ENTENDA
O QUE FOI ABORDADO DURANTE AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE SEGURANÇA NAS ESCOLAS - REALIZADA EM 29/06/2023 NA UNESC/CRICIÚMA
FOTO - JAIRO |
Desde
o massacre ocorrido em uma creche no município de Blumenau há cerca de três meses
jamais na história recente do estado catarinense se debateu tanto educação e
segurança nas escolas. O que mais se cogitou principalmente nas câmaras de
vereadores como proposições para combater possíveis tragédias foi elevar a
altura do muro das escolas, bem como contratar guardas armados para fazer o
policiamento das mesmas. Lembro que quando iniciei minhas atividades de docente
na década de 1980 pouco se falava sobre violência na escola e, sobretudo, a
construção de muros ou intensificar o policiamento no entorno dos educandários.
Isso
não significa que não tivesse violência ou outros problemas concernentes à
educação, claro que havia, porém, não na proporção que vivemos hoje. O tempo
passava e as escolas paulatinamente se tornavam mais fechadas, muitas das quais
virando verdadeiras fortalezas semelhantes a prisões de segurança máxima. Com tantas
barreiras físicas e policiamento ostensivo, ambas não foram suficientes para
conter a violência, o tráfico e consumo de drogas, o bowling, a homofobia, a
misoginia, entre outras encrencas que só aumentaram com o tempo.
Nos
grandes debates, seminários e congressos sobre educação ocorridos nas décadas
finais do século XX muito se discutia a necessidade de rupturas do modelo de
escola reprodutivista que se consolidou ao longo do tempo. Propostas
curriculares inovadoras foram construídas durante esse tempo, fundamentadas em teóricos
revolucionários como Piaget, Vigotsky, Paulo Freire. Entretanto, com o tempo,
com a sucessão de governos conservadores esses calhamaços de idéias inovadoras
foram deixados de lado.
Nos
planos estavam bem claras as estratégias para fazer com que a escola viesse a
se tornar protagonista do seu importante papel de espaço de acolhimento das
diversidades e contradições da sociedade. Entretanto, para a concretização dessas
estratégias era imprescindível mudar as formas de administrar o estado convergindo
para outro modelo de sociedade, diferente do que temos hoje. Grandes
Investimentos em construções de escolas, aquisição de equipamentos pedagógicos
e a estruturação da carreira docente, deveriam ser pontas para essa
transformação.
Nada disso ocorreu. Hoje temos escolas caindo aos pedaços, com estruturas pedagógicas aos frangalhos. É nesse ambiente mórbido, nada acolhedor, que passa a maior parte do tempo nossas crianças, adolescentes e os profissionais da educação, que exercem papeis de docentes, psicólogos, assistentes sociais, entre outras funções extras. Sempre afirmávamos na época que o ambiente escolar era um catalisador das tensões recorrentes do lado de fora dos seus muros.
O quadro de tensão e violência atingindo não somente escolas públicas como também às particulares, onde estuda os filhos das elites, fez com que essas mesmas elites saíssem de suas zonas de conforto querendo soluções. Frente ao exposto, a ALESC, sentindo-se coagida, decidiu promover debates em todo o estado através de audiências públicas. Penso ser procedente a realização desses encontros, porém, penso também existir certa hipocrisia em eventos desse gênero, pelo fato de todos terem consciência que os maiores responsáveis por quase tudo de anormal que ocorre na sociedade são os governos, participantes ou representados em audiências como essa. Incrível que a maioria das chacinas ou de tentativas delas em escolas foram e são protagonizados por ex-estudantes, que sofreram algum tipo de preconceito ou bowling.
Outro
aspecto importante, nos países onde há grandes investimentos em educação,
cultura e desportos, os casos de violência, criminalidade e consumo de drogas
são quase imperceptíveis. Na audiência do dia 29 de junho, na UNESC, em Criciúma,
quando estiveram reunidas mais de uma dezena de entidades, autoridades e a
população sul catarinense, para debater e buscar soluções aos problemas que
assolam o espaço escolar ficou explicito nas falas dos participantes que o
problema maior está do lado de fora dos muros das escolas.
A
abertura do evento foi realizada pelo deputado Mauro de Nadal, um dos membros
dessa comissão, junto com a deputada Luciane Carminatti. Relatou o deputado que
a necessidade de tratar do tema violência nas escolas aconteceu a partir dos
trágicos acontecimentos ocorridos nos municípios catarinenses de Saudades e
Blumenau, onde crianças de escolas foram assassinadas por ação de pessoas que
adentraram no seu interior, munidos de armas. Devido a grande repercussão desses
dois episódios trágicos, a Assembléia Legislativa se sentiu no dever de
mobilizar a sociedade promovendo seis audiências públicas no estado. Após ouvir
a sociedade, as proposições encaminhadas serão analisadas, que se transformarão
em projetos de lei que tramitarão na ALESC onde irão virar leis.
