CRICIUMA/SC INSTITUI A MERITOCRACIA
NA EDUCAÇÃO PUBLICA MUNICIPAL, MEDIDA QUE ELEVARÁ O GRAU DE SERVIDÃO/ESCRAVIDÃO
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO
Imagino
que muitos devem ter ouvido ou presenciado cenas de estudantes e funcionários
de empresas nota dez recebendo prêmio/bons pelos bons resultados obtidos
durante o período estudado ou trabalhado. Não estou aqui me posicionando
contrário a tais bonificações, pois penso que proporcionar gratificações é uma
forma de estimular indivíduos a esforçarem-se ainda mais para galgar os
objetivos propostos. No entanto, em se tratando de Brasil onde há profundas
disparidades sociais com possibilidades distintas de ter sucesso, a adoção da
meritocracia é uma forma de elevar ainda mais o grau de disputas individuais e
exploração.
É
no setor educacional que a prática da meritocracia é mais difundida. A ideia de
“premiar os melhores” parte do pressuposto de que os demais indivíduos se
sentiriam estimulados a se esforçarem na mesma medida que os bonificados. As
provas classificatórias como a do IDEB, por exemplo, são, sim, práticas
meritocráticas, cujas escolas melhores ranqueadas são merecedoras de recompensas
em detrimento daquelas com índices piores.
Durante a pandemia do COVID onde milhões de crianças tiveram que se
ausentar das escolas e estudar via remoto, escancarou o fosso das desigualdades
que permeiam as escolas públicas brasileiras.
A precarização dos espaços físicos, pedagógicos, tecnológicos,
impossibilitou que milhares de estudantes pudessem acompanhar satisfatoriamente
o ritmo dos estudos via online.
Não
há dúvida que esse fosse educacional foi menos sentido em escolas particulares,
onde estudam parcela significativa dos filhos das classes mais abastadas. É
esse povo, com certo privilégio de berço, que participará das provas seletivas
para galgar as vagas de áreas importantes nas universidades públicas, como
medicina, odontologia, engenharias, etc. Com raras exceções, a possibilidade de
um estudante de escola pública, negro, índio, em especial, conquistar vagas em
um desses cursos e bem remoto.
A
resposta não está no fato da incapacidade intelectual ou poucos esforços
individuais, mas sim em todo um conjunto de situações negativas acumuladas por
tais grupos, entre outros. É comum em muitas cidades brasileiras a instalação
de outdoors estampando imagens de estudantes aprovados em cursos com certa
notoriedade social, como medicina. Tato essa área quanto outras que elevam
socialmente e economicamente os indivíduos são disputadas pelas elites. São
raras as imagens de estudantes negros, índios, ostentadas nesses mosaicos
monocromáticos publicitários.
Aparecem,
portanto, nesses painéis apoteóticos um tipo de meritocracia velada, ou seja,
crianças ou jovens bem nascidas, bem alimentadas, de famílias bem estruturadas,
com acesso assegurado a toda a gama de conhecimentos acumulados, que tenderão a
se destacar melhor e conquistar postos profissionais de excelência. São também
essas pessoas que terão mais chances de ocupar as cadeiras do legislativo e
demais postos de comando importantes do Estado, fazendo girar a roda das desigualdades
sociais, pois é desse modo que irão contribuir para a reprodução das relações
de subjugação social.
Qualquer
governo municipal ou estadual que ousar adotar tal estratégia classificatória
durante sua gestão, intuitivamente ou mesmo intencionalmente estará promovendo
a exclusão. Existindo políticas e políticos sérios não há dúvida que farão o
possível e o impossível para que os recursos orçados e disponíveis sejam aplicados
de forma equânime em todos os setores do sistema público. A educação é um bom exemplo. Atualmente as
escolas públicas de níveis básicos no Brasil são gestadas com recursos do
FUNDEB (Fundo Nacional para o Desenvolvimento do Ensino Básico). Além de
investimentos em infraestrutura esse recurso visa também garantir uma boa
remuneração aos profissionais que atuam na educação.
