ESCOLAS
PUBLICAS CATARINENSES PERMANECEM REFÉNS AOS MODELOS DE ENSINO E AVALIAÇÃO DO
FINAL DO SÉCULO XIX
Quando
pensamos que a educação poderia a qualquer momento dar um tremendo salto de
qualidade, acompanhando os rápidos fluxos evolutivos nos campos das tecnologias
e do pensamento humano, nos deparamos com ambientes escolares que ainda
respiram ares do final do século XIX, engessados às burocracias, às
metodologias e avaliações já superadas há décadas que caminham contrárias às bibliografias
e legislações em vigor.
É
isso mesmo, na contramão da história. Para referendar tal afirmação foi muito fácil,
bastaram folhear as páginas de tudo o que se escreveu ultimamente sobre
currículos (ensino e avaliação), a última LDB, os planos nacionais, estaduais e
municipais de ensino, as diretrizes curriculares nacionais para a educação
básica, as propostas curriculares, sistemas de letramentos, entre outras fontes
disponíveis, e se verificou que as escolas públicas brasileiras de nível básico
se mantêm de costas para o futuro.
Quem
foi professor/a nas décadas de 1980 e 1990 deve ter vivenciado momentos
extremamente instigantes nos seus ambientes educacionais, quando obras
extraordinárias de pensadores como Paulo Freire, Emília Ferreiro, Danilo
Gandin, Dermeval Saviani, Vigostsky, Gramisc, Piaget, faziam parte do cotidiano
dos debates e das reuniões pedagógicas. Havia escolas que ousavam até desafiar
as rígidas burocracias dos sistemas de ensino, trazendo palestrantes do nível
de Danilo Gandin, intelectual ultra-crítico aos tradicionais modelos
padronizados de ensino e avaliação, centrados em apostilas e livros didáticos.
A
fala do intelectual em certos momentos provocou ansiedade e mal estar a muitos presentes
no recinto, pois, pela primeira vez estavam vivenciando algo inimaginável em
termos de escola, se desfazer de uma histórica bengala pedagógica viciante, (o
livro didático tradicional) e assumir verdadeiramente a função de professor, de
pesquisador e construtor do conhecimento acompanhado dos estudantes. A partir
daquele instante, todos/as estavam às voltas de um grande desafio, ou seja, a
elaboração de programas de ensino focados nos problemas do dia a dia da
sociedade.
A
própria LDB, lei 9394/96 já trazia no seu bojo, dispositivos tratando sobre
estruturas curriculares. Isso facilitou, fazendo com que escola se mobilizasse
para assegurar a socialização dos artigos e parágrafos para todos/as. No
entanto, as resistências às virtuais rupturas do ultrapassando sistema de
ensino partiam dos próprios gestores, cargos ocupados por indicação política,
sem a mínima competência para tal função. Algumas escolas se permitiram em ir um
pouco mais além aos desafios, enfrentaram as garras afiadas do poder
constituído, indicando e mantendo com pulso forte seus gestores eleitos pela
comunidade.
As
pressões, o medo de errar e a falta da “muleta pedagógica”, o livro didático,
fez com que muitos/as professores/as recuassem ao desafio de assumir a escola
pública pela primeira vez, tornando-a pública e não estatal, como vinha se
caracterizando. No entanto, deve servir de exemplo à covardia e o medo de arriscar,
desafiar de muitos/as professores/as, a atuação de uma professora, que não
recuou diante das pressões. Provou,
corajosamente, que sem a prática tradicional do livro didático e das
tradicionais avaliações punitivas, era possível o/a estudante obter excelentes
resultados com a adoção de metodologias transformadoras.
Se
sentindo cada vez mais isolada e sob intensa pressão dos colegas e de um
sistema avaliativo engessado, não teve outra escolha, recuou, retornando ao
tradicionalismo pedagógico, que permaneceu e permanece inalterado até os dias
atuais. O legado deixado pela profissional foi de que o ato ensinar não
estressa, não desgasta e nem consome energias, muito pelo contrario, é
energizador, instigador e rejuvenescedor. Muito diferente dos/as profissionais
que seguem os modelos tradicionais de ensino, onde são raros no segundo ou
terceiro mês de trabalho docente, encontrar alguém que não reclama de estar
cansado, estressado, pedindo a deus uma folga, um feriado, para descansar. Não
é mesmo?
Embora
os governos insistam em querer manter escravizados os professores aos programas
avaliativos padronizados nacionalmente, nos ambientes escolares é possível
criar algumas brechas e desenvolver iniciativas inovadoras que possam tornar o
aprendizado mais produtivo e instigador. Não queremos aqui defender a supressão
imediata de todas as práticas tradicionais até então adotadas na escola. O emprego
de livros e apostilas didáticas, provas, entre outros procedimentos
convencionais permanecerão, porém, com possibilidades de inserção de práticas
inovadoras tanto nos conteúdos como no modo de avaliar.
