O QUE DEVE SER COMPREENDIDO SOBRE AS REPETIDAS
TRAGÉIDAS CLIMÁTICAS QUE ASSOLAM O TERRITÓRIO CATARINENSE
https://www.nsctotal.com.br/noticias/correnteza-arrasta-bois-em-sao-joao-batista-veja-video
Nos
últimos anos devo ter escrito vários textos relatando impactos climáticos
extremos no estado de Santa Catarina.[1]
Estiagens prolongadas, ciclones bombas, ventos violentos, temporais com
granizos, tornados, enxurradas, são alguns desses fenômenos do tempo que
passaram a fazer parte do cotidiano de muitas regiões do estado. As chuvas
torrenciais nas encostas da Serra Geral no Timbé do Sul em 1995 que gerou uma
avalanche até então sem registros nos relatórios das defesas civis; a tragédia
do Morro do Baú, na região de Blumenau onde dezenas de pessoas morreram
soterradas, são dois exemplos de episódios que comprovam que o estado está sofrendo
mais intensamente os efeitos das mudanças climáticas.
Se
observarmos as regiões mais atingidas por enxurradas e deslizamentos de
encostas, no radar sempre aparece a faixa litorânea do estado, uma das mais
antropisadas em comparação aos 17 estados que integram o bioma da mata
atlântica. Toda a extensão leste do estado é formada por cadeia de montanhas
contendo aproximadamente mil metros de altura e coberta por uma “espessa
floresta” denominada mata atlântica. Geograficamente toda essa região é
influenciada direta e indiretamente pelo oceano atlântico, cujos ventos vindos
do leste empurram toneladas de umidade em direção ao paredão rochoso resultando
em chuvas, principalmente no verão.
A
presença de florestas também serve como amortecedor das chuvas, permitindo que
a água seja absorvida pelo solo recarregando os aquíferos. O fato é que todos
os anos relatórios são apresentados mostrando crescimento da supressão da
floresta atlântica em toda a faixa costeira brasileira, sendo o estado catarinense
sempre aparecendo como um dos que mais desmatou. O que espanta é que os últimos episódios
extremos do clima, como as enxurradas em Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e
Santa Catarina ocorreram exatamente nos estados ou cidades que mais tiveram perdas
de cobertura de florestal.
O
que impressiona ouvindo comentários de integrantes do poder público até mesmo
da defesa civil, acerca das tragédias, é que Santa Catarina faz parte de um
corredor propicio a ocorrência de desastres naturais. Então, se há essa certeza
de ocorrência, cabe então as autoridades competentes planejar o estado para
minimizar ao máximo os seus impactos. Não é exatamente o que vem ocorrendo. A
pressão imobiliária e do agronegócio a cada ano vem reduzindo freneticamente o
complexo bioma da mata atlântica, entre outros.
Organizações
internacionais vinculadas ao clima global recomendam que as cidades costeiras
como a grande Florianópolis adotem políticas de resiliência às agressões do
clima. Criar regras quanto às áreas a serem ocupadas sob riscos de ações
climáticas extremas são uma dessas recomendações. Além do mais os códigos
ambientais dos municípios mais suscetíveis a desastres devem ter em seus
arcabouços, ações que empoderem a sociedade em atuarem sobre o espaço
geográfico sem agredi-lo. Infelizmente as autoridades insistem em transferir as
responsabilidades pelos transtornos provocados pelas chuvas no estado à própria
natureza, afirmando que temos que conviver com isso.
Isso
é muito cômodo dizer que precisamos conviver com algo que poderia gerar o
mínimo de transtorno se legislações relacionadas ao tema fossem seguida a risca
pelas autoridades. Refiro-me aqui ao Código Ambiental Catarinense, que passou
por uma profunda revisão em 2021, no qual o texto final aprovado tornou regras
ambientais mais flexíveis. O código garante agora mais proteção aos infratores
ambientais. Um exemplo é o dispositivo que foi incluído no código que desautoriza
a Polícia Militar Ambiental de lavrar multas aos infratores. Sua atribuição
agora é fazer fiscalizações e notificações e encaminhar ao IMA (Instituto do
Meio Ambiente do Estado). Todos sabem o modo como o IMA, ex - FATMA tem se
comportando no processo de fiscalização e penalização dos infratores
ambientais. Outro detalhe importante, o posto principal do IMA, o de
presidente, é indicado pelo próprio governador.
