A
BNCC (BASE NACIONAL CURRICULAR COMUM) E OUTRAS DEMANDAS NA ÓTICA DA SECRETÁRIA
DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
No
último caderno suplementar sobre educação distribuído às escolas públicas
estaduais, anexo ao Diário Catarinense, chamou a atenção o teor das respostas da
entrevista concedida pela secretaria estadual de educação à página 5, onde
abordou aspectos da educação pública que merecem ser ressaltados. Por ter exercido função comissionada,
primeiro como coordenadora da Gered em Joinville e hoje secretária da educação,
ocupando a vaga de Eduardo Deschamps, não surpreendeu sua versão funcionalista,
conservadora, mostrando o estreito alinhamento às políticas reformistas em
curso no Brasil e no Estado.
Na
primeira abordagem da secretária, demonstrou forte sincronicidade com o modelo
de comando conservador, atribuído ao governo do estado, de seu secretariado e
dos demais cargos de escalões inferiores. Afirmou ela que: “aprendi a agregar parceiros e a fazer mais com menos”. Penso que é muito difícil fazer milagres
quando centenas de escolas públicas estaduais não têm o mínimo do mínimo para funcionar
de modo satisfatório. É claro que embora muitos estabelecimentos estejam
parcialmente interditados por correr riscos de desabamentos, os demais espaços liberados
e outras centenas distribuídas pelo estado, padecem a falta de estrutura, desde
materiais de expedientes, de limpeza, ferramentas pedagógicas, até laboratórios
de ciência e de informática.
Quando
questionada sobre a educação atual, respondeu que o mundo está em constante transformação com a revolução tecnológica.
Claro que há uma revolução, pois são raros os estudantes desprovidos de
potentes smarts phones de última geração. Entretanto, a escola continua fechada
à modernidade, pois o Estado catarinense é um dos poucos da federação que
restringe o uso dessas tecnologias em classe. Experiências recentes comprovaram
que laboratórios de informática tiveram e ainda tem importante contribuição
para a inserção de estudantes no mundo das tecnologias. Como quase todos os
programas de sucesso na educação pública têm vida curta, os laboratórios de
informática seguiram o mesmo trágico destino, um a um foram sucateados e
desativados.
A
secretária também ressaltou da
importância do estudante ter a oportunidade de acessar as múltiplas teorias
necessárias à sua construção integral, desde a história, matemática, línguas,
etc, porém, sem perder de vista as possibilidades do desenvolvimento das
habilidades e talentos. É verdade que a BNCC e a Reforma do Ensino Médio
tentam inviabilizar ao máximo o conhecimento integral, especialmente para as
escolas públicas, quando procura restringir no currículo disciplinas essenciais:
sociologia, filosofia, educação física. A expectativa de reverter esse fatídico
retrocesso poderia se dar quando da elaboração da próxima proposta curricular
catarinense. A última proposta foi enviada às escolas públicas estaduais em
2014, ainda pouco conhecida dos profissionais da educação do estado. Outra ou
outras deverão ter início a partir de 2019, certamente contemplando um
currículo mais enxuto, funcional, a contento dos interesses do capital.
Uma escola precisa ser mais
atraente, envolvida com as diversas tecnologias, computadores lousas digitais,
relatou a secretaria. É nítido o desconhecimento da
secretária acerca do cotidiano das escolas. Se hoje são escassos mantimentos
básicos como papel higiênico e material de limpeza, lousas digitais, portanto, estão
ano luz de distância de se tornar realidade nas escolas públicas. Olha que a
BNCC e o PNE destacam tais ferramentas digitais, laboratórios, softwares, como
necessárias no aprimoramento das habilidades cognitivas do corpo discente.
