O
Lado Obscuro das OSS (Organizações Sociais da Saúde) que administram os hospitais públicos
brasileiros/Hospital Regional de Araranguá/SC
Para
entender o imbróglio, o caos que atinge a saúde pública brasileira atualmente,
especialmente em relação as unidades de saúde vinculadas ao SUS (Sistema Único
de Saúde) como o Hospital Regional de Araranguá, pivô de denúncias de
irregularidades envolvendo a Organização Social SAS, de São Paulo, temos que
recuar na história e compreender que sua raiz está nas políticas reformistas do
Estado brasileiro iniciadas a partir do final da década de 1980 e patrocinadas
pelo Banco Mundial e demais organizações financeiras internacionais. Em 1998, acatando as recomendações do Banco
Mundial, Luiz Carlos Bresser Pereira, que exercia a função de Ministro da Reforma
do Estado, na gestão Fernando Henrique Cardoso, 1995 a 1998, promoveu uma das
maiores reformas estruturais no campo da saúde abrindo caminhos para que a
iniciativa privada sob a forma de parcerias atuasse na gestão dos serviços de
saúde e tendo direito a parcelas dos recursos públicos orçados para esse setor.
Segundo
o Ministro Bresser Pereira as reformas que foram executadas tiveram por
princípio definir regras claras acerca das funções que são exclusivas do Estado
e aquelas que são da iniciativa privada. “Saúde, educação e segurança
consideradas não exclusivas devem-se utilizar poucos funcionários apenas para
controlar os serviços”. O argumento apresentado pelo ministro é o mesmo
defendido pelos intelectuais norte americanos que atendendo as recomendações do
grande capital construíram uma nova teoria, o neoliberalismo, para dar
sustentação às reformas capitalistas em curso.
Esse programa reformista ou neoliberal também conhecido por Consenso de
Washington teve suas primeiras experiências no Chile de Augusto Pinochet, em
1979, e na Inglaterra, no governo de Margaret Thatcher. No Brasil, os
princípios neoliberais ou reformistas foram introduzidos em muitos artigos da
Constituição de 1988, que serviria de base mais tarde para concretização das
reformas estruturais.
A justificativa apresentada pelos seus
idealizadores foi pela defesa da liberdade de mercado e pela progressiva flexibilização
das regras que segundo seus articuladores restringem excessivamente o fluxo
natural do sistema. A concepção ideológica Estado Mínimo buscou difundir a
idéia de que transferindo serviços como saúde, educação, segurança, entre
outros a iniciativa privada haveria uma maior racionalização dos recursos
financeiros, tornando-os mais eficientes. Se assim o fosse, o setor de
telecomunicação, que foi privatizado na década de 1990, seria um dos mais
eficientes e baratos do mundo. A quem digam os usuários das telefonias móveis
da região sul de Santa Catarina.
As
investidas neoliberais não ocorreram somente no campo das telecomunicações,
bancos, energia, previdência, transportes, entre outras. Os ataques das
privatizações também deram continuidades mesmo depois da população ter
escolhido através do voto um governo popular. A promulgação da constituição de 1988 abriria
brechas legais para que empresas multinacionais ou consórcios nacionais
participassem de licitações disputando o controle das enormes jazidas minerais.
A Vale do Rio Doce, Companhia que hoje controla a exploração de uma das maiores
jazidas minerais do planeta, é um caso emblemático de privatização repleto de
irregularidades e favoritismo governamental.
E os
avanços da privataria não pararam por aí e as investidas do capital alcançam
finalmente os setores da educação e especialmente o da saúde cuja Constituição
Federal no seu artigo 197 garante autonomia ao executivo em transferir os
serviços de saúde a empresas terceirizadas e, também para pessoas físicas ou
jurídicas de direito privado. A função do Estado seria de entidade fiscalizadora
na qual controlaria a atuação das mesmas na coordenarão os serviços a serem
prestados. Esse dispositivo legal abriu oportunidades para o surgimento de
dezenas ou centenas de empresas denominadas (OS) Organizações Sociais, (FEDPS)
Fundações Estatais de Direito Privado; (OSCIPS) Organizações da Sociedade Civil
de Interesse Público e (EBSER) Empresas Brasileiras de Serviços Hospitalares,
que se colocaram em condições de disputar as verbas públicas destinadas à saúde.
Esse
modelo de gestão, que passou a ser adotado em hospitais estaduais e municipais
brasileiros está sob a mira da justiça na qual vem averiguando inúmeras
irregularidades tantos nos processos de qualificação como também na forma como
as empresas selecionadas administram os recursos, sendo elas, por lei, entidades
filantrópicas, que não devem visar lucros. O que se pretendia com essa nova
forma de prestação de serviços, segundo seus idealizadores, era dar agilidade ao
sistema mediante a transferência de toda infraestrutura às instituições
filantrópicas, sem que ambas tivessem obrigação de recorrer a licitações para a
aquisição de materiais, como também não havendo necessidade de tabelas de
valores de referência, para serviços e salários. O que chama atenção é o
dispositivo legal que garante as empresas, aditivos compensatórios na hipótese de
existir prejuízos no primeiro ano de gestão da organização.
