MERCOSUL/UNIÃO EUROPÉIA: O CAMINHO
PARA RECOLONIZAÇÃO DO BRASIL E DOS PAÍSES VIZINHOS
Dois
ou três dias depois de referendada a tratativa do maior acordo econômico do
planeta envolvendo o MERCOSUL e UNIÃO EUROPÉIA tratei de pesquisar em vários sites
de jornais relevantes possíveis críticas ao mega plano, pois desconfiava haver interesses
econômicos obscuros e não divulgados, que poderão tornar os países do MERCOSUL mais
submissos ainda ao bloco europeu. Todas as tentativas de buscas foram em vão, o
que encontrei foram manchetes ou enormes reportagens de puro entusiasmo,
exaltação aos mentores, evidenciando o fato como o acontecimento do milênio, a
redenção de séculos de atraso estrutural sobre milhões de sul americanos.
O
que permeou no imaginário dos que sempre desconfiam de eventuais promessas de
milagres econômicos como ditos pelos lideres governamentais do cone sul e a
imprensa entreguista, é que havia algo sinistro nesse acordo que deveria ser
evidenciado. Não há dúvida que tais peripécias foram articuladas pelos porta
vozes do ultraconservadorismo neoliberal periférico, Maurício Macri e
Bolsonaro, para evidenciá-los num momento conjuntural tenso de queda
vertiginosa de popularidade. O que se revelou estranho na homologação do acordo
foi o presidente Bolsonaro ter mudado suas convicções diante do posicionamento negativo
do super ministro Guedes, tempos atrás, que declarou que todos deveriam esquecer
o MERCOSUL.
No
caso da vizinha Argentina, o presidente Macri, em pouco mais de um ano como presidente
do país conseguiu a proeza de catapultar milhões de cidadãos argentinos num abismo
de miseráveis sem precedentes na história recente daquele país. Diante de um
cenário econômico confuso e incerto, para as eleições gerais marcadas para
outubro de 2019 na Argentina, as pesquisas colocam em destaque o bloco
partidário oposicionista da ex-presidente Cristina Kirchner, que se lançará
como candidata a vice presidente e com reais possibilidades vencer o
pleito.
Para
o capitalismo ultraliberal periférico, uma virtual derrota de Macri no pleito
de outubro poderá comprometer o bloco do MERCOSUL e as tratativas do acordo com
a União Européia. Portanto, aí estão um
dos fatores da aproximação estratégica entre Bolsonaro e Macri, representantes
diretos dos interesses do capitalismo globalizado na região, conquistar a
simpatia da opinião pública. O acordo de livre comércio tenderia a melhorar o
grau de popularidade dessas duas lideranças, alimentando expectativas positivas
das elites regionais à continuidade das políticas reformistas de cunho
neoliberal.
O
segredo dos grandes jornais e emissoras de TV de terem discretamente evidenciado
pontos negativos da integração, está no futuro processo institucional do
MERCOSUL, ou seja, neutralizar a todo custo uma possível ascensão de forças
esquerdista no comando dessas nações. Uma região cujo PIB vem apresentando
baixo crescimento ano após ano, uma manchete na capa de um dos jornais com a
descrição MERCOSUL-União “Européia assinaram o Maior acordo da história e que poderá
render 100 bilhões ao Brasil”, soou como música aos ouvidos da elite.
Esse
fato faz lembrar outro episódio semelhante ocorrido há pouco tempo, a
descoberta do pré-sal cujos jornais não pouparam páginas para enaltecer o
feito. Na argentina os jornais conservadores também não pouparam apoio ao plano
de integração, visto como essencial à guinada econômica da região. O resultado
do pré sal todos sabemos que fim teve.
Conhecendo
um pouco da história dos países que congregam o bloco do MERCOSUL, a partir da
ocupação territorial pelos impiedosos solados das metrópoles espanhola e portuguesa,
milhares de toneladas de ouro, prata, entre outras riquezas foram pilhadas e
enviadas à Europa. Um continente decadente e atrasado até então, de repente, se
transformaria numa das regiões mais poderosas do planeta. Cinco séculos depois
do domínio e exploração imperial ibérica sobre a América Latina, como estão hoje
os povos remanescentes habitantes do Peru, México, Brasil, Bolívia, etc?
