SANTA CATARINA: TRÊS ANOS DE VIGÊNCIA DO
PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO SEM PERSPECTIVA DE CUMPRIMENTO DAS PRINCIPAIS METAS
Quem
acompanha diariamente os jornais e principais canais de TV do estado de Santa
Catarina e não conhece ou convive com a realidade das escolas públicas
estaduais deve ter ficado encantado, emocionado com tanta propaganda financiada
pelo governo catarinense enaltecendo o “maravilhoso” e “paradisíaco” cenário das
unidades de ensino do estado. São com tais desatenções da sociedade e investimentos milionários em propaganda,
cerca de 50 milhões gastos em 9 meses de governo em 2016, que a atual aliança
política estadual (PMDB, PSD, PSDB, entre outros) vem se revezando no poder há
décadas.
O
que chama atenção é como um governo ou bloco de alianças conseguem se eleger e
reeleger com tantas denúncias comprovando irresponsabilidade e ingerência em
seguimentos estratégicos da sociedade como segurança, saúde e principalmente
educação. Para comprovar tais desleixos noticiados pelos vários canais
noticiosos, basta visitar umas das tantas instituições públicas estaduais,
hospitais, escolas ou transitar por uma rodovia de concessão estadual e irá
perceber o porquê o estrondoso gasto com
publicidade.
Se expressiva
parcela das escolas públicas do estado de Santa Catarina há algum tempo se
encontram na “UTI”, o que dizer da saúde pública, que quase todos os dias o
próprio jornal impresso Diário Catarinense, exibe reportagens de alguma unidade
de saúde em situação de extrema penúria. Somente na edição do dia 30 de agosto
de 2017 foram cerca de duas páginas reportando o quadro lastimável do Hospital
Infantil Joana de Gusmão, de Florianópolis, onde cirurgias efetivas foram
canceladas por falta de material de higiene. Na mesma página são relatadas a
situação também desesperadora de outros quatro hospitais públicos: o Celso
Ramos, também da capital, com 76 leitos fechados; o Regional de São José, com
24 leitos fechados, com falta de servidores e de materiais básicos; a
maternidade Carmela Dutra e o Hospital Nereu Ramos, ambos também de
Florianópolis com déficit de servidores.
É
sabido que em qualquer setor, associação de moradores, cooperativas, sindicatos,
etc, quando há boa gestão dos recursos arrecadados não é necessário muito
esforço para obter o reconhecimento dos
associados e do público em geral. Agora, quando um gestor público se
disponibiliza de um volume exorbitante de recursos para publicidade, 39,9
milhões em 2015 e mais 48,3 milhões no ano seguinte, 2016, alguma coisa de
errado está ocorrendo na administração. A propaganda, geralmente se caracteriza
como estratégia de marketing onde imagens e discursos são forjadas para induzir
as pessoas a acreditarem em algo que não é real.
O
tema educação pública voltou à cena nos últimos meses revelando que das 19
metas do PNE aprovadas em 2014 quase todas estão longe de serem concretizadas.
O plano que foi até mesmo elogiado por entidades internacionais, vem se
degringolando no país frente as
políticas entreguistas do atual governo que reduziu drasticamente investimentos
para o setor. O descumprimento de prerrogativas constitucionais e de
dispositivos do próprio plano educacional coloca o país numa situação delicada,
com tendência de intensificar ainda mais a já brutal desigualdade social e a escancarada “guerra
civil urbana”.
Com
um histórico terrível de divisão de classe, desigualdade social e domínio político
das arcaicas oligarquias, seria ingenuidade acreditar que governos, políticos,
empresários, etc, quisessem aprovar planos educacionais com pretensões de revolucionar
a educação. É claro que quanto mais educado, esclarecido for o povo, menos será
a prevalência de políticos corruptos no poder e a perpetuação de estruturas tradicionais
de governos nos estados e municípios.
Para
corroborar com tais afirmações acima, bastam observar o percentual de metas
efetivadas do plano estadual e municipais de educação do estado catarinense nos
três anos de sua vigência. Das 19 metas
elencadas, 7 apresentam nítidas deficiências, a começar pelo descumprimento do
prazo estabelecido pela legislação em relação a META 1, que trata sobre a universalização
do ensino infantil. O acesso a educação
à população de 15 a 17 anos, que é prerrogativa da META 3, também é de prever
que não cumprirá os prazos. No mesmo
patamar de dificuldades cumprimento dos prazos estão a META 7, sobre a elevação
das notas do IDEB; a META 9, sobre a elevação
da taxa de alfabetização e a redução do analfabetismo estrutural; a META 15,
profissionalização do magistério, licenciatura e formação continuada; a META
17, plano de carreira dos professores e por fim a META 18, sobre a gestão
democrática.
