SÍNODO
NA AMAZÔNIA: O CAMINHO PARA UMA ECOLOGIA INTEGRAL
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Há
treze anos ambientalistas e entidades defensoras das florestas e da vida no
planeta, espalhadas pelo mundo, receberam com perplexidade a notícia do
assassinato da religiosa e ativista ambiental, Dorothy Stang, em Anapu, Pará. A
morte da religiosa foi um recado a outros/as ativistas que arriscam suas vidas
enfrentando grileiros, mineradores e desmatadores, na Amazônia. Quantos como
Dorothy foram mortos/as nos últimos anos sem que os assassinos fossem jamais presos
e julgados.
Os
projetos megalomaníacos como as inviáveis hidrelétricas, também entram no
repertório de obras assassinas, que estão matando e desestruturando culturas
tradicionais, diante do aumento dos indicadores de alcoolismo, suicídios e doenças
não comuns na região. Quando se julgou
que as brutalidades direcionadas às populações fragilizadas na Amazônia,
indígenas, ribeirinhos, por exemplo, pudesse ser contido com a presença ativa
do Estado na região, o resultado das urnas em 2018, elevou a expectativa de um
cenário nada favorável à segurança daquele bioma e das populações tradicionais.
Os
meses subsequentes à posse do presidente Jair Bolsonaro atestaram o que
ambientalistas e defensores das florestas já alertavam, o principal plano do
governo foi estimular a expansão do agronegócio, mineração e abertura de
rodovias na região, e se necessário, empregar força das armas para combater os
oponentes. Os incêndios que se sucederam em 2019, devastando milhões de
hectares de florestas, deram visibilidade e voz às ativistas e autoridades
políticas do mundo inteiro, que passaram a ver as queimadas como um acontecimento
de repercussões planetárias.
O
discurso de Bolsonaro na ONU com argumentos revelando o lado sórdido de um
governo que ousou enaltecer o regime militar e torturadores, sendo traduzido para
inúmeras línguas. Não há dúvida que a fala de Bolsonaro, assistida e ouvida por
milhões de pessoas no mundo inteiro, deve ter gerado vergonha para uma entidade
que presa pela paz e unidade entre os povos. O antiambientalismo do governo Bolsonaro
caminha na contramão de um discurso já sedimentado globalmente contra o
aquecimento global. Inúmeras vezes tanto o presidente quanto integrantes do seu
governo, a exemplo do ministro do meio ambiente, insistem em afirmar que o
aquecimento global não existe.
Na
Europa milhões de pessoas estão saindo às ruas alertando que ainda a tempo de
salvar o planeta. Toda essa movimentação teve e tem como um/a das/os
protagonistas a ativista sueca Greta Thunberg, de 16 anos, que viaja o mundo
alertando as autoridades da necessidade de rever as políticas econômicas que
sufocam o planeta. Antecedendo a reunião anual da ONU que reúne chefes de
governos do mundo inteiro, ativistas da área ambiental, discutiram e lançaram
proposições para combater as emissões de gases poluentes. Entre as debatedoras
estava lá a ativista Sueca. No entanto, como já se imaginava, a jovem foi alvo
de incontáveis insultos no Brasil através das redes sociais. A intenção dos
desacatos foi desconstruir seu discurso e constrangê-la frente à pública.
Como
vem se sucedendo de tempos em tempos, desde 1965, a igreja católica a partir do
dia 06 de outubro de 2019, promoverá encontro com bispos e outras autoridades
dos nove países que congregam a floresta amazônica. O evento, Pan-amazônico, ocorrerá no Vaticano,
entre o 06 e 27 de outubro, com presença de 250 pessoas, sendo 184 bispos, 58
deles brasileiros e mais 35 mulheres. Durante os 21 dias serão debatidos entre
outros assuntos, políticas de evangelização e temáticas ambientais. É possível
que o tema meio ambiente ocupe expressiva parcela da agenda do encontro, com
relevo nas mudanças climáticas, vida ameaçada, extrativismo, conservacionismo,
desenvolvimento e governos, terra, urbanização, migração e ecologia integral.
Para
o encontro desse ano, o lema escolhido pelo vaticano foi ecologia integral. O tema
evangelização certamente terá também prioridade, pelo fato da igreja católica ter
o papel de articuladora na construção de pontes com a diversidade de culturas
existentes na Amazônia. Desde o momento que Bergóglio foi empossado papa da
igreja católica, sua conduta política frente a instituição foi fazer valer aquilo
que cristo fez, ensinou e defendeu até a sua morte prematura crucificado, a libertação
dos oprimidos.