Em
2007, o município de São Paulo repassou para as Organizações Sociais valores
fabulosos que totalizaram cinco bilhões de reais. O governo estadual seguiu a
mesma diretriz, transferindo para 32 Organizações Sociais, 14,2 bilhões,
contratos que têm validade até 2016. Nesse
fabuloso mercado no qual envolve a saúde pública, do dia para noite dezenas de
empresas se qualificaram para disputar as enormes fatias dos recursos públicos
e cujos serviços oferecidos não correspondem proporcionalmente às verbas
recebidas. Uma empresa paulista que está sob investigação do TCM (Tribunal de
Contas do Município), é a SECONCI indiciada por irregularidade em contratos envolvendo
a prefeitura e o governo do estado de São Paulo. O valor do contrato de 46
milhões de reais teve que ser revisado recebendo um novo aditivo que o elevou
para 127,5 milhões, valor três vezes maior que o anterior. Desde 2010 o
orçamento público da saúde para as Organizações Sociais é de 38%, garantindo
6,2 bilhões de reais para 2012. Em
2013, o orçamento do estado para saúde equivale a 16,6 bilhões, somando os valores
para o município elevam os recursos 20 bilhões de reais aproximadamente.
Esse
modelo de administração hospitalar começou a se espalhar para os demais estados
e municípios brasileiros a partir de São Paulo onde inúmeras empresas assumiram
a administração das unidades e demais setores vinculados à saúde. No entanto, diante
da descentralização dos serviços de saúde, referendadas pelo SUS totalmente
público, estados e municípios para se adequar a esse novo modelo de gestão
deveriam criar suas próprias leis visando a flexibilização dos processos que permitiram
a inserção das OS (Organizações Sociais) na administração da saúde.
Desde 01 de maio de 2012 o
Hospital Regional de Araranguá depois longos anos administrado pela UNESC sua
administração foi entregue a uma organização social SAS que teria a incumbência
de proporcionar uma melhor eficiência do atendimento de saúde à população dos
quinze municípios da AMESC. Segundo seu diretor quando questionado em
entrevista realizada pelo Jornal Correio do Sul em 04 de maio de 2012, quatro
dias depois da homologação, o mesmo argumentou que a finalidade de instituição
era acabar com situações ilegais que ocorriam durante a gestão comandada pela
Fucri-Unesc.
Disse também que a população
estava próxima de vivenciar uma nova era do hospital, que seria marcada pela
prestação de serviços de qualidade. http://www.grupocorreiodosul.com.br/jornal/noticias/principal/hravamosacabarcomsitua-esilegais/.
Opinião semelhante foi proferida pelo Secretário Regional da Saúde Aécio
Casagrande e do coordenador da Área Médica do Instituto SAS Arthur Betti Ricca
a uma emissora de televisão do município de Araranguá http://www.artv.com.br/revista-no-ar/982/hospital-regional-de-ararangua-sob-novo-comando.html,
ambos garantindo a população que os serviços a serem prestados pela empresa
dariam uma nova dinâmica no que se concerne à qualidade dos serviços prestados à
população. Poucos meses depois da empresa ter iniciado as atividades começaram
vir a público as primeiras denúncias de envolvimento do seu envolvimento em
operações fraudulentas no estado de São Paulo como também no próprio Hospital Regional
de Araranguá, cujas investigações do Ministério Público Estadual identificaram
desvios aproximados de dois milhões de reais às empresas cujos sócios e
proprietários mantinham vínculos com essa Organização Social. As denúncias
envolveram além do hospital de Araranguá outras seis instituições espalhadas em
São Paulo e uma no Rio de Janeiro. A decisão da justiça foi intimar o governo
de santa Catarina, para que num prazo de trinta dias, assumisse a gestão do
mesmo, que na hipótese de descumprimento da ação lhe incorreria multa diária de
200 mil reais.
Não resistido
às pressões por parte da imprensa e da sociedade civil organizada, em abril de
2013 o governo determinou o cancelamento do contrato com a SAS, anunciando que
faria um novo processo para contratação de outra organização social para
substituir a anterior. As vozes da sociedade que exigiam o controle direto do
estado na administração do hospital não foi acatada pelo governo, como também a
recusa a proposta encaminhada pela ACIVA (Associação Comercial e Industrial do
Vale do Araranguá) que defendiam a transferência da administração do hospital
para os municípios do vale do Araranguá.