Mais
um item polêmico contido no código é a que trata da flexibilização de regras
para elaboração de licenciamentos ambientais para obras de infraestruturas e
empreendimentos. O próprio interessado pode “autodeclarar” contratando
profissionais para a confecção da licença e posterior encaminhamento ao órgão
fiscalizador, nesse caso o IMA, cuja presidência é por indicação política, ou
seja, o governo do estado é quem indica para o cargo. Embora eu tenha
participado de uma das audiências da revisão do código, ocorrida no município
de Içara, que resultou em um texto postado em meu blog, recomendo que acesse ao
site indicado abaixo, da ONG APREVAVI. Lá você encontrará um texto escrito pelo
coordenador da RMA (Rede de Ongs da Mata Atlântica). O documento é bem
esclarecedor, onde explica como se processou toda a manobra articulada pela
Assembleia Legislativa do estado para a revisão relâmpago do código ambiental
de Santa Catarina.[2]
Só para elucidar a opinião absurda dita por um deputado que atuou na comissão
de revisão do código ambiental e favorável a tudo que foi ali exposto. Disse
ele: “caso prevalecesse no estado à lei da Mata Atlântica, Santa Catarina
viraria uma grande APP.
O
que é fato é a não existência de qualquer perspectiva acalentadora de estabilização
do cenário climático extremo decorrente no estado. A eleição de um governador, filiado
ao PL e que como senador seguia a risca a carta de desmonte do Estado brasileiro
pelo presidente Bolsonaro, não é agora como chefe do executivo catarinense que irá
se converterá num bom mocinho, defensor das causas humanitárias e ambientais. Certamente
serão quatro anos nada auspiciosos ao meio ambiente catarinense, que terá
inicio no próximo dia 01 de janeiro de 2023. Repetindo o que já foi dito
anteriormente, o estado catarinense tendo passado por tantas experiências desastrosas
ambientalmente e com custos milionários para recuperação não existe qualquer
proposta que possam atacar as causas do problema, frutos de um modelo de
desenvolvimento arcaico, totalmente insustentável.
Por
que busco afirmar que serão anos difíceis para a área ambiental no estado.
Sabemos que uma das garantias para minimizar o drama climático no estado é
fortalecer ainda mais os segmentos de fiscalização e combate de crimes
ambientais em especial os desmatamentos correntes no bioma da Mata Atlântica. Um estado que sofre há anos tantas anomalias
climáticas, era previsível que no instante que fosse realizado qualquer revisão
do código ambiental do estado, fosse incluído mais dispositivos de proteção às
florestas. A retirada do poder de autuação e multa da polícia militar ambiental
contra criminosos ambientais é o mesmo que abrir a porteira para a impunidade.
O
modo como a Assembleia Legislativa do estado ficou delineada a partir do pleito
de outubro de 2021 sendo eleito apenas um único parlamentar para defender
pautas exclusivamente de caráter ambiental, já mostra um cenário nebuloso para
o estado no quesito meio ambiente. Se o quadro ambiental do estado se mostrava
desalentador nas condições atuais, é de se imaginar que tenderá a piorar com o
governo eleito, que prometeu quando ainda era candidato, indicar para a pasta
da Secretaria da Agricultura um representante do agronegócio catarinense. Dito
e feito, o nome escolhido foi o ex-deputado federal Valdir Colatto.