A
publicação da encíclica Casa Comum, que já foi tema de campanha da fraternidade
de 2016, pode ser considerada um dos documentos mais avançados já publicado por
um representante principal da igreja católica. Sua visão de mundo sistêmica,
ecologia integral, está acarretando uma ousada reconfiguração da igreja que por
séculos permaneceu engessada, sem qualquer conexão entre espiritualidade e
natureza.
O
modelo de igreja pensado pelo Papa Francisco, realçado escritas, encíclicas e
discursos, é uma igreja capaz de transcender, de levar os sujeitos a
compreenderam que seu lugar no mundo, sua sobrevivência, depende do modo como
nos procedemos com o outro e os biomas. Já era previsto que diante de sua
posição vanguardista frente aos problemas sociais, se tornaria alvo de críticas
de leigos e de grupos conservadores presentes na igreja.
A
maior ousadia de Francisco foi adentrar num campo espinhoso dentro da igreja
cujos serviços clericais são dominados por homens. Um dos temas pautados para
os debates no Sínodo será permitir que homens casados tornem-se sacerdotes e
mulheres exerçam a função sacramental ambos na Amazônia. A justificativa da
mudança é atender as populações desassistidas nos rincões da Amazônia,
decorrente da falta de sacerdotes.
Quando
veio a notícia que o tema gerador do sínodo era evangelização e meio ambiente,
bioma amazônico lembrei-me do trágico curso de colonização da América Latina,
no início do século XVI, onde além da comitiva da coroa portuguesa e espanhola,
estavam abordo das caravelas missionários jesuítas a serviço da igreja
católica. Foram os missionários jesuítas, evangelizadores dos “impuros”
indígenas, que também protagonizaram um dos maiores hecatombes humanas na
América espanhola e portuguesa. Também cabe aqui não generalizar, pois tiveram
religiosos que foram importantes para salvaguardar indígenas da rapina do
colonizador.
O
que intrigava era o fato de nenhum papa desde a colonização não ter lançado
qualquer manifesto admitindo o erro cometido pela igreja. O Papa Francisco, por
sua vez, em 2017, num encontro ocorrido Puerto Maldonado, Peru, pediu perdão às
populações indígenas pelo o ocorrido no passado. Admitindo assim o erro
histórico cometido pela instituição.
Estaria
o Papa Francisco e demais integrantes da alta cúpula da igreja católica, outra
vez, querendo repetir erros cometidos no passado? Lendo o documento de trabalho
(Instrumento Laboris) organizado desde 2017 através de uma série de encontros
com habitantes da Amazônia, cujo relatório irá mediar o sínodo até 27 de
outubro de 2019, constatei sua relevância no modo como a igreja católica pensa
a região.
E
texto que contém 60 páginas foi dividido em três eixos principais onde aborda:
A Voz da Amazônia; A Ecologia Integral: O Clamor da Terra e dos Pobres; Igreja
Profética na Amazônia: Desafios e Esperanças. Na leitura do documento o mesmo procura
reconstruir uma igreja viva, semelhante as das décadas de 1970 e 1980, cujo trabalho
sacramental mesclou evangelização e luta política.
Lendo
o texto nas entrelinhas percebe-se não estar atravessado por interesses de
domínio de uma doutrina sobre culturas diversas, cada qual com práticas
ritualísticas muito peculiares. O que vem se sucedendo nos últimos tempos é a
forte pressão do modelo econômico ecocida sobre territórios e culturas com
frágil capacidade de resistência.
Quando
a igreja defende que é necessário ouvir a voz da Amazônia, está se referindo
não somente a voz dos povos, mas de todo o complexo ecossistema que está intrincamente
conectado. Numa região onde convivem centenas de povos muitos ainda
desconhecidos e que dependem da floresta para sobreviver, a imposição de um
modelo econômico e social predatórios, compromete sua existência.
A
população mundial hoje que compõem o chamado campo civilizatório, são
seguidoras de cinco ou seis religiões predominantes. No entanto, o
cristianismo, o islamismo, o budismo e o hinduísmo, prevalecem entre as demais
em número de adeptos. Agora imaginamos uma região com mais de cem culturas
distintas, como a Amazônia, que não seguem nem uma nem outra dessas doutrinas.
