DE VOLTA AO TEMPO DA MARIA FUMAÇA
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No
final dos anos vinte o município de Araranguá é integrado ao restante do estado
catarinense pela malha férrea Dona Theresa
Christina, que por quarenta anos foi responsável pelo transporte de passageiros
e mercadorias até os municípios de Criciúma, Tubarão, Laguna e Imbituba. Se
perguntarmos às pessoas mais antigas que residem no município, sobre a estrada
de ferro, certamente iriam comentar sobre o som diário do apito do trem, que
poderia ser ouvido de longe, funcionando como um relógio que jamais atrasava. O
apito, por sua vez, agitava a estação ferroviária da barranca, com dezenas,
centenas de pessoas que para lá se dirigiam à espera de quem vinha de viagem.
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Além
de passageiros e mercadorias, o trem trazia as novidades de um mundo cada vez
mais moderno, cujo tempo passava a ser medido pela velocidade das locomotivas.
Claro que em comparação aos lentos carros de bois que levavam até sete dias
para chegar à laguna, de trem, depois de quatro ou cinco horas já estaria
chegando ao destino final, o porto de Imbituba.
O
trem, portanto, foi uma revolução aos costumes e à economia de uma cidade
acostumada com o ritmo do movimento dos carros de boi. Quantos turistas,
políticos e cidadãos comuns devem ter embarcado e desembarcado nas plataformas
da estação no bairro barranca, onde atravessavam as balsas do caudaloso rio
para chegar às largas avenidas de uma cidade que respirava progresso e prometia
revolucionar o extremo sul de Santa Catarina.
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Os
anos se sucederam e o trem, todos os dias, insistia em despertar os sonolentos
moradores de Araranguá com seu estridente apito, trazendo novidades das grandes
cidades cada vez mais industrializadas e levando nos seus vagões a riqueza e a
esperança de dias melhores aos milhares de araranguaenses. O final da década de
1960 vislumbrou um cenário nada otimista para o transporte ferroviário brasileiro,
que já demonstrava estagnação devido a pressão do setor rodoviário em franca
expansão. Por fim, num determinado dia, a densa fumaça de carvão queimado da
chaminé da velha locomotiva e o som do apito forte, deixariam de ser visto e
ouvido, ficando para sempre na lembrança dos mais saudosistas.
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Restaram
apenas os trilhos e a estação que com o tempo foi se deteriorando com a ação do
tempo. A malha férrea que ligava Criciúma a Araranguá foi totalmente removida,
hoje restam apenas os trilhos ligando os municípios da AMREC à usina
termelétrica de Capivari de Baixo e o porto de Imbituba. Não ouve mais o pulsar
compassado da romântica Maria fumaça, também conhecida como trem horário, seus
maquinistas, tripulantes que se deslocavam de um vagão ao outro prestando apoio
aos passageiros. Hoje o que restaram são possantes locomotivas conectadas com
dezenas de vagões carregados de carvão mineral ou container a serem embarcados em
navios no porto de Imbituba. Quem imaginaria que um dia pudesse ser revivido o
esplendor, o romantismo, um momento mágico na vida de milhares de cidadãos, fazendo
o mesmo caminho feito pelo trem há 40, 50 anos.
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Foi
isso o que aconteceu no dia 19 de maio de 2019, quando um grupo de
aproximadamente 200 pessoas foi contemplado com um passeio de Maria fumaça,
cumprindo procedimentos ou ritos muito parecidos há 50 anos. O projeto Trem da
História inaugurou nesse dia novo percurso entre Tubarão a Jaguaruna, com tempo
aproximado de viagem de uma hora. Para aqueles/as que jamais tiveram a chance
de viajar num trem movido a carvão mineral e cuja velocidade não superava os
cinqüenta km/h, o passeio até Jaguaruna serviu para contemplar as mesmas
sensações e emoções sentidas pelos nossos pais e avós no passado.