Na eleição de 2018, Colatto foi derrotado nas
urnas. Entretanto, o presidente Bolsonaro presenteou lhe dando o cargo de
coordenador do Serviço Brasileiro de Florestas, órgão responsável pela
fiscalização e preservação das florestas brasileiras. Imaginem um defensor do
agronegócio para proteger as florestas!! Foi como colocar uma raposa para cuidar
do galinheiro. Agora estará à frente de uma pasta que certamente dedicará todo
o seu tempo para fragilizar ainda mais regras ambientais para favorecer os seus
pares diretos. Ou será que estou equivocado?
Vendo
as imagens das tragédias que se abateram em muitas cidades catarinenses nesse
final de novembro e começo de dezembro, provocadas por chuvas torrenciais, os
impactos foram maiores naquelas cidades cortadas por rios importantes. O
município de Santo Amaro da Imperatriz, na grande Florianópolis, é um exemplo
disso. A cidade é atravessada pelo Rio Itapocu, cujas margens, APPs, estavam totalmente
ocupadas por residências e até mesmo rodovias importantes como a Br.282. O que
o rio fez foi simplesmente tomar o que era seu antes. O caso de Santo Amaro é
bem semelhante ao fenômeno ocorrido em Timbé do Sul em dezembro de 1995. Chuvas
volumosas se abateram sobre o topo dos aparados da serra, trazendo abaixo milhões
de metros cúbicos de água e milhares de troncos de árvores. No caminho, devido a
força da correnteza, tomou tudo que havia sobre as margens do rio, matando
dezenas de pessoas.
O
código florestal aprovado em 2012 estabeleceu regras claras quanto as APPs
urbanas e rurais. Acontece que em 2022 um projeto de lei de autoria do
ex-senador e agora governador Jorginho Mello, fragilizou ainda mais o já
fragilizado código florestal. O projeto que virou lei dá autonomia para os
municípios decidirem sobre as APPs urbanas.
Ou seja, cada município localizado na mesma bacia hidrográfica poderá
ter regras distintas sobre os limites de ocupação das margens dos rios, lagos,
lagoas, etc. Essa confusão normativa poderá agravar ainda mais o quadro de
destruição provocado pelas enxurradas no estado, que tenderá a se tornar regra
e não exceção ao estado catarinense. O que já se esperava era o silêncio da
imprensa e das autoridades em não tocar na ferida do problema, cujo futuro
governador e muito dos/as parlamentares eleitos/as e reeleitos/as são cúmplices.
Tragédia
climática previsível como essa que se abateu no estado nos últimos dias
provocando prejuízos milionários e impactos à vida de milhares de pessoas, o
que se imaginava era que houvesse uma forte mobilização do governo federal
prestando todo o apoio ao povo catarinense. Essa expectativa era grande por ser
o estado o mais bolsonarista entre os 27 que compõem a federação brasileira.
Nem mesmo uma mensagem de conforto às famílias atingidas se prestou em enviar.
Também não teria o presidente, moral alguma para tal ação humanitária, por ser
cúmplice indireto às intempéries que assolam o cenário brasileiro, em
particular, ao estado catarinense.
Sendo
assim na ausência do presidente, a incumbência ficaria para os empresários,
patriotas, os mesmo que gastaram milhões de reais patrocinando os bloqueios em
vários trechos das rodovias do estado, pedindo intervenção militar. Estão bem
quietinhos, não é mesmo? Muitos estão se lixando com a penúria dos
desabrigados. Estão mesmo preocupados é em tentar inviabilizar a todo custo à
posse do futuro presidente eleito. Os bolsonaristas que ainda se mantém
postados em frente aos quartéis acreditando no retorno do “messias”, do “mito”,
ao posto de presidente da república, poderiam aproveitar esse ócio improdutivo
e prestar apoio voluntário às famílias que perderam tudo nas enxurradas. Mas
não o farão, pois essas ações não fazem parte de suas índoles horrendas
golpistas, que se nutrem da dor alheia.
Prof.
Jairo Cesa
https://ruralometro2022.reporterbrasil.org.br/
https://apremavi.org.br/wp-content/uploads/2021/12/nota-aprovacao-codigo-amiental-sc-2021.pdf
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