Não
há relatos recentes que comprovam haver no estado de Santa Catarina uma única
escola pública estadual que preencha as prerrogativas mínimas recomendadas nas
Metas do PNE. Seria necessário o fomento de milhões de reais para, primeiro, recuperar
a estrutura física de centenas de escolas, para depois, outros tantos milhões para
equipá-las, tornando aptas a um ensino satisfatório. Com a crise econômica em curso e a perspectiva
do governo vir a atrasar o próprio salário dos professores, imaginar o
cumprimento das metas no tempo hábil estabelecido, 2024, é uma possibilidade
muito discreta.
É
uma expressão um tanto subjetiva afirmar que
nem todas as desigualdades sociais serão superadas pela educação. Quais as
desigualdades que não serão superadas? Isso não ficou claro na fala da
secretária. Seria a desigualdade absurda entre os salários pagos aos
profissionais do magistério, comparado a de outros trabalhadores com o mesmo
nível instrucional? Seria a desigualdade
salarial estratosférica entre deputados, senadores, juízes, secretários de
governos e cargos comissionados, aos míseros proventos recebidos pelos da iniciativa
privada, que mesmo trabalhando um ou
dois anos inteiro, tudo o que recebem não cobre a totalidade acumulada por tais
privilegiados em um único mês? Penso que são esses os tipos de desigualdades
que a secretária quis se referir na entrevista, que concordamos com ela,
dificilmente serão superadas pela educação.
Veja só, a própria BNCC tem por finalidade intrínseca
fortalecer as desigualdades quando ataca o princípio de unidade do ensino
básico, excluindo da base o Ensino Médio. A tentativa de suprimir do currículo
disciplinas essenciais: sociologia, filosofia, arte e educação física, e temas diversos
como gênero e sexo, é uma tentativa nada discreta de querer intensificar as
desigualdades sociais, incitando a violência contra mulheres, grupos
minoritários LGBT, etc.
Para
o capital as desigualdades sociais são necessárias para o funcionamento da
correia produtiva. Não há porque garantir educação de qualidade para todos em
níveis de igualdade, pelo fato do saber se constituir um dos instrumentos de
dominação às classes inferiores. Portanto, o direito ao saber pleno ficará
restrito a fração ínfima da sociedade, os que controlam os meios produtivos e os
instrumentos ideológicos do controle do Estado.
Afirmou
a Secretária que a BNCC é o resultado de uma luta do povo brasileiro por
justiça social. Até pode ser verdade que a BNCC tinha esse propósito. Porém,
isso ocorreu quando foi apresentado o texto do CONED, em 2010, no qual atendia
aos preceitos dos profissionais da educação. Quando o movimento Todos pela
Educação assumiu a direção dos trabalhos, o documento original sofreu profundo
desmonte. Agora, afirmar que a terceira
e última versão da BNCC, que foi homologa no CNE, se caracteriza como um
documento avançado, que produzirá justiça social, é sem dúvida uma tremenda
falácia, só convencendo os desatentos que se eximiram de ler o documento nas
entrelinhas. Só o fato de deixar de fora o currículo do Ensino Médio, como texto
a parte, já é entendido como verdadeiro retrocesso, uma afronta aos princípios do
republicanismo.
Assegurar o aprendizado de saberes
essenciais, é garantir o direito fundamental à educação escolar, é gerar mais
equidade e oportunidade. A secretária talvez desconheça
que quando se fala de ensino básico se subtende educação infantil, fundamental
e médio. Nesse sentindo, uma base curricular não pode ser construída aos
pedaços, uma para o fundamental e outra, ainda desconhecida, para o Médio. A
impressão que ficou diante dessa fragmentação curricular é que apenas o ensino
fundamental será assegurado como público, enquanto o ensino médio fará parte de
outra categoria, que poderá compartilhar com setores da iniciativa privada, uma
espécie de PPP (Participação Público Privado).
Quando
a secretária enfatiza sobre a
aprendizagem essencial, daquilo que não pode deixar de ser aprendido, está
se referindo a todo conjunto de saberes essenciais construído pela sociedade.
Nesse caso, não se pode excluir do currículo, aspectos culturais, ambientais, ambos
vinculados ao cotidiano dos estudantes. O que seriam exatamente saberes
essenciais? Não há duvida que são saberes previamente selecionados, recortados
e disseminados sob a forma de livros didáticos, apostilas.