Exercitar
a prática de projetos individuais e interdisciplinares nas escolas pode ser um
desafio em tanto. De início, não é necessário que cada profissional desenvolva
o seu projeto com os estudantes, embora os planos e currículos nacionais e
estaduais os defendam. Não haveria possibilidade numa escola ainda segmentada
em disciplinas, salas com carteiras enfileiradas e provas. Talvez, num modelo
de ensino integral, haveria mais chance de sucesso.
O
projeto Escola Sustentável pode se constituir num grande desafio para
rompimento do tradicionalismo que perpetua no ensino, servindo até mesmo de
referência para outras escolas públicas. Porém, de início, muitos dos/as
educadores/as não o vê ainda como algo que tem chance de transcender ao modelo
de ensino estabelecido. O fato é que cada professor/a, cada estudante, cada
funcionário/a que atua no educandário deve incorporar o projeto como seu,
acreditando que as ações desenvolvidas modificarão hábitos de comportamentos
individuais e coletivos.
A caminhada
para o sucesso pleno do projeto ainda se mostra distante. Isso porque nos
encontros pedagógicos ainda são reservados parcos minutos para discutir quais
dois anos de ações desenvolvidas relativos aos desperdícios de água e energia
elétrica no educandário. Agora quase quatro horas dedicadas às questões avaliativas,
análises estatísticas e estratégias para aprovação o reprovação dos/as
estudantes, sem mencionar aspectos metodológicos e de conteúdo, reflete em
cheio o modelo arcaico do ensino que ainda impera, e a submissão dos/as
profissionais da educação aos comandos do sistema. Se os/as estudantes
apresentam resultados avaliativos insatisfatórios, as responsabilidades não
podem recair exclusivamente aos próprios estudantes que não conseguem assimilar,
mas as metodologias que são aplicadas, nesse caso, como se vê, a prova escrita
se constitui como principal metodologia.
Durante
a excursão realizada por um grupo de estudante para conhecer algumas das
nascentes do rio Araranguá, ambos/as tiveram a constatação de que o líquido
mais importante para a vida do planeta, á água, que escorre pelo rio até a sua
foz em Ilhas, está contaminada por inúmeros poluentes, dentre eles metais
pesados oriundos do carvão mineral. Atento
a fala de uma professora a mesma reclamou que os estudantes têm dificuldades de
assimilar os temas assinalados de química, que está cansada, estressada,
que não sabe o que faz.
Se habitamos
numa região cortada por um rio extremamente importante, porém poluído por infinitos
processos químicos e orgânicos, bom seria que essa temática fosse inserida no
plano de ensino de química, talvez também física, Linguagens, geografia,
história, matemática, etc. Não é mesmo? Outras temáticas como fontes renováveis
e não renováveis de energia; mudanças climáticas, fenômenos extremos do clima
despertasse mais a atenção dos nossos/as alunos/as que certos temas pouco ou
nada instigadores, até mesmo maçantes, que possivelmente pouca ou nenhuma
importância terá para suas vidas práticas.
Um
exemplo de que é possível revolucionar a educação tornando as aulas agradáveis
e desafiadoras, foi o que aconteceu com um professor de química do Espírito
Santo, único indicado da América Latina para concorrer ao prêmio Global
Teacher, no Canadá em 2017. Desde pequeno teve o gosto despertado para a
pesquisa. Como professor, nas suas aulas procurava sempre trazer elementos que
chamassem a atenção dos estudantes para o ensino da química. Estilos musicais
como funk e hip hop foram utilizados para montar paródias voltadas para
aprender tabela periódica. Mas o que realmente o levou a concorrer o prêmio foi
o projeto intitulado Filtrando as Lágrimas do Rio Doce. A proposta partiu de um
problema que atingiu os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, cortados pelo
Rio Doce. Em 2015 a bacia hidrográfica foi afetada por rejeitos de ferro
advindos do rompimento da barragem da Samarco, no município de Mariana, MG.
Junto
com os estudantes da escola onde trabalhava, recolheu amostras da água do rio
contaminado, analisou-a no laboratório da escola, identificando os principais
metais pesados contidos e seus efeitos na saúde e nos ecossistemas. Partindo
dessa realidade preocupante, participou junto com os estudantes da confecção de
filtros à base de areia para distribuir aos moradores da cidade de Regência,
diretamente afetada pelos rejeitos contaminantes.
É
exatamente esse tipo de proposta de ensino que os atuais planos educacionais e
propostas curriculares defendem. Por que não aplicá-los a partir das realidades
de cada estado, município? É claro que sua aplicação requer elevado grau de
conhecimento tanto dos conteúdos propostos como das múltiplas inteligências requeridas,
ou seja, as inúmeras capacidades possíveis para aprender. A prova, contudo, é
uma dessas inteligências, existindo outras dezenas de possibilidades disponíveis,
a música, as gincanas, a pesquisa, as viagens, as feiras, etc.
