PLANO DE ADAPTAÇÃO CLIMÁTICA TERÁ DE SER REALIDADE EM TODOS OS MUNICÍPIOS BRASILEIROS
https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/climaozoniodesertificacao/plano-nacional-de-adaptacao |
Outubro
de 2023 será lembrado no sul do Brasil como um mês atípico, por confirmar o que
alertavam climatologistas e demais estudiosos do tempo, de que o clima da terra
estava no seu limite de exaustão e que colapsaria a qualquer momento. As
elevadas temperaturas recordes no verão do hemisfério norte, combinadas com os
catastróficos incêndios foram dos primeiros indícios de que o planeta clamava por
mais atenção. No inverno do hemisfério sul muitas regiões e cidades,
principalmente as situadas nas faixas litorâneas sul, sudeste e nordeste
sofreram com enxurradas, deslizamentos e dezenas de pessoas mortas e
desaparecidas. Foi só iniciar a primavera no hemisfério sul que os efeitos do
aquecimento global, associado ao fenômeno EL NINO, dessa vez mais forte, que o
sul do Brasil por pouco não virou terra arrasada devido às incidências de
ciclones extratropicais com elevados graus de letalidade.
Os
meses de agosto e setembro, no estado do RS, cidades por pouco não foram literalmente
riscadas do mapa devido às fortes enxurradas e deslizamentos. Mais de uma
centena de pessoas perderam suas vidas, soterradas ou afogadas pela força das
águas. Além de perdas humanas o estado deve ter contabilizado prejuízos
financeiros milionários, decorrente da destruição de grande parte de sua
infraestrutura urbana e rural. Claro que foram inúmeros os alertas divulgados
de que importantes bacias do RS teriam
índices pluviométricos recordes e que causariam transtornos sem precedentes à
milhares de pessoas. Há informações fidedignas que muitas autoridades do estado
gaúcho não deram atenção devida aos inúmeros boletins meteorológicos emitidos
pelos órgãos que monitoram o tempo.
Aqueles
que acreditaram que a tragédia climática anunciada ficaria restrita apenas ao
RS, devem ter ficado embasbacados quando passaram ouvir e assistir os
meteorologistas emitindo boletins frequentes prevendo situação semelhante para
o estado catarinense. Na “mosca”. Foi só começar o mês de outubro, por mais de
dez dias todas as regiões passaram por um pesadelo climático que certamente vai
ser lembrado pelas próximas décadas. Chuvas torrenciais com enchentes,
deslizamentos e mortes humanas nos quatro cantos do estado, sendo, portanto, o
Alto Vale do Rio do Sul, o mais afetado, com destaques aos municípios de Taió e
Rio do Sul, ambos decretando estado de calamidade pública. Foram mais de 150 de
um total de 295, que decretaram situação de emergência.
O
sul do estado também foi seriamente assolado pelas chuvas torrenciais, que
também causaram prejuízos milionários em infraestrutura e na agricultura. O que
é importante destacar nesses episódios extremos do tempo é que os planos
diretores de todos os municípios terão que passar por transformações profundas
principalmente no que se refere aos seus sistemas de drenagens e áreas de
ocupações. Também deve ser enfatizado aqui o aspecto agrário, a monocultura,
por exemplo, que pode ter causa e efeito em todo esse desarranjo macro e
microclimático. A progressiva supressão de florestas, como o bioma da Mata Atlântica,
para projetos agropecuários e imobiliários, vem resultando em passivos
ambientais de proporções gigantescas.
São
as áreas da faixa costeira do estado que tiveram as maiores perdas de cobertura
florestal, sendo, portanto, as mais afetadas e impactadas pelas chuvas cada vez
mais frequentes, duradouras e violentas. Muitos municípios catarinenses aproveitaram
a situação de estado de emergência decretado pelo governo para, literalmente,
“passar a boiada”, descumprindo regras ambientais em obras de infraestrutura
para minimizar impactos provocados pelas chuvas.
Um dos municípios que possivelmente aproveitou essa brecha legal foi Araranguá com a abertura de canais para o escoamento da água na parte baixa do balneário Morro dos Conventos. Em 2016 essa parte sensível do balneário foi transformada em APA (Área de Proteção Ambiental), devido a sua peculiaridade geográfica e ambiental. Entretanto em 2021, a administração pública suprimiu o decreto que criou a APA, abrindo a “porteira” para o avanço imobiliário. As últimas chuvas que precipitaram sobre o município e o balneário, em especial, deixaram mostras claras que é necessário repensar com atenção as políticas de ocupação daquele frágil ecossistema.