Nos
últimos anos o que mais se viu foram governos municipais e estaduais
descumprindo os dispositivos do FUNDEB, até mesmo pressionando os órgãos
judiciários do país para que supressão da lei que trata sobre os reajustes do
piso do magistério, que está atualmente orçado em R$ 3.845,63 mensais. O que é
mais sórdido nisso tudo é quando aparecem gestores públicos que utilizam o
dinheiro tanto do fundo quanto do piso para o financiamento de campanhas
eleitoreiras.
Dinheiro
que seria de exclusividade para o magistério, em muitos casos tem sido aplicado
em outros setores da máquina pública até mesmo em pavimentações de ruas, etc. As
câmaras de vereadores e a própria imprensa seriam, teoricamente, os agentes
responsáveis nos municípios para fazerem a fiscalização e denúncias dos
gestores descumpridores das legislações vigentes, principalmente no setor
educacional.
Mas
de fato não é o que vem acontecendo. Geralmente a imprensa parcela robusta da publicidade
estampada nos jornais são provenientes do poder público. Sendo assim, seus
noticiários tende a enaltecer os feitos dos gestores. No dia 21 de dezembro de
2022 um jornal de circulação diária na região exibiu a seguinte reportagem
sobre a educação no município de Criciúma.
A manchete estava assim escrita: “Programa
de Meritocracia Contempla professores municipais de Criciúma”. No texto
estava o n. da lei e do decreto 2208/22, que autorizava a concessão de um bônus
por bom desempenho dos docentes.
Lendo
a reportagem comecei a imaginar que algo de muita perversidade havia sido
criado no município de Criciúma na educação e que poderia se espalhar como um
vírus pelos demais municípios da região e do estado. Outra dúvida que pairou no
ar acerca da reportagem. Na capa do jornal que apresentou a reportagem sobre a meritocracia
estava estampada em letras garrafais a seguinte manchete: “Criciúma entre as cidades com maior PIB do Estado”. Se o município
lidera o ranque do estado em possuir um dos melhores PIB claro que teria
possibilidades suficientes para assegurar o pagamento integral do piso ao
magistério. Não teria motivo algum de conceder bônus discriminatórios que,
metaforicamente, contribui mais para aguçar as disputas entre os
servidores. Um salário justo e escolas
bem estruturadas por si só são suficientes para deixar os professores
estimulados e satisfeitos. Quem tem titulação superior e é concursado sabe do
seu compromisso ético e moral com que prometera durante a colação de grau. Não
precisa dar migalhas em forma de bonificações para realizar um bom trabalho.
Na
reportagem divulgada pelo jornal havia algo de muito estranho que precisava ser
checado, algo que não estava escrito e que deveria ser compreendido. Seria verdadeiro
o que disse o prefeito sobre o servidor público afirmando que: “não basta que o servidor público tenha
apenas garantia de emprego e estabilidade, ele também precisa de boas condições
de trabalho e motivação”. Mas será que já não estariam suficientes motivados
na hipótese de estarem recebendo integralmente o piso salarial? Afinal o
município cumpre com o que determina a lei do piso do magistério? Li e reli a
reportagem, porém nenhuma informação relativa ao tema havia sido escrito.
Na
reportagem também explicitava que para ter direito ao bônus de 70% do salário
base seria medido a frequência dos professores e outros critérios descritos no
decreto. Tá, mas, como ficam aqueles/as professores/as que por motivo de
doenças e outros problemas particulares não puderam cumprir com tais
requisitos? Certamente serão punidos, tanto com a perda do bônus e redução de
salários? Vale aqui destacar a fala do secretário da educação na divulgação
desse decreto sobre a meritocracia. Disse ele: “É um grande impulso para aumentar significativamente o resultado e o
desempenho da nossa educação. Vamos medir isso pela frequência dos professores
e apostamos com certeza que irá aumentar. Será também, um fator positivo para
elevar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e para continuar
investindo forte na infraestrutura. Falo com muito orgulho que nesta avaliação,
a grande maioria será contemplada com valores acima de R$ 3 mil”.
Olhando
de fora e para os leigos do assunto é possível perceber que é uma proposta
irrecusável e revolucionária para a educação. Mas onde estão as opiniões
contrárias ou reflexões sobre o perigo desse instrumento avaliativo é
questionado e criticado por quem vive e conhece educação. O mínimo que o jornal
deveria ter feito era ouvir a opinião principalmente do sindicato dos
servidores da categoria para saber se realmente tudo que foi explanado pelas
autoridades do município atende os anseios deles e de toda a categoria. Mas
nenhuma linha foi escrita ressaltando sua opinião dos trabalhadores da
educação.
