IRMÃ
DULCE A SANTA DOS POBRES
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Lembro-me
quando adolescente das inúmeras imagens e reportagens externando o trabalho e a
dedicação de uma freira baiana que não media esforços para acalentar a dor e o
sofrimento de dezenas, centenas de pessoas. Eram pessoas desassistidas pelo
Estado, que tinham na madre uma espécie de porte seguro para confortar o
sofrimento. Diante do esforço descomunal de uma pessoa franzina, que aparentava
fragilidade, muitos não entendiam de onde vinha tanta energia, vigor, que lhe
transformava em uma super mulher, capaz de construir um hospital por meio de doações
de voluntários, no qual se transformaria em uma das principais referências em saúde
pública na Bahia e no Brasil.
Com
tantas dificuldades imagináveis para manter um hospital público em
funcionamento, o que causava estranheza, espanto, por parte dos órgãos da
vigilância sanitária era o não registro de casos de contaminação de pacientes no
respectivo hospitala, como é comum em unidades de saúde com poucos recursos. Muitos
atribuíam a essa façanha a um milagre. No entanto a resposta pela a não
contaminação era bem simples, limpeza, limpeza, limpeza. Isso mesmo, a Irma Dulce
era extremamente rígida nesse aspecto.
Era
comum vê-la com vassoura e pano pelos corredores do hospital, auxiliando o
pessoal da limpeza na higienização. Pela sua bondade e profunda solidariedade aos
mais necessitados, após a sua morte, diversas pessoas, contendo enfermidades,
passaram a intercedê-la na esperança que as preces fossem atendidas e as dores
curadas. Foi a partir de curas milagrosas, acatadas pela própria medicina como algo
inusitado, que o vaticano passou a atuar e estudar os casos ocorridos.
Não
havendo dúvidas que as curas eram advindas da interseção da Irma Dulce, o
Vaticano tomou a decisão de convertê-la numa divindade, uma santa, a primeira
nascida no Brasil. Com a data da sua canonização marcada para o dia 13 de
outubro de 2019, um domingo, deu início os preparativos para que o evento se
transformasse num dos principais acontecimentos esse desse século para os adeptos
do credo católico e de outras religiões cristãs.
É
claro que para um evento dessa magnitude, a ser realizado no vaticano, a centenas
de quilômetros de distância de sua terra natal, Bahia, quem acompanharia todo o
rito canônico, com certeza não seria o povo pobre do qual a Irmã Dulce dedicou toda
sua vida. Provavelmente algumas centenas de pessoas que estavam na Praça de São
Pedro assistindo o evento religioso eram das classes populares, que promoveram
campanhas para angariar recursos para custear a viagem e a estadia. Os demais
eram pessoas bem aquinhoadas, que supostamente jamais pisaram os pés em um
hospital público.
Pelo
fato de o Brasil ser uma República, a laicidade deveria prevalecer, não é
mesmo? Porém não é a realidade que se apresenta. Desde a Proclamação da
República o Brasil não conseguiu até o momento se desvencilhar das amarras do
crede católico. Basta adentrar em alguns repartimentos públicos como câmaras de
vereadores, assembléias legislativas e até mesmo no judiciário para ver o
crucifixo fixado na parede nas salas de audiência. Até aí tudo bem.
Não
é possível, em um século, desconstruir tradições milenares que fortes ligações,
raízes, com povo brasileiro. Era sabido que para um evento tão importante para
o catolicismo brasileiro como a canonização da Irma Dulce, a presença de
políticos de diversas esferas eram garantidas. O que causou estarrecimento e,
certamente, visto por mitos devotos da madre como uma afronta a sua memória,
foi saber que muitos desses políticos foram para o vaticano abordo do avião da Força
Área Brasileira, com direito a diárias de quase dois mil reais, além de outras
tantas mordomias que lhes são de direito, porém, imorais.
Imoral
pelo fato de ambos estarem participando de um evento cuja protagonista foi uma
pessoa que viveu todas as dificuldades e miséria de um povo, que foram e são
ainda reflexos de políticas públicas excludentes, muitas das quais patrocinadas
por esses mesmo políticos que estavam lá no vaticano de joelhos, acompanhando a
canonização. O desmonte neoliberal com reflexos diretos no crescimento do
desemprego e da miséria que desestruturam e devassam famílias tem relação
direta com figuras chaves que presidem as duas casas do congresso, câmara e
senado, que também estavam no vaticano, acompanhando a canonização da santa dos
pobres.
Prof. Jairo Cezar
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