Quanto
os jesuítas chegaram junto com os demais colonizadores no continente americano,
século XVI, sua função foi “salvar” as culturas dos povos locais do “pecado”,
impondo-lhes uma verdade como inquestionável. O resultado disse todos sabemos.
A evangelização cinco séculos depois idealizada pela igreja não tem nada de
catequização, se fundamenta numa interculturação, ou seja, uma igreja com rosto
amazônico. Sem essa inculturação o sucesso da “evangelização” proposta estaria
ameaçado.
No
documento há uma passagem onde é ressaltado o papel das mulheres,
principalmente indígenas, que possam exercer o rito sacramental nas
celebrações. Por que a necessidade da flexibilização no tocante as mulheres? É atribuído,
em primeiro lugar, ao fato de as culturas amazônicas diversidade delas serem
matriarcais, ou seja, o cuidado dos filhos, da casa e os rituais místicos são
funções do sexo feminino.
Outro
eixo do documento, ecologia integral, ocupa-se de um complexo conjunto de redes
sistêmicas, onde cada elemento ou família (nicho) executa funções específicas no
equilíbrio do todo, eco-cosmo. As propostas contidas no documento serviram como
alento às comunidades científicas inquietadas com a casa comum (terra). Uma possível
ruptura da complexa rede (teia da vida), onde organismos simples e complexos
convivem mutuamente, levará a extinção mais rápida e definitiva da espécie
humana (antropocêntrica).
O
sínodo, sob outra perspectiva, recebeu e vem recebendo críticas de setores
conservadores tanto da igreja católica como de outras congregações. Isso se deve
a decisão ousada tomada pelo papa em restabelecer dentro da igreja os
princípios que nortearam a curta vida de Jesus Cristo, o combate a opressão e
as injustiças sociais.
É
relevante enaltecer que a construção do documento foi possível graça ao dialogo
com segmentos de igrejas evangélicas que convergiram com o pensamento defendido
pelo papa. Porém não são todas que convergem com esse pensamento. É comum nas
comunidades ou cidades da Amazônia a presença de seitas ou igrejas que se desfrutam
da fragilidade ou miséria social para expandir o poder de influência. Esse
instrumento de conversão é denominado proselitismo religioso.
Uma
das facções ultraconservadoras dentre da igreja católica cuja sigla é TEP
(Tradição, Família e Propriedade) no qual parte de seus membros apoiou Bolsonaro,
vem trabalhando na tentativa de criminalizar o papa, alegando-o estar
desvirtuando os escritos dos evangelhos. O grupo chegou a criar um site
(Anazon, Synod Whatch) com publicações acusando o sínodo de incentivar rituais
neopagãs, que são cerimoniais praticados pelos indígenas na Amazônia. Denunciam
também o papa por estar dando mais importância à vida material que a espiritual
dos fiéis.
Outras
críticas são direcionadas à postura do papa em priorizar temas como o meio
ambiente e as injustiças sociais. Esses ataques partem principalmente de duas
personalidades influentes no governo de Trunp e Bolsonaro. O primeiro é Steve
Bannon, principal mentor da campanha de Trup a presidente dos Estados Unidos. O
segundo é o “guru” de Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho. Banner alega que o
papa Francisco é inimigo da extrema direita, enquanto Olavo de Carvalho defendeu
que o papa fosse tirado do trono de Pedro a pontapés. Tanto o primeiro quanto o
segundo são direta e indiretamente responsáveis por muitas das atitudes insanas
praticadas pelos pupilos dos quais “orientam”.
Deve
ser consenso de quase todas as religiões tradicionais a deliberação do vaticano
em promover o sínodo para tratar entre outros assuntos a proteção da floresta
amazônica. Contrariando o que postulou o ministro do meio ambiente afirmando
que os números do desmatamento não correspondem a realidade, em 11 de outubro
de 2019, o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) apresentou relatório
sobre o desmatamento na Amazônia onde é assustador. Destacou o órgão que no mês
de setembro de 2019, houve o aumento de 96% de desmatamento em comparação ao
mesmo período de 2018. De janeiro a setembro, período governado por Jair
Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia foi 92,7% maior que no mesmo período do
ano anterior.
Mais
do que nunca o Sínodo se mostra relevante num momento onde parece que as pessoas
não mais acreditam ser possível frear a devastação dos frágeis ecossistemas do
planeta. Empoderar as populações da floresta amazônica pode ser uma possível saída
para o enfrentamento dos novos colonizadores, sem o mínimo de sensibilidade à
mãe natureza e seus habitantes.
Prof.
Jairo Cezar
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