Acessando
vídeo postado nas redes pelo presidente dos servidores municipais de Criciúma e
região, onde o próprio presidente discorre sobre a lei da meritocracia
sancionada no município de criciúma, segundo sua versão a lei e o decreto
assinados pelo prefeito tornam o servidor da educação em um escravo do seu
trabalho. Deixou claro que o servidor para ter jus ao bônus integral não poderá
adoecer, pois se assim ocorrer vai reduzindo paulatinamente o bônus conforme os
dias parados. Comentou que o governo de Criciúma depois de muito luta e pressão
dos servidores realizou concurso para o quadro de professores efetivos do
município. Entretanto, desde a
apresentação dos resultados do concurso a administração vem se eximindo de
chamar os aprovados para preencher as vagas excedentes e que são ocupadas por
ACT.
Não
é verdadeiro o que vem dizendo a administração de que o IDEB do município é um
dos melhores do estado. No município não há uma homogeneidade entre escolas,
pois muitas apresentam condições infraestruturais precárias, que nos últimos
dez anos houve retrocesso no sistema de ensino no município. Destacou o sindicalista um dado importante
que de certo modo não foi e não é exclusividade somente desse prefeito. Os/as
professores/as da rede pública de ensino de SC viveram em vivem na pele esse
drama por décadas. Refiro-me ao não cumprimento com a lei do piso do magistério
nacional, onde todos os anos o valor é reajustado deveria ser inserido no salário
base da categoria.
O
fato é que poucos estados e municípios brasileiros cumprem rigorosamente com
essa legislação. No caso de Criciúma, segundo o sindicalista, o prefeito não
paga integralmente o piso do magistério que passou a ser de 3.845,48 a partir
de janeiro de 2022. Para os professores
que possuem somente o magistério, o valor recebido é de 3.404,04, ou seja, R$
441 reais a menos todos os meses no contra cheque dos/as professores/as. Se valor
devido for multiplicado por 12 meses, o montante nas mãos do município será de R$
2.910,00.
O sindicalista fez outras simulações de perdas
salariais na qual imagino que é importante mencionar. Destacou as perdas
salariais dos/as professores/as com graduação, ou seja, ensino superior, que em
doze meses deixaram de receber R$ 3.537,00 em seus vencimentos. Um professor graduado,
de nível I, que trabalha 20h, teve 3.204,00 a menos no final de 12 meses. Já um/a
graduado/a, nível I, 40h, obteve R$ 5.292,00 a menos em 2022. Enquanto o
professor III, também 40h, as perdas foram ainda maiores, chegando a R$
7.148,4.
Aqui
está o motivo pelo qual da indignação dos integrantes do sindicato e profissionais
da educação do município de Criciúma. A administração se apropria do próprio
dinheiro não pago referente à lei do piso para fazer campanha publicitária a
seu favor. A Lei da Meritocracia adotada no município é uma dessas ferramentas para
dar a impressão de melhoria na educação. O bônus oferecido aos professores “nota
10” é uma migalha comparada com as perdas que tiveram durante o ano no
descumprimento da lei do piso do magistério. O governo tirou do salário e agora
devolve uma parcela bem menor em forma de bônus.
Segundo
o presidente do sindicato, o município de Criciúma tem uma sobra de 17 milhões de
reais proveniente do FUNDEB para as melhorias na infraestrutura e valorização
do magistério. E afinal, por que não cumpre com a lei do piso se há em caixa recursos
suficientes para conceder os 26,22 %, referente ao aumento do piso nacional que
passou a ser de R$ 3.845,00. Alertou o sindicalista que cabe à câmara de
vereadores fazer o seu papel constitucional que é fiscalizar as ações do
executivo, como o que trata sobre o não cumprimento com a lei do piso nacional.
Prof.
Jairo Cesa
https://brasil.elpais.com/economia/2021-07-18/a-meritocracia-e-uma-armadilha.html
https://www.facebook.com/siserpcriciuma/
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