A abertura de uma grande vala para o escoamento da água sobre dunas fixas no lado sul do balneário é um prenuncio de que toda aquela complexa área poderá vir a ser ocupada por residências e condomínios. A não existência de um sistema de tratamento do esgoto, agravado pela superficialidade do lençol freático faz do local um dos mais sensíveis a degradação ambiental no sul do estado de Santa Catarina.
A
ligação através de Rua do Paiquere/Balneário Morro dos Conventos comprova o que
ambientalistas e moradores presumiam, que a intenção da mesma é também agilizar
a expansão imobiliária sobre um complexo de dunas e vegetação de restinga em
todo o entorno. O que assusta é o fato de haver tanta aberração por parte do
poder público, porém sem qualquer manifestação contrária ou críticas por parte
das autoridades, da imprensa e demais segmentos sociais. O sentimento é de que
há um explícito consenso coletivo, forjado para dar vazão às políticas de
“execuções de obras”, muitas das quais, acredita-se, a revelia das
normatizações ambientais.
Em 2018 o poder público de Araranguá realizou obra de drenagem pluvial em área APA no Morro dos Conventos sem licenciamento ambiental. A ação foi passiva de embargo por parte da Policia Ambiental. Agora, a atual administração realizou drenagem nesse mesmo traçado, iniciando nas proximidades do campinho de futebol, indo em direção a foz do córrego que desaguava o antigo “lago do frango”. O estrago praticado pela draga foi infinitamente superior de 2018, porém, não houve nenhuma interferência dos órgãos ambientais, responsabilizando o poder público por crime ambiental. A pergunta é, será que todas essas ações se devem ao fato de o governo do estado ter decretado situação de emergência e que também incluiu Araranguá entre os municípios impactados pelas chuvas?
Foto - Jairo |
O
que ficou explicito nessas últimas chuvas foi à fragilidade do solo que
rapidamente fez extravasar os lençóis freáticos, que são extremamente
superficiais mesmo em épocas de chuvas normais. Se precipitações semelhantes a do mês de
outubro de 2023 vier a ocorrer nos meses de janeiro, fevereiro, períodos em que
o balneário recebe enorme fluxo de veranistas e turistas, não há dúvida que
toda a orla será seriamente impactada pelos esgotos das fossas que irão
extravasar. Repito, sem a instalação de um sistema de tratamento dos esgotos,
tanto parte baixa como da de cima do balneário, não será conveniente ao poder
público e ao órgão ambiental municipal liberar novos licenciamentos para
residências e loteamentos em ambos os espaços.
Muitos
moradores daquele bairro, parte alta, por exemplo, devem ter ficado perplexos
quando perceberam que suas ruas e residências estavam tomadas pelas águas da
chuva, realidade que os moradores mais antigos não devem se lembrar de ter
ocorrido no passado. Acontece que quando as ruas foram pavimentadas, com
lajotas, não houve por parte do poder público, a inserção no projeto de
tubulações para o esgotamento pluvial. Se existe alguma canalização já mostra
ser ineficiente e precária. Atualmente toda a água acumulada no bairro e do
entorno tem como destino o manancial hídrico que abastece o bairro. Por não
existir sistema de tratamento do esgoto, os resíduos das fossas se misturam com
a água da chuva e escoam em direção ao lago dourado.
Foto - Jairo |
Fica
a sensação que as técnicas aprendidas pelos engenheiros e outros profissionais
nas universidades não estão sendo suficientes para vencer a fúria do tempo. Há
casos de obras realizadas e refeitas por duas, três ou mais vezes, pois são
repetidamente impactadas pela força das águas. Mais uma vez o Morro dos Conventos
serve de exemplo de obras mal sucedidas. Entre o farol e as proximidades do
hotel, vem sendo realizada obra de pavimentação do passeio público, com tijolos
de cimento. Os trabalhadores já proferiram dois ou três reparos do calçamento
do passeio e da própria rua, parcialmente danificadas pelas chuvas. Dessa vez,
depois das últimas chuvas, decidiram fazer na lateral do passeio uma minúscula
calha, com o cimento.