Em
âmbito da rede pública estadual podemos nos ater em primeiro lugar as metas 15, 17 e 18, que tratam especificamente da
formação, carreira e gestão, itens considerados chaves do plano e que já acumularam
acirrados debates e atritos envolvendo sindicato da categoria, SINTE, e
governos. É bem possível que as metas acima mencionadas dificilmente cumprirão
os prazos estabelecidos. Para justificar a inoperância dos governantes,
representantes de entidades como a própria UNDIME (União dos Dirigentes
Municipais) que representa os municípios, traz o argumento de que quando o
plano foi aprovado em 2014, o cenário econômico era melhor que o atual, que os
municípios têm de ajustar o plano a realidade local. Outra alegação é de que
82% dos municípios catarinenses mudaram seus gestores, que por não terem
participado do processo da construção do plano, muitos se recusam a aplicá-lo
ou não tem qualquer conhecimento dos mesmos.
Quanto
à rede pública estadual, o cenário também é pessimista. Mais da metade dos/as
professores/as que atuam na rede pública não são efetivos, o agravante é que milhares
desses estão exercendo disciplinas que não condizem com sua habilitação. Com a
redução do número de aulas por turma, os/as professores/as, no desespero, para não
ter perdas salariais, se sacrificam lecionando em áreas distintas de sua
formação. São professores/as de matemática lecionando filosofia, sociologia;
professores de historia dando aula de artes, ciências, entre outros. .
Outro nó complicado do plano estadual é a META
17 que faz referência ao Plano de Carreira do Magistério. Em 2016 depois de uma
histórica greve do magistério estadual que foi deflagrada no ano anterior, a
assembléia legislativa do estado aprovou o plano de carreira do magistério, que
foi violentamente criticado e combatido pela categoria, especialmente nos
aspectos tabela e piso salarial. O argumento hoje defendido pelo governo é de
que vem cumprindo a lei do piso, que o estado paga acima da média nacional. O
fato é que o argumento do governo relativo ao pagamento do piso não é
verdadeiro. Basta observar a tabela e os contra cheques salariais e perceber
que o governo incorporou a regência de classe no vencimento, dando uma falsa
idéia de ganho salarial. A meta 17 institui
que o salário dos/as professores/as devem ser equiparados aos dos demais
profissionais com escolaridade equivalente até 2020.
Mesmo
com graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado, o salário do/a professor/a
fica bem atrás dos demais profissionais com formação equivalente. Quanto aos planos de carreiras, condições
elementares para a valorização da profissão, de um total de 295 municípios
catarinenses, apenas 79 deles têm planos que atendem a lei federal do piso, lei
n. 11.739/2008.
Quanto
ao sistema de Gestão das Escolas, há décadas que a categoria do magistério vem batalhando
para o rompimento definitivo do ciclo vicioso envolvendo partidos e políticos
oportunistas na indicação dos gestores das escolas. Esse processo, em períodos
eleitorais, mobilizava uma intrincada rede de políticos e profissionais do
magistério nos municípios. Com a definição dos pleitos, cabia aos vereadores ou
deputados, a função de indicar o diretor, que o apoiou, à vaga disponível. Em
2014 o governo do estado encaminhou decreto que instituiu a “gestão democrática”
nas escolas. É importante que se esclareça que decretos não têm o mesmo peso
decisório de uma lei, podendo, qualquer governante, conforme suas conveniências,
lançar outro decreto para suprimi-lo.
Os
critérios de escolha de gestores, conforme estabelecido pelo decreto, não
atendiam as aspirações defendidas pelos/as professores/as. Embora a população
escolar tenha participado do processo, antes da realização do pleito, o plano
de gestão e o candidato deveriam passar pelo grifo de uma comissão criada pelo
próprio governo. Vale a pena listar quantos candidatos sindicalistas tiveram
seus planos deferidos e participado do processo. Segundo a SED (Secretaria
Estadual de Educação) o governo do estado vem preparando lei específica sobre o
tema gestão, porém, ainda continua tramitando na casa civil. Alguém acredita
que a gestão democrática nas escolas públicas do estado um dia virará lei?
Para
concluir as reflexões sobre os motivos dos descumprimentos das metas do Plano
Estadual de Educação e os seus reflexos à superação dos entraves que colocam o
ensino médio catarinense na corda bamba do fracasso, a META 3 versa sobre garantir matrícula para 90% da
população de 15 a 17 ao ensino até 2024. A tendência é de que essa meta
também não seja cumprida, agravando ainda mais o número de evasão e abandono de
estudantes nessa faixa etária. Uma das estratégias do governo do estado é
ampliar o número de escolas em tempo integral, bem como modificar o currículo
conforme a BNCC, que segundo o governo o atual modelo é pouco atrativo.
É
ilusório pensar que mudando a BNCC irá se reverter os problemas das escolas
públicas. A nova proposta da base curricular fala de aulas mais dinâmicas,
interativas, com o emprego de ferramentas que estimulem e atraiam a atenção dos
estudantes. Talvez algumas dezenas das mais de 1000 escolas públicas estaduais
têm os laboratórios de informática e a internet funcionando satisfatoriamente.