Esses
saberes são complementados com sugestões de roteiro de como trabalhá-los sem
que o profissional tenha que dispor de tempo para pesquisar nos manuais
curriculares. O que se deseja enfim é que escola obtenha bons resultados nas provas
classificatórias do IDEB/ENEM, uma forma um tanto meritocrática para garantir
boas notas, melhorando sua posição no ranque geral. O sistema classificatório é
uma estratégia do MEC para premiar e punir escolas.
A
secretária também ressaltou que o
documento foi amplamente discutido com a sociedade, com milhões de sugestões
enviadas da sociedade e que resultou no texto final. Além da
inserção/exclusão de temas polêmicos e erros primários na primeira versão
apresentada, especialmente no ensino da História, a participação efetiva dos
educadores foi discreta, sendo o texto pensado e modelado por um grupo de
intelectuais cuidadosamente selecionados para criar uma proposta compatível aos
rígidos critérios definidos pelos organismos financiadores.
Era hábito nas conferências municipais e estaduais,
na discussão da base, o debate partir do texto pronto, encaminhado pelo
governo. As proposições importantes elencadas pelos professores, é possível que
não foram acopladas ao documento original como desejavam os educadores. Os
governos tentam se justificar as críticas afirmando que todo desdobramento da
BNCC foi construído sim, democraticamente, tendo e vista a ampla participação
da população via e.mail e conferências. Se um percentual mínimo das proposições
sugeridas fosse realmente acolhido pelos mediadores da base nacional, não resultaria
em um documento tão funcionalista e conservador como se mostra.
Na temática ensino médio, a
secretária discorreu sobre a ampliação de escolas de ensino médio integral,
informando que o MEC vem incentivando os Estados com um fomento, buscando
ampliar jornada de estudo... definindo uma oferta responsável, em que a
infraestrutura seja assegurada para que os jovens sintam a necessidade de
freqüentar os bancos escolares e, posteriormente, aprendam.
Realmente pouca informação tem a secretária acerca do quadro estrutural e
pedagógico de quase todas as escolas espalhadas pelo estado. Muitas delas, como
a EEBA teve parte de suas dependências interditadas pelos órgãos
finscalizadores, onde alegaram haver riscos de desabamento e incêndio. Não
houve uma interdição total do recinto pelo fato de estar sendo aproveitada às
dependências de um teatro, anexo à escola, onde os banheiros e a cozinha são
utilizados.
Em
dias de tempo ruim, chuva ou frio, nos intervalos, os estudantes são forçados a
adentrarem as dependências da escola, se aglomerando nos corredores e demais pavimentos.
Como pensar em escolas de ensino integral se as unidades em funcionamento não
apresentam as mínimas condições para o acolhimento do público estudantil. Um
governo federal atolado em denúncias de crimes, somada a roubalheira
generalizada de milhões de reais dos cofres públicos, mais os frequentes cortes
bilionários de recursos para investimentos públicos, ninguém mais acredita em
falácias vindas do MEC, como fomentos para investimentos em novas escolas.
É
indiscutível que o projeto de criação de uma nova BNCC tem o dedo do capital
internacional, interessado na ampliação do seu voraz desejo de controlar as
riquezas e a força de trabalho. Em âmbito interno, nos estados, os governos intensificam
suas políticas de flexibilização da gestão de setores estratégicos como saúde e
educação. As parcerias público privado por meio das Oss é um exemplo nítido da real
tentativa do seguimento privado em reduzir o tamanho do Estado. Poderosas
fundações como a Itaú, Roberto Marinho, entre outras, tiveram participação
expressiva na formatação tanto da BNCC como do PNE.