Foto - Jairo |
Até
mesmo uma criança sabe que essa medida não resolverá o problema, que é dinheiro
jogado fora. Situação semelhante acontece na Rua Aparados da Serra. São
incontáveis o número caçambas com pedras já despejadas nessa rua. A cada chuva,
um pouquinho mais forte, tudo desce, ficando as pedras depositadas em toda a
extensão da rua, trazendo também transtornos. Tanto a Aparados da Serra quanto
na Rua Criciúma, essa última que vai até ao farol, somente com a instalação de
tubulações pluviais é que poderá minimizar os repetidos impactos e prejuízos financeiros
aos cofres públicos do município. A pergunta é, por que não fazem, por que
tanta resistência?
Como
já havia mencionado em outros textos postados nesse blog, todos os municípios
brasileiros deverão rediscutir os planos diretores levando em consideração os
aspectos relativos às mudanças climáticas em curso. Essas ações são respaldadas
por legislações e resoluções nacionais, dentre elas a Lei n. 12.187/2009 que
criou a política nacional sobre mudanças no clima. Entre as diretrizes
elencadas no plano, cabe destacar o art. 5°, V, onde salienta o estímulo e o
apoio à participação dos governos federal, estadual, distrital e municipal,
assim como do setor produtivo, do meio acadêmico e da sociedade civil
organizada, no desenvolvimento e na execução de políticas, planos, programas e
ações relacionados à mudança do clima.
Além dessa legislação, entre 2013 a 2016 foi construído o Plano
Nacional de adaptação climática. É um documento robusto onde constam todos os
passos a serem seguidos pelo governo federal, estados e municípios na promoção
de gestão e redução do risco climático, bem como construir instrumentos que
permitam adaptações dos sistemas naturais, humanos, produtivos e de
infraestruturas. Como no Brasil o que mais se tem são leis, sendo que muitas
delas são negligenciadas, a exemplo da lei de mudanças climáticas. Desde a criação
da lei em 2009, raros são os municípios brasileiros que executaram seus
programas de adaptações climáticas.
Parece que quinze anos depois da criação da lei finalmente o
congresso nacional tomou a decisão de estabelecer diretrizes com vistas a dar
celeridade ao plano para que de fato possa ser aplicado nos estados e
municípios brasileiros. Foi em 2021 que veio a proposta de diretrizes por meio
de uma PL de n. 4129/2021, de iniciativa da Deputada Federal Tábata Amaral, do
PSB/SP. Depois de aprovada na câmara, a
referida lei foi encaminhada para o senado, que continua estagnada na comissão
de meio ambiente da casa. Havia a proposta de realização de três audiências
públicas para discutir o assunto, tendo a primeira audiência marcada para o dia
06 de junho de 2023, porém, cancelada e sem data marcada para realização.
No inicio do ano foi proposto à criação de um novo plano de
adaptação climática por meio de um comitê interministerial, constituído por 19
ministérios. Passado nove meses, somente agora se reuniram quatro ministérios, claro
que somente aqueles que já têm compreensão histórico com os problemas que
assolaram o Brasil. Agora, fazer uma reunião tão importante sem a presença de
ministérios como da agricultura, da fazenda, minas e energia e casa civil,
entre outros, é o mesmo que não fazer.
Toda essa passividade, demora de estruturar um plano de adaptação
com o mínimo de aplicabilidade resulta o que estamos acompanhando atônitos nos
últimos meses, semanas, onde dezenas, centenas de pessoas perderam as vidas devido
aos episódios extremos do clima. Sem contabilizar as dezenas de milhares que
tiveram suas vidas totalmente desestruturadas. De acordo com o Banco Mundial,
de 1995 a 2021, os prejuízos relacionados aos fatores climáticos no Brasil
somaram quase 550 bilhões de reais. Se políticas de adaptações já estivessem
sendo aplicadas em todos os municípios brasileiros, o número de mortes
resultantes das enxurradas, deslizamentos, etc, talvez não tivessem zerado, mas
certamente seria muito menor do que o ocorrido.
Prof. Jairo Cesa
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2009/lei-12187-29-dezembro-2009-599441-norma-pl.html
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