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Viajar
de Maria fumaça não é a mesma coisa que viajar de ônibus e automóvel. A relação
tempo e espaço é diferente. A pouca velocidade do veículo que se move sobre
trilhos permite contemplar as magníficas paisagens de morros, campos agrícolas,
florestas, animais, que dificilmente seriam possíveis de apreciar se embarcados
em ônibus ou automóveis. Todo esse esplendor contemplativo ajudou a relaxar,
descarregar as tensões e sentimentos comuns num mundo cada vez mais acelerado e
medido por maga bit, giga bit. Embarcar nos vagões com acentos confortáveis e
janelas panorâmicas é a primeira etapa do grupo antes de iniciar a curta, porém
longa viagem.
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Uma
ferromoça ou tripulante auxiliava os passageiros instruído-os sobre os cuidados
que deveriam ter no momento da partida do trem, dentre os cuidados não colocar
os braços e a cabeça para fora da janela, coisa que pouca gente fez tamanha a
ansiedade de ver o trem pela janela se movimentando sobre o trilho. O trem ao partir da estação o único ruído
possível de ser ouvido era das emendas dos dormentes ou o apito que soava a
cada cruzamento de estrada, alertando motoristas e pessoas desatentas para não
parar na linha férrea.
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Nas
décadas de vinte, trinta em diante, o apito provavelmente soava para alertar os
cavaleiros, condutores de carros de bois e animais que estivessem parados sobre
os trilhos. Um problema que talvez irritasse
passageiros a bordo dos vagões no passado era a espessa fumaça expelida pela
chaminé da locomotiva que tornava os ambientes irrespiráveis dependendo da
direção do vento.
Em
fim, fora a fumaça e outros pequenos imprevistos, quarenta minutos de Tubarão a
Jaguaruna, despertou a atenção de dezenas de pessoas residentes as margens da
ferrovia, cujos mais antigos talvez tivessem até se emocionado relembrando os
tempos em que a Maria fumaça transitava pelos mesmos trilhos. Na chegada a
Jaguaruna o público foi levado a um centro de eventos onde foi oferecido um
delicioso café colonial. Tanto na ida quanto no retorno, os passageiros foram
contemplados com atrações culturais e sorteios de brindes.
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É
possível que tais atrativos artísticos e culturais não acompanhassem os
passageiros nas demoradas viagens do passado. Talvez nem fosse necessário pelo
fato da enorme singularidade de paisagens e cenários que atraiam os olhares de
todos em todo o percurso. Nos passeios de Maria fumaça, antes ou depois, o
público tem a oportunidade de visitar o museu ferroviário, local onde estão
guardados um dos maiores acervos de locomotivas a vapor das Américas. Além
desses veículos de diferentes épocas e nacionalidades, é possível contemplar a
história da ferrovia Thereza Christina por meio de fotografias.
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Um
olhar mais atento no acervo de locomotivas revela o esplendor e a pujança
econômica de uma época. A questão é como um país que possuía todas as condições
para se despontar no setor ferroviário de repente vê seu futuro dominado pelo
rodoviário. O Brasil, portanto, paga hoje um preço alto a essa decisão
equivocada de seus governantes. Entretanto ainda há tempo para reverter esses
erros históricos. Os países desenvolvidos tiveram e têm o sistema ferroviário
como dinamizador da economia, da cultura, se mantendo quase inabaláveis às
crises cíclicas até o momento.
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O
Brasil não pode mais se manter dependente unicamente do sistema rodoviário. É
preciso repensar formas alternativas e sustentáveis de transportes que traga o
mínimo de impacto ao meio ambiente. Fazer uma viaje de Maria fumaça e visitar o
museu ferroviário em Tubarão é um jeito saudável de fazer as pessoas refletirem
que nada é imutável, que as futuras gerações poderão ter um mundo melhor, com
cidades menos entupidas de automóveis e ar mais respirável.
Se
Araranguá teve sua estação ferroviária por quase quarenta anos, o que poderia
estar dificultando o poder público de Araranguá em recuperar fragmentos desse
período construindo um museu da memória da ferrovia? Não há dúvidas que o
espaço atrairia um enorme público curioso em conhecer objetos e imagens de um
passado que foi importante e determinante na transição das várias fases de
cultura e economia.
Prof.
Jairo Cezar
Adorei fazer o passeio e ter a felicidade de ler esse texto tão rico, e poder participar da memória do desenvolvimento de municípios próximos.
ResponderExcluirPerfeito professor, um texto rico em história e detalhes, assim como foi a viagem.
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