ALGUMAS
REFLEXÕES COMPARATIVAS ENTRE O CANGAÇO CLÁSSICO E O NOVO CANGAÇO – EXTREMO SUL
DE SANTA CATARINA
Nos
últimos dias a imprensa vem caracterizando o episódio do assalto a banco na
região do extremo sul de Santa Catarina, mais específico no município de Praia
Grande, como um “novo cangaço”. Sobre o tema é preciso fazer algumas
ponderações sob-riscos de querer confrontar equivocadamente dois momentos
históricos distintos, acreditando que ambos são a mesma coisa. Pode até ter
havido algumas equivalências, porém, é presunçoso querer compará-lo ao movimento
acontecido numa das regiões mais pobres e esquecidas do Brasil, durante o tempo
em que a força das armas e o poderio dos coronéis ordenavam o ritmo e o tempo de
vida das populações sertanejas.
No período
alusivo ao cangaço, tanto o poder judiciário quanto as próprias polícias, ambos
se sustentavam como organizações pouco ou nada atuantes nesses “rincões”, mantendo
uma aparência de parcialidade, declarando apoio aos prestigiados proprietários
de terras, líderes de facções partidárias, que para se protegerem formavam
bandos, muitos dos quais mercenários do crime. A própria população, privada dos
direitos mais primordiais tinham, nesses bandos, a certeza de proteção. Porém,
conforme o cenário político e econômico ia se desenhado, com o crescimento da escassez
e da miséria, a ação dos bandos tornavam-se mais frequentes nos pequenos arraiais,
vilarejos e cidades de médio porte do interior do Brasil.
Inúmeros
foram os personagens ou integrantes desses grupos armados que ainda hoje são enaltecidos,
tratados como celebridades, verdadeiros heróis, pelas populações do interior
nordestino. Nomes como Lampião e Maria Bonita permanecem vivos no imaginário
social como personagens lendárias dos quais simbolizam a luta e a resistência do
povo pobre e abandonado pelas autoridades. Acreditar que o cangaço se
notabilizou como movimento social e político exclusivo do nordeste brasileiro é
incorrer em erro histórico grave.
No
interior brasileiro, ou seja, em todas as regiões, quanto mais inexpressivo era
a presença do Estado, a supremacia dos proprietários de terras, coronéis ou
subcoronéis se sobressaiam, constituindo uma complexa rede de proteção alicerçada
na troca de favores. O artifício da
tocaia, das emboscadas, do crime por vingança, da eleição do fio de bigode eram
atos costumeiros por essas bandas. Portanto, um tipo peculiar de cangaço aqui
se constituiu trazendo terror contra grupos políticos rivais e famílias.
Na
região que compreende o grande Araranguá não tivemos conhecimento de nenhum Lampião
ou Maria Bonita, mas tivemos aqui alguns coronéis temidos que ditavam o modo de
ser e ver o mundo. Também havia bandos armados, não de cangaceiros, mas de insurgentes
desertores farrapos e federalistas que se refugiaram nos vilarejos próximos a
serra geral. Muitos destes se incorporaram
ao povo local respaldando apoio e proteção. Há relatos documentais que
comprovam ter havido verdadeiras batalhas campais envolvendo caboclos posseiros
apoiados por grupos armados, que lutaram bravamente contra as forças opressoras
legalistas. Condutas como a decapitação, a extirpação de orelhas, servindo de
troféus, foram atos rotineiros também por aqui.
Por ser um território de fronteira, de
monocultura mercantil, escrava e de domínio dos coronéis, o extremo sul do
estado se transformaria mais tarde em uma das regiões mais instáveis economicamente
do estado. Se no passado eram os proprietários de engenhos com trabalho escravo
que ditavam às leis, hoje, são os novos coronéis, empresários, fazendeiros,
comerciantes, políticos profissionais, ambos apoiados por cabos eleitorais, um
tipo local de jagunço, adotam praticas eleitoreiras similares ao inicio do
século XX. O apadrinhamento político, a troca de favores e uso dos currais
eleitorais persiste no cotidiano social.
Tais instrumentos eleitoreiros são ainda peças chave para a perpetuação
da cultura coronelística e, é claro, de um tipo próprio de cangaço a moda local.
Não
obstante, tais práticas não são exclusividade da região de Araranguá, ambas vêm
se disseminando em todo território nacional. O enfraquecimento das estruturas de
poder permite o restabelecimento e o fortalecimento dos novos “comandantes
regionais”, os coronéis contemporâneos e seu bando de cangaceiros que atuam com
mais veemência nos períodos eleitorais. Portanto, o novo cangaço do extremo sul
de Santa Catarina, embora apresente algumas peculiaridades muito próprias, tem
a sua razão de existir em maior ou menor grau, conforme o estágio de
desenvolvimento econômico e social de uma região específica ou país.
Atacar
os efeitos desse modelo econômico perverso por si só não resolve um problema
que já se tornou estrutural. A ação deve partir para atacar as causas, ou seja,
no próprio modelo de produção e de exploração que transformam jovens, adultos
reféns do crime e de bandos armados violentos. Novos assaltos, ataques a bancos, sequestros,
pânicos à população, persistirão, enquanto não for atacada a raiz do problema,
a falta de investimento em educação, cultura, saúde, saneamento básico,
transporte público, etc. São tais iniciativas que nos darão a certeza de que a
paz e a harmonia poderão ser restabelecidas em todas as regiões brasileiras.
Prof.
Jairo Cezar
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