Revisitando
algumas páginas da Proposta Curricular de Santa Catarina, publicada em 1998, o
professor Paulo Hentz, que coordenou o processo de construção do documento, fez
a seguinte observação sobre conhecimento, redigida no capitulo que trata sobre
eixos norteadores da Proposta. Disse ele
que “trabalhar
com o conhecimento numa perspectiva universal significa saber lidar com a
realidade proximal dos alunos, provocando o diálogo dessa realidade com
conhecimentos que a expliquem, mas explique ao mesmo tempo o mundo”.
Já
se passaram quase vinte da vigência dessa respectiva proposta, sendo que outra,
“mais adaptada a atual realidade”, foi elaborada e sancionada em 2014, sem que concepções
como construtivismo, sociointercionismo, entre tantos “ismos” presentes no
documento anterior, jamais fosse plenamente efetivado. Se folhearmos as dezenas
de páginas dos PPP (Projetos Políticos Pedagógicos) das escolas públicas
estaduais catarinenses lá estarão tais pressupostos metodológicos, onde são
sempre discutido todo o início de ano letivo.
Na
atual proposta curricular aparece nas quase 200 páginas do documento o conceito
educação integral. A idéia, aparentemente, seria construir uma proposta que
proporcionasse a conexão entre as diferentes áreas do saber agora divididas em
linguagens, ciências humanas e ciências naturais e matemática. A proposta atual,
portanto, preservou parte dos conceitos teóricos e filosóficos da anterior. Intelectuais
como Vigostky, Davidov, Leontiev, Lúria e tantos outros de vertentes marxistas
são citados outra vez no documento para justificar os vários conceitos
apresentados para dar sentido de uma educação revolucionária.
O
fato é que muitos/as professores/as não conseguiram nos vinte anos da vigência
da primeira proposta, assimilar o que realmente propunham tais pensadores, como
zonas de inteligências proximais, reais... A confusão se tornava generalizada
quando professores/as empolgados/as, depois de terem participado de reuniões
pedagógicas ou cursos de formação continuada sobre ensino e avaliação, numa
concepção, sócio interacionista, retornando ao chão da escola tinham que voltar
a rotina das apostilas e cartilhas didáticas, das provas ou “testes avaliativos”
semanais e bimestrais.
É fato, sim, consciente ou inconscientemente,
muitos educadores permaneciam e permanecem reféns à arrogância histórica do
individualismo, do medo de admitir que pouco sabe, de que estão dispostos a
aprender a aprender com os demais colegas. Esse tipo de comportamento compromete
o processo pedagógico num todo, pois são gritantes os equívocos conceituais cometidos
durante a execução de certas atividades curriculares. Responsabilizar exclusivamente os professores
por tais infortúnios epistemológicos é o que realmente pretendem os
governantes.
Fortalecer
a baixa estima, o sentimento de culpa pelo fracasso escolar, são estratégias dos
governos e de todo o seu aparato, para desviar a atenção da sociedade sobre os
reais problemas que afetam a má qualidade da educação. É isso mesmo, desviar a atenção. É quase
impossível querer um ensino integral, transformador, de qualidade, em escolas
sucateadas, que não possuem salas de tecnologias, bibliotecas bem equipadas,
laboratórios, ginásios de esportes, nem mesmo dinheiro para comprar papel
higiênico e materiais de limpeza. Muitas das unidades de ensino, além de enfrentar
tais carências estruturais, funcionam precariamente, porque vários se
apresentam interditados pela justiça devido aos riscos de desabamento.
Hoje em dia quase todas as poucas reuniões
pedagógicas realizadas nas escolas públicas estaduais, todo o período, exceto
em alguns casos devido a pressão do corpo docente, são utilizados para discutir
temas burocráticos ou administrativos, resultados estatísticos de avaliações,
reclamações, indisciplinas dos estudantes, lavações de roupas sujas, etc., etc.
Raramente são abordadas questões como tipos de conteúdos ensinados e
metodologias adotadas, menos ainda proposições de projetos científicos.
O
que interessa mesmo são números, percentuais, aprovações e reprovações. É isso
mesmo que os governos querem, números, percentuais, porque o resto, o resto é
balela, é discurso de esquerdista de quem insiste em atrapalhar, de quem é
contra o Brasil, contra progresso... Não é assim mesmo que acontece? Agora,
o que está sendo ensinado e sua implicância na vida dos estudantes e da
sociedade, isso não interessa. Afinal, qual é o papel verdadeiro da Escola
pública? A quem ela pertence, e que tipo de sujeito está ela formando ou
construindo atualmente?
Prof.
Jairo Cezar
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