Em
âmbito estadual, um dos principais parceiros do governo do estado na condução
dos planos de reformas da educação em curso é a FIESC. E por que será que uma
instituição que representa um dos seguimentos mais conservadores da sociedade
tem interesse em promover mudanças na educação pública catarinense? É claro que
o fator primordial é o mercado de trabalho, força de trabalho descartável e
barata. Não é nada coincidente o fato do empresariado catarinense querer flexibilizar
a matriz curricular do ensino médio, cujo estudante poderá optar por um dos
cinco itinerários propostos, dentre eles a educação profissional.
Quando
se fala de opções de itinerários esta se referindo as cinco trilhas de
aprendizagem oferecidas: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas
tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e
sociais aplicadas e formação técnica e profissional. Aqui está o ponto
nevrálgico da reforma. Centenas de municípios brasileiros possuem apenas uma
escola de ensino médio. Dentre as cinco trilhas disponíveis, deverá a unidade
de ensino optar por uma delas.
Se parcela
considerável dos estudantes das escolas públicas estaduais trabalha no contra
turno, é de supor que, fazendo uma enquete às famílias, é provável que o
itinerário preferido será a formação técnica profissional. Aquele estudante
interessado em cursar outro itinerário, deverá se deslocar para o município que
ofereça o itinerário que deseja. É presumível que milhares de estudantes no
Brasil inteiro terão seus sonhos de ingressarem a universidade, abreviados,
pois serão forçados a matricularem-se no único itinerário oferecido no município,
ensino profissionalizante.
Outra
pergunta importante feita à secretária foi: como as
diretrizes podem se refletir na qualidade do ensino em sala de aula? Respondeu
que os estudantes do século 21 esperam
uma escola e professores aptos para contribuir com o preparo deles para o
futuro. Não é tão simples assim tornar a escola pública um espaço agradável,
confortável, que assegure aos estudantes, nas quatro horas que ali se
permanecem, condições para um aprendizado satisfatório. Se hoje, avaliações do
tipo IDEB e ENEM, o percentual de aprovação nas escolas públicas não é ainda mais
catastrófico, é porque os profissionais que lá trabalham “dão o seu sangue” a
ponto de se estafar as tantas tarefas. E é fácil comprovar tais anomalias.
Basta consultar a lista de profissionais que estão afastados de suas funções
laborais para tratamento de saúde, na maioria dos diagnósticos, são problemas
relacionados ao estresse da sala de aula.
Agora
vamos imaginar como seria a educação pública se 5% das dez competências
propostas pela BNCC fossem hoje executadas nas escolas. Competências como:
criação de tecnologias digitais; a utilização de distintas linguagens;
exercitar a curiosidade intelectual, etc, etc. Competências muito longe de se
tornar realidade até 2024. Seriam necessários volumosos investimentos públicos
para tornar escolas aptas para o cumprimento das dez competências, com
laboratórios de ciências bem equipados; laboratórios de informática,
bibliotecas, etc.
A escola precisa, sobretudo, mostrar-lhes a
importância da autonomia, do entusiasmo e da criatividade no processo de
aprendizagem. Como ter
autonomia se não tem recurso para manutenção do básico, compra de material de
expediente, material de limpeza, etc. Criatividade é o que mais tem,
principalmente para fazer render o parco dinheiro do PDDE. Não havendo outra
fonte, as escolas se lançam as campanhas para angariar fundos como bingos,
festas juninas, parcerias, etc. É esse dinheiro que faz a escola funcionar.
Quanto a
capacitação, a secretária disse que os
professores devem buscar a contínua capacitação, que deve ser também de forma
individual. Todos sabem que a capacitação é condição essencial para o
aprimoramento profissional. Hoje em dia o único meio possível para a
capacitação são os poucos momentos de formação continuada oferecida pelo Estado.
É quase impossível um profissional buscar a capacitação fora da unidade de
ensino, participando de congressos, conferências, seminários, oferecido por
universidades. Além de ter que bancar todo o custo logístico, viagem,
hospedagem, etc, é de sua responsabilidade o custeio do profissional que lhe
substituirá durante os dias de ausência na unidade de ensino onde leciona.
Prof.
Jairo Cezar
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