PARLAMENTAR
BOLSONARISTA CATARINENSE É ESCULACHADA EM SESSÃO DA COMISSÃO DA CPI DO MST NA
CÂMARA FEDERAL
Acompanhando
os desdobramentos da CPI do MST na Câmara Federal em Brasília e cujo objetivo
de quem solicitou a abertura é, pasmem, buscar instrumentos jurídicos que criminalize o movimento por ocupações de terra improdutivas, no dia
14 de junho um dos convidados para discorrer sobre os atos do movimento foi o professor
da Universidade Nacional de Brasília, Dr. José Geraldo de Souza Junior. Embora não conhecesse o professor, na
sua arguição e interpelação, que durou cerca de uma hora, fiquei tão
impressionado com o que falou que me senti estimulado em ouví-lo mais vezes.
Impressionante é a sua compreensão de todo um
conjunto de acontecimentos jurídicos e políticos ocorridos nas últimas décadas
das quais teve participação como professor e jurista. Claro que o convite feito
ao professor não veio de setores articuladores da CPI, parlamentares vinculados
a partidos que integram o centrão, ruralistas, bolsonaristas. O que ficou
explicito durante sua explanação e das intervenções dos parlamentares foi a
revelação nua e crua de estarmos convivendo com um parlamente cuja maioria
possui limitada percepção da complexidade e diversidade da nossa cultura.
Porém
o que marcou esse debate da comissão no parlamento foi quando a deputada
bolsonarista catarinense Caroline de Toni, PL, apresentou um calhamaço de dados
para convencer o professor a acreditar que o MST é um movimento fracassado
responsável pela desordem do campo. Em resposta, o professor José Geraldo, de
forma elegante, “esculachou” a deputada. Certamente não compreendeu como muitos
dos seus colegas de bancada, entre outros, a inteligente resposta dada pelo
professor. Disse o professor que não tinha como discutir com a deputada o tema,
pois sua visão de mundo ou sua cosmovisão se dá de a partir de um recorte
histórico, descontextualizado. Ela expressou aquilo que está sua mente,
números, estatísticas, informações de algo muito fragmentado, irreal, que para
ela é concebido como tese.
O
professor Geraldo trouxe o exemplo das caravelas de Pedro Álvares Cabral quando
chegaram à costa brasileira, os indígenas não conseguiram vê-la, por sua
cosmovisão não o permitia. Aquela era uma realidade que não fazia parte da
cognição do povo que habitava essas terras. Faltava para deputada elementos,
conhecimento que pudesse dar-lhe suporte cognitivo, que levasse a entender o
MST não pode ser concebido como tentou expressar através afirmações rasas como:
“aquelas pessoas que necessitam”; mantém as pessoas cativas; centro de
doutrinação ideológica marxista; renda das famílias dos assentados menor que um
salário mínimo; vivem numa situação de miserabilidade, e outras barbaridades
vindas de mentes tão limitadas intelectualmente como dessa deputada que
envergonha dos catarinenses no parlamento federal.
Penso
que o momento primoroso da fala do professor foi quando discorreu sobre
justiça, trazendo como referência o Movimento do MST, que luta há décadas por
direito a terra, garantia essa dada pela constituição federal, que afirma ser a
terra um bem com função social. Segundo o professor, justiça é: “poder
construir uma consideração que se realize cada um de acordo com o seu trabalho,
de atribuir a cada um de acordo com o seu trabalho”. Revelou que essa expressão
aparece no manifesto comunista escrito por Karl Marx. No entanto tais conceitos
não têm nada relacionado ao marxismo, ao comunismo, sendo, portanto, anterior a
tudo isso. São conceitos que aparece no ato dos apóstolos escritos pelo profeta
Lucas, onde diz: “todos os que acreditam
eram unidos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, e os
repartiam entre todos, conforme a necessidade de cada um. E todos os dias
perseveravam unânimes no templo. E partiam o pão nas casas, tomando o alimento
com alegria e simplicidade de coração”.[1]
Note
que nessa passagem da bíblia cristã também estão os princípios que nortearam o
movimento religioso Teologia de Libertação, que teve expressiva importância nas
décadas de 1970 e 80 na difusão de ideias transformadoras, revolucionárias, que
se contrapunham ao pensamento autoritário e segregacionista da época. Inúmeros
movimentos sociais, sindicatos, pastorais em geral, foram encubados a partir
dessas premissas de amor, fé e libertação. As celebrações tinham profundo
caráter emancipatório, ou seja, recortavam passagens bíblicas como a dos atos dos apóstolos e contextualizavam a
partir da realidade social, política e econômica daquele momento.
No
MST tem uma estrutura organizacional construída seguindo as particularidades e
capacidades de cada membro do grupo que congrega. Tudo é decidido
coletivamente, sendo a função da escola nesses assentamentos é ensinar
conceitos que vão além dos estabelecidos nos parâmetros curriculares nacionais,
ou seja, adotam práticas educativas inspiradas no método Paulo Freire, de
ensinar a aprender a aprender. Afirmar que os integrantes dos assentamentos
vivem em condições de miserabilidade, que recebem menos de um salário por mês,
é desconhecer os preceitos históricos e filosóficos que movem essa estrutura.
Prof.
Jairo Cesa
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