Pode se contar no dedo aquelas que possuem laboratório de ciências, sala multi
mídia, biblioteca bem equipada, quadras esportivas em bom estado, etc. Tem
escolas em que professores tiveram que comprar do próprio bolso o data show
para poder desenvolver melhor suas aulas.
O
governo alega que um dos motivos do baixo rendimento do ensino médio é o
limitado número de escolas de tempo integral. Vem prometendo que chegará a pelo
menos 24 novas escolas de tempo integral até 2018. É claro que são somente
promessas, principalmente porque 2018 é ano eleitoral. Em vez de ter gasto
quase cem milhões de reais com publicidade, com intuito de confundir os
contribuintes catarinenses, poderia ter aplicado pequena fração desse montante para
a recuperação de centenas de escolas que
estão aos frangalhos.
Um
exemplo é o prédio da EEBA de Araranguá, parcialmente interditado, que há quase
10 anos vem sofrendo com todo o tipo de problema, de goteira ao risco de
incêndio. Os demais cômodos funcionam parcialmente. Assim sendo, esperamos que
o povo catarinense não repita os mesmos erros do passado no momento de escolher
seus representantes para o legislativo e o executivo estadual. O dinheiro dos
contribuintes, o meu, o nosso dinheiro, deve ser bem aplicado em benefício de
todos e não de uma fração de privilegiados. Se há problemas graves na saúde, segurança, transporte e educação no
estado, não é por culpa exclusiva do cenário econômico nacional, como tentam
reiterar alguns colunistas de jornais em circulação estadual, é sim por má gestão
estadual e dos desvios de prioridades, e
isso pode ser comprovado.
O
SINTE há muito tempo vem denunciando uma série de irregularidades atribuídas
aos gestores estaduais, e que se intensificaram ainda mais na atual gestão, que
resultou até no encaminhamento de Impeachment contra o atual governador. É
claro que não há dinheiro para custear a educação, pois vejamos: o governador
considerou metade dos gastos com aposentados como gastos com educação, que não
é permitido por lei. As cifras gastas chegam a quase 700 milhões de reais. Desde
2011, os governos que se sucederam no estado de Santa Catarina desviaram nada
mais nada menos que 6 bilhões de reais, recurso esse destinado à educação. Esse
problema vem se repetindo desde 2001 quando os governos deixaram de aplicar à
educação aproximadamente 10 bilhões de reais.
As APAE vivem o pesadelo diário da falta de
recursos, onde muitas só conseguem se manter funcionando graças ao engajamento
da comunidade promovendo campanhas de pedágios, bingos e contribuições
espontâneas para custear serviços básicos. Entre 2011 e 2015, as referidas
instituições não receberam 12 milhões de reais na qual tinham direito do
governo do estado. Somente em 2016 foram 2 milhões a menos. E o caos se espalha
pelas demais escolas públicas. Agora o governo vem promovendo nos municípios
catarinenses campanhas de municipalização do ensino. A estratégia do governo é
simples, transferir as escolas de ensino fundamental aos municípios, enquanto
que as estaduais, a intenção é formar parcerias com ONGs ou com a iniciativa
privada. É um processo de entreguismo e privatização progressiva do ensino
público que já vem se sucedendo há algum tempo.
Um
dos principais parceiros do governo catarinense nessa empreitada privatista é a
FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina). Muito dos
encontros, congressos e cursos de formação de gestores, tem a FIESC e demais
organizações como Instituto Airton Senna, Fundação Itaú, entre outras, como
parceiros, financiadores. Um exemplo para elucidar esse processo privatista é o 12° Congresso Educasul, em Florianópolis,
entre os dias 31 a 02 de setembro, que tratará sobre educação e os desafios. O
que chama atenção é o tema e alguns palestrantes, como o que irá promover a
palestra de abertura, o professor Mozart Neves Ramos, diretor do instituto
Ayrton Senna. O mesmo abordará o tema A
Atual Crise do Ensino Médio Brasileiro.
Outras
temáticas agendadas na programação também merecem destaques, são eles: A
Reforma do Ensino Médio: Impactos às Redes Públicas e Privadas e Caminhos Para
a Transformação do Ensino Médio. Um encontro para discorrer temas tão complexos
e necessários como esses, a presença de professores das redes públicas no
encontro deveriam merecer maior divulgação e valores de inscrições mais
acessíveis à realidade salarial dos mesmos. Imagine um professor ter que
desembolsar 370 reais para pagar
inscrição de um encontro que tratará sobre educação. É o cúmulo do absurdo.
Conversando
com um colega professor, o mesmo me informou que o encontro realmente é
exclusivo para gestores de escolas, que suas inscrições foram subsidiadas pelas
instituições das quais representam. Portanto, ficou muito claro o propósito do
congresso, formar e preparar gestores segundo a lógica do capital, do
empresariado, das Organizações Sociais que irão gestar as escolas públicas no
futuro.
Prof.
Jairo Cezar
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