A
fala do Promotor de Justiça da infância, do município de Criciúma, gerou certa
comoção aos presentes. Disse que é costume de sua parte visitar as escolas e
promover palestras para professores e estudantes. Entretanto, ressaltou que a
saúde dos professores lhe preocupa muito, que ambos estão nos limites de suas
forças devido à elevada carga de trabalho e de problemas enfrentados
diariamente em seus espaços laborais. Confessou que após ter proferido
palestras em uma escola um professor lhe procurou para conversar. Pensou que o
assunto a ser tratado com docente seria sobre aspecto jurídico em relação à
carreira docente. Nada disso, o que o professor queria mesmo era se desabafar.
Foram
raros os participantes que fizeram alguma intervenção e não citaram a expressão
“saúde mental” dos professores e estudantes. A representante dos profissionais
de psicologia, regional sul, falou que após os ataques as escolas, a área da
psicologia recebeu orientações para adotar diretrizes sobre questões de
violência nas escolas. Ressaltou que em 2019 foi aprovada lei federal para
prestação de serviços nas redes públicas de ensino.[1]
Entretanto, embora a lei exista, a psicologia e a assistência social não
chegaram ainda nesses espaços. Afirmou que esses profissionais, o psicólogo,
por exemplo, nas escolas, não atuarão com atividades clinicas, mas na
elaboração participativa de projetos envolvendo alunos, professores, equipes
técnicas, famílias e a sociedade escolar.
A
deputada Carminatti revelou que quando ocorreu a chacina na creche de Blumenau
câmaras de vereadores no estado entraram em ebulição, tendo vereadores sugerindo
em plenária a construção de muros com até 30 metros de altura. São proposições
completamente insanas vinda de políticos que talvez desconheçam a realidades
das escolas públicas catarinenses. Deixou bem claro a deputada que 90% dos
atentados ocorridos em escolas, especialmente nos EUA, os autores foram
ex-estudantes que sofreram algum tipo de bowling na escola. Em SC, milhares de
professores lecionam 40, 60 horas semanais, muito tem os seus contratos
encerrados em novembro, por serem ACT.
É impossível esse docente com carga horária extenuante semanalmente com até 1000 ou mais estudantes, manter vínculos com a escola e a comunidade. Não há como desenvolver projetos devido à transitoriedade dos profissionais durante o ano letivo. Revelou também a deputada que muitos projetos planejados sobre racismo, homofobia, misoginia, etc, professores sofrem resistência principalmente do corpo gestor. Além do mais falta na escola suporte pedagógico e psicológico.
Incrível
que quase todas as intervenções, as opiniões seguiam o mesmo raciocínio, ou
seja, que as causas do aumento da violência nas escolas, têm relação indireta às
negligências do Estado no cumprimento de políticas públicas. Uma delas é tornar
realidade a lei federal n. 13.935/2019, que designa a obrigatoriedade dos
estados e municípios a contratarem profissionais de psicologia e assistente
social para atuarem em escolas públicas. O fato
é que o esgotamento físico em mental dos docentes não os permite interagir com
adolescentes que sofrem de disfunções psicológicas adquiridas no seu convívio
social e doméstico. Como professores podem interagir com crianças e
adolescentes que não tiveram limite em suas casas, o que é pior é que muitos
nem casa têm muito menos pais e mãe?
A
fala de um cidadão que revelou ter parente professor foi bem contundente. Disse
que os atentados ou aqueles que foram tentados sem sucesso nas escolas são atos
importados dos EUA. São crianças ou adolescentes que apresentavam algum
problema de ordem psicológica, que se organizam a partir da internet, adotando comportamentos
de seitas. É tão asqueroso o que vem acontecendo, que o assassino da creche em Blumenau
possuía inúmeros fãs em sua página no twiter.
Nos
momentos finais da audiência outro professor de uma das redes públicas
municipais da AMREC fez a sua explanação deixando muita gente na mesa e no
auditório em situação desconfortável. Desabafou afirmando que era ousadia da
ALESC e do governo do estado tratar desse tema e outros ligados à educação se o
básico do básico nesse segmento os governos não vem fazendo. Confessou que são
poucos os municípios catarinenses, bem como o governo do estado que vem
cumprindo com a lei do piso do magistério, cuja função é valorizar o
magistério.
Realçou
também que durante a pandemia foi vivido cenário de guerra nas escolas para que
os estudantes pudessem acompanhar os estudos. Que no período pós- pandemia crianças
vem apresentando problemas emocionais graves. Disse que há casos de estudantes
que estão no sexto ano do ensino fundamental ainda não alfabetizados. Durante a
pandemia, escolas e professores tiraram dinheiro do próprio bolso para garantir
o funcionamento de internet.
Algo que
chamou a atenção na audiência pública foi à ausência de representantes das
redes municipais de ensino da região da AMESC. Não compareceu também nenhum
representante da gerência regional de educação, responsável pela gestão das
escolas estaduais dos 16 municípios do extremo sul. A pergunta é, por que não
compareceram? Será porque não depositaram confiança nessa comissão da ALESC,
acreditando que as proposições encaminhadas não mudarão o cenário de violência
e tensões nas escolas?
Prof.
Jairo Cesa
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