PROJETO
DE LEI PADRE JÚLIO LANCELOTTI QUE ACABA COM ARQUITETURAS HOSTIS É APROVADO NO
CONGRESSO NACIONAL
Vem
se tornando cada vez mais frequente nos últimos anos o aumento do número de
pedintes e moradores de ruas em centenas de cidades brasileiras, até mesmo em
municípios pequenas do interior. Nos
jardins, embaixo de marquises de prédios, viadutos, pontes, etc, sempre é
possível ver pessoas e famílias inteiras cobertas por panos dormindo à noite ou
mesmo de dia. O fato é que o aumento da
miséria não é uma realidade exclusiva do Brasil, se agravou também na maioria
dos países da América Latina e demais continente em maior e menor proporção.
São
realidades que tem como causas geradoras o próprio modelo econômico alimentado
da exploração do trabalho alheio em benefício de poucos privilegiados. As
desigualdades sociais, a fome e a miséria extrema sempre foram realidades no
Brasil desde a sua ocupação em 1500. Acontece que cinco séculos depois, início
do segundo milênio, o quadro de desigualdade, de pessoas que não tem o que
comer cresceu exponencialmente, com algumas oscilações para baixo em raros
momentos históricos.
Em
2014, por exemplo, foi um desses momentos onde houve um decréscimo de pessoas vivendo
abaixo da linha da pobreza em comparação com anos anteriores. De 13 a 14
milhões de pessoas vivendo nessas condições o volume foi reduzido para 8 ou 9
milhões graças às políticas sociais e ligeira melhoria no sistema produtivo. A partir dessa data em diante o país passou a
mergulhar em um processo econômico recessivo, reflexo das crises no sistema
financeiro global e alguns equívocos políticos cometidos na condução do Estado
brasileiro.
A
concretização do golpe político que retirou Dilma Rousseff do comando da
presidência foi o round vitorioso da ultradireita brasileira e dos financistas
globais. A fragilização de todas as políticas sociais a partir das reformas
executadas como a trabalhista e a previdenciária garantiu as elites nacionais
maiores rendimentos e concentrações de renda. É óbvio que todo instante que há
grande concentração de riquezas nas mãos de alguns, muita gente tende a ficar
com pouco ou quase nada dessa fatia.
A
ascensão no poder de um ultrarreacionário em janeiro de 2019 ajudou a agravar
ainda mais o quadro de desalento econômico e social de milhões de brasileiros.
Dos 9 milhões vivendo em condições subumanas em 2014, o número passou a subir
rapidamente chegando ao seu ápice em 2020 e 2021 com 14 ou 15 milhões de
pessoas nessas condições. A pandemia do COVID 19 claro que fez agravar ainda
mais a situação, levando milhões de trabalhadores a perderam seus empregos e
tendo que sobreviver na informalidade, fazendo bicos. Nessas condições muitos
tiveram que morar embaixo dos viadutos e pontes por não poder pagar aluguel.
Foi
o que ocorreu na cidade de São Paulo e outras tantas capitais que tiveram
aumentos espantosos de pessoas vivendo nas ruas nos últimos quatro anos. Diante
dessa realidade triste, muitas entidades assistenciais a exemplo de uma
comandada pelo padre Júlio Lancelotti da arquidiocese de são Paulo passaram a
atuar diariamente para prestar assistência a essas pessoas marginalizadas.
Acontece
que a intolerância e a insensibilidade de certas pessoas até mesmo gestores
públicos superaram os limites inimagináveis do comportamento humano. Em 2021
pessoas ligadas a prefeitura da cidade de São Paulo autorizou funcionários do
órgão urbanístico a depositarem pedras de bico embaixo de viadutos onde dezenas
de pessoas utilizavam como abrigos para passar à noite ou até mesmo como
residência provisória. Reagindo a tal insanidade, o padre Lancelotti e sua
equipe, tomaram uma atitude inesperada cuja cena viralizou nas redes sociais produzindo
indignação e revolta a milhares de pessoas diante do ato praticado pela
prefeitura. Munido de uma picareta o padre foi ao local onde estavam as pedras
e começou a destruí-las.
Diante
do acontecido, rapidamente o prefeito solicitou que funcionários fossem ao
local e retirassem as pedras. Alegou o chefe do executivo que não havia
autorizado a instalação daqueles obstáculos hostis, que a decisão havia sido
tomada de forma isolada por um funcionário e que teria sido demitido pelo ato
cometido. O fato é que existe sim pressão de seguimentos econômicos principalmente
do imobiliário em querer limpar a cidade, higienizá-la, torná-la atraente, com
o propósito de valorizar os imóveis. Tirar essas pessoas desses locais faz
parte de uma política higienista, que era comum entre os governos neofascistas.
O que os motivavam a tais aberrações era o desejo de promover a pureza étnica,
a eliminação do diferente, daqueles que pudessem “contaminar a genética ariana”.
Na
tentativa de frear tais insanidades contra autoridades que em vez de acolher excluem
os necessitados, o senador Fabiano Contarato, do PT do ES, elaborou projeto de
lei de n. 488 de 2021 visando impedir que as prefeituras criassem arquiteturas
hostis nos espaços públicos, como calçadas, pontes, viadutos, etc. O projeto de
lei alterou dispositivos da lei n. 10.257/2001, sobre o Estatuto das Cidades.
Com a alteração do estatuto a nova redação da lei ficou assim descrita quanto
aos espaços públicos: “promoção do conforto, abrigo, bem-estar e a
acessibilidade na fruição de espaços livres de uso público, seu mobiliário e
suas interfaces com espaço de uso privado”.
Com
poucos votos contrários, a câmara dos deputados e o senado aprovaram o projeto
de lei, que seguiu posteriormente para sanção presidencial. Como já era
esperado, o presidente da republico vetou o projeto na sua totalidade alegando
inconstitucionalidade. Para o presidente o projeto poderia trazer insegurança
jurídica pelo fato de serem as câmaras de vereadores os órgãos responsáveis por
tais decisões. Com o veto do presidente, as duas casas teriam que derrubá-lo,
para que assim fosse sancionado e transformado em lei. A vitória do senador
Contarato e do padre Júlio Lancelotti veio no dia 16/12/2022, quando 354
deputados e 60 senadores votaram pela derrubada do veto do presidente.
Tendo
agora uma lei geral sobre o tema cabe os municípios brasileiros ajustar os
planos diretores e criar leis próprias para evitar as chamadas arquiteturas
hostis. O município que saiu na frente nessa iniciativa foi Alfenas, no estado
de Minas Gerais. O município é administrado pelo prefeito Fábio Marques
Florêncio, do PT e cujo projeto de lei foi elaborado pelo vereador Luciano Solar,
do PV. Além de proibir e suprimir tal arquitetura no município a projeto também
trata sobre ações de conscientizações da população acerca do assunto.
Já
a primeira capital brasileira criar normas para impedir arquiteturas
excludentes foi Recife, capital de Pernambuco. A proposta que virou lei foi de
autoria da vereadora Liana Cirne, também do PT. A lei é mais uma iniciativa
importante que vai se somar a outras leis criadas para atender as populações
vulneráveis no município, como a Política Municipal de Atenção Integral à
População de Rua, criada em 28 de julho de 2022, através da lei n. 18.968/2022.
Prof.
Jairo Cesa
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