura. Aí sim dá para acreditar que a nossa
cultura está quase no fundo do poço, pois de um total de 32 membros eleitos, apenas
nove estavam na última plenária de apresentação das proposições de cada eixo.
Outra
observação a ser feita é sobre a ínfima presença de integrantes do PT na
conferência. E por que dessa observação. Primeiro porque todas as conferências realizadas
até o momento, quatro ao todo, foram durante a gestão do Partido dos Trabalhadores
em âmbito federal. Sendo assim, era esperado que no mínimo, nesse evento, todos
os membros da executiva municipal, o vereador do partido, em particular, lá
estivessem todos os dias. Afinal por que estou fazendo tal defesa em relação a
esse partido? O motivo principal é por saber que inúmeros membros da sigla
terem envolvidos em demandas culturais históricas, e por ter um representante
no legislativo municipal o mesmo poderia interceder no parlamento municipal,
apresentando projeto de lei para regulamentar as políticas de cultura para o
município de Araranguá.
Prof.
Jairo Cesa
Nenhum comentário:
Postar um comentário