Em
nenhum momento, tanto Espanha, Portugal, Holanda, França, Inglaterra, entre
outros, que se construíram a partir dos escambos e pilhagens nas Américas,
África, Ásia, tiveram a humildade de reavaliar o passado e reconhecer dívidas
históricas com essas regiões. A
avassaladora entrada clandestina de milhares de imigrantes africanos e
asiáticos no território europeu através do mar mediterrâneo, sem dúvida é um
ato inconsciente de ajustamento de contas da histórica colonização européia em
seus territórios por décadas.
A
formação de blocos econômicos como a zona do euro, o NAFTA e o MERCOSUL, se constituiu
como projetos de proteção aos mercados locais. Entretanto, diante do gigantesco
descompasso tecnológico entre o bloco do MERCOSUL e europeu, jamais o primeiro adquiriu
status de soberania econômica, permanecendo subjugado às potências
industrializadas. O argumento contrário de parcela significativa do parlamento
argentino e demais setores produtivos do MERCOSUL ao acordo é que a iniciativa favorecerá
a forte indústria européia, beneficiadas por fortes investimentos públicos e
protecionismo tecnológico.
Em
tempo de elevação de barreiras protecionistas a exemplo dos Estados e China que
se digladiam elevando taxas de seus produtos como forma de proteger suas
indústrias e produtores, de repente, o União Européia, vista também como
protecionista, se mostra cordial abrindo seus mercados as “nações amigas” do
sul. O que os lideres das potências européias vêem no horizonte com o acordo
com o MERCOSUL é a oportunidade de minimizar perdas das quais terão com as
disputas comerciais entre EUA e China, que são hoje mercados importantes à
exportação de manufaturas.
Desde
que Bolsonaro assumiu a presidência vinha assumindo posições contrárias à
permanência do Brasil no acordo de Paris sobre o Clima. Discordava da postura
de pesquisadores e organizações renomadas distribuídas pelo mundo das quais
comungavam opiniões comuns afirmando que o planeta está sim aquecendo e
comprometendo a própria existência humana. Foi no encontro do G20, no Japão, no
final de junho de 2019, que o presidente brasileiro voltou atrás na decisão,
prometendo continuar no acordo do clima.
Esse
recuo se deveu as condicionantes impostas pelos principais líderes das
potências européias à integração com o MERCOSUL. Entre as dezenas de proposições
elencadas aos países do MERCOSUL à entrada no acordo, uma delas, vista como
mais importante, é o combate ao desmatamento na Amazônia. Esse ponto é o que
mais preocupa nações como França, Alemanha, Noruega, etc. Na ocasião o próprio
ministro das relações exteriores do Brasil tentou convencer os governos
protagonistas europeus do acordo, que o governo brasileiro está tendo total
compromisso com a floreta amazônica.
Alguns
dias depois do lançamento da minuta do acordo de integração comercial, o INPE
(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) lançou relatório sobre o desmatamento
na Amazônia, que bateu recorde no mês de junho de 2019. A área desmatada é 88%
superior a do mesmo período em 2018. O relatório mostrou que somente num único
final de semana foi devastado mais de cem quilômetros quadrados de floresta. Esses
números absurdos podem colocar fim definitivo aos bilionários recursos do fundo
amazônico repassado pelos governos da Noruega e Alemanha, que totalizaram mais
de quatro bilhões de reais.
O
impasse do governo brasileiro com os financiadores do fundo se agravou no instante
que Bolsonaro se manifestou contrário ao modo como os recursos estavam sendo
geridos. Propôs a supressão de dois conselhos do fundo e destinação de parcela
do dinheiro ao pagamento de indenização de proprietários de áreas transformadas
em Unidades de Conservação. Essa decisão causou irritação aos doadores dos
recursos que ameaçam cancelar futuros repasses.
A
idéia da criação do acordo comercial entre Europa e América do Sul é antiga e
vem se arrastando há mais de três décadas. Por ser amplamente complexo, é muito
difícil chegar a um consenso por envolverem realidades culturais e econômicas
tão distintas. O que pegou todos de surpresa foi, de repente, num curto prazo
de seis meses de governo Bolsonaro, as negociações do acordo de livre comércio parece
ter sido resolvido como um passe de mágica.
Não
há dúvida que o segredo dessa “façanha” está no modo como os articulistas
brasileiros e argentinos vêm se posicionando politicamente frente a alguns líderes
de potências mundiais como os EUA, de total subserviência. É obvio que o
empresariado europeu, setor agrícola em especial, não irá abrir mão dos
pomposos subsídios públicos que tornam seus produtos competitivos no mercado
globalizado. Diferente da MERCOSUL onde os subsídios públicos são discretos. O
resultado disso é o custo elevado e pouco competitivo do produto final.
Para
entender o atual cenário é importante voltar um pouco no tempo e entender como
a América Latina foi forjada. No século
XVIII, sem exceção, o comércio mundial era controlado pelo poderoso império
britânico. Os países que antes eram colônias ibéricas no continente americano,
depois do rompimento administrativo com suas metrópoles foram tomados por uma
avalanche de produtos e dinheiro da grande potência industrial britânica.
Esse
domínio permaneceu até o final do século XIX, quando outra potência assumiu o
lugar, os Estados Unidos. Desde a época colônia e domínio imperial britânico e
americano, esses países se especializaram na exportação de produtos primários
de pouco valor agregado. Em contra partida, nos tornando consumidores vorazes
de produtos manufaturado de elevado valor agregado.
A
desindustrialização crescente e os pífios investimentos em educação e tecnologia
contribuíram e contribuirá ainda mais para a perpetuação dessa relação desigual
e de subordinação. As tratativas de selar o acordo definitivo de integração se
efetivarão num futuro próximo, como acreditam os integrantes diretos dos dois
governos do cone sul. No caso brasileiro, os críticos do plano acreditam que
tenderá intensificar a primarização da economia, seguindo o mesmo modelo
mercantilista exportador do passado.
Se
a idéia é se especializar em commodities, mineração e produção agrícola, o
caminho já está sendo trilhado com parcos investimentos em educação e pesquisa
científica. Não se torna em vão, portanto, o sádico ataque do atual governo
contras as universidades públicas, com o corte significativo de verbas voltadas
ao financiamento de pesquisas, entre outros fins.
A
fragilização das relações trabalhistas que se concretizou a partir da reforma
trabalhista foi outra ação que atende diretamente aos interesses a elite
burguesa nacional e internacional. Usaram como pretexto à reforma trabalhista o
restabelecimento do emprego. Pouco mais de um ano depois da reforma, o Brasil
vem batendo recorde em fechamento de postos de trabalho. Hoje são quase vinte
milhões de brasileiros sem trabalho ou que vivem de bico para sobreviver.
O que
está em curso agora é a reforma da previdência, cuja justificativa é a mesma da
reforma trabalhista, recuperar a confiança dos investidores para que o país
cresça e promova emprego e renda. O mesmo discurso, não é mesmo? Depois de
concluída a previdência, qual será o argumento para justificar a crise do
emprego que permanecerá? A resposta poderá estar no tamanho do Estado, que
deverá ser reduzido ainda mais. Educação,
Saneamento Básico e o que ainda resta de setores estratégicos como mineração,
energia elétrica, etc, poderão estar nas futuras pautas de negociações com o
grande capital.
Quanto
menor o Estado ou estado mínimo, mais fragilizadas as relações trabalho e
capital. Todo esse desmonte estrutural dará ampla vantagem a União Européia sobre
o MERCOSUL numa possível concretização do plano de integração. O escritor
Uruguaio Eduardo Galeano expôs com
brilhantismo no livro “As Veias Abertas
da América Latina” o resultado de séculos de ocupação colonial nas
Américas. Até hoje o segue que escorreu das veias de milhões de mexicanos,
peruanos, bolivianos, chilenos, paraguaios, argentinos, brasileiros,
venezuelanos, colombianos, entre tantos outros, jamais foram estancados.
Prof.
Jairo Cezar
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