Depois de muitas e muitas discussões sobre os destinos do hospital, o
governo descartou qualquer hipótese de transferência para os municípios ou
gestão direta do próprio estado decidindo que manteria a política de
terceirização com as OSS.
Conforme
prometido uma nova OSS (Organização Social da Saúde) foi contratada, a SPDM
(Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), originária do estado
de São Paulo que já tem contratos milionários com o município e o governo paulista.
É importante frisar que essa organização é dirigida pelos diretores e chefes da
Escola Paulista de Medicina ligada a UNIFESP (Universidade Federal de São
Paulo), que não há informações confiáveis acerca dos valores dos contratos
fechados e a tamanha expansão da empresa nos últimos anos cujo caráter jurídico
é filantrópico, não permitindo que haja lucros nas suas gestões. A empresa SPDM
já possui um currículo recheado de denúncias e irregularidades que mereceria o
máximo de atenção dos governos na hora de decidir fechar qualquer contrato de
parceria.
Uma
das tantas irregularidades cometidas nos últimos anos resultou em ação do
tribunal de contas de São Paulo em 18 de 08 de 2009 cujo parecer do conselheiro
foi pelo cancelamento do contrato entre a prefeitura de São José dos Campos e a
empresa. http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_cidadania/Terceiro_Setor/Jurisprudencia_ACP/TCE-%20001773-007-06.pdf. Outra denúncia grave de
desvio de recursos da saúde e que gerou um rombo acumulado dos cofres públicos na
ordem de 147,18 milhões, ocorreu no estado de São Paulo em 2011, em que uma das
empresas envolvidas é a SPDM que administrava o Hospital Municipal de Barueri,
uma das cidades mais importantes da grande São Paulo. O blog MOPSABUS, na sua
página traz uma extensa reportagem mostrando de forma detalhada a falta de
transparência dos procedimentos contratuais entre o poder público e as OSS que
atuam no estado. O problema, segundo o Blog, é extremamente grave, porém parte
da população brasileira desconhece, pois a mídia oficial se omite em divulgar
tais informações. O mesmo blog faz acusação severa a empresa SPDM/APDM, um
grupo que opera diversos hospitais do estado, responsabilizando-a de desmonte
da saúde pública e de estar interessada apenas no dinheiro, cuja saúde é
concebida como um balcão de negócios. E para agravar, a empresa possui mais de
3000 títulos protestados em cartório. http://mopsabsus.blogspot.com.br/2011/06/21-de-junho-de-2011-as-1216-hospitais.html.
A mesma empresa que atua em Santa Catarina recebeu denúncias do Sind/saúde em
abril de 2010 por estar descumprindo diversos itens da Convenção Coletiva de
Trabalho com a Organização Social responsável pela administração do SAMU
catarinense. Dentre as irregularidades estão o banco de horas e as condições sanitárias dos
ambientes de trabalho.
A crise
da saúde no estado de São Paulo foi agravada em 2008 com a promulgação da lei
n. 62/2008, na época governado por José Serra, quando o mesmo autorizou a
transferência para as OSS o gerenciamento de todos os hospitais públicos, tanto
os novos como os antigos. http://www.sindsaudesc.com.br/index.php/noticias/797-sindsaudesc-se-reune-com-organizacao-social-que-administra-o-samu.html. Para convencer a população que tais modelos de
serviços à saúde eram eficientes, os prefeitos e governadores se utilizaram de
relatórios oficiais emitidos pela entidade financiadora Banco Mundial. Nos seus
relatórios procuram enfatizar que o modelo de OSS tem produzido melhores
resultados que os hospitais públicos diretamente administrados pelo governo,
que há mais altas de pacientes, menos serviços médicos e que os custos hospitalares
são bem menores que os tradicionais. O que não é divulgado e que poucos
certamente sabem é que de 2006 a 2009 os gastos públicos com as OSS de São
Paulo subiu de 910 milhões de reais para 1.96 bilhão, e que em 2010 os relatórios comprovaram que 70% dos
equipamentos hospitalares tiveram déficit.
Para
reverter esse quadro caótico que atinge à saúde pública é imprescindível uma reformulação
ou regularização de muitos artigos da constituição federal em especial o
capítulo referente à saúde que permite parcerias
envolvendo o poder público e a iniciativa privada no que tange a administração
da saúde. Os serviços de saúde como hospitais não podem ser encarados como uma
casa de jogos ou cassino onde cada um faz sua aposta com possibilidades de
lucros ou perdas exorbitantes. Dentro do atual quadro conjuntural e persistindo
o modelo de produção, não há expectativas otimistas de melhorias na saúde
pública em curto prazo. Isso porque além da própria constituição brasileira dar
cobertura a esse modelo de saúde, que garante lucros fáceis a grupos ou organizações
que atuam de forma irregular, poucas são as ações da justiça no que se refere a
punição sumária dos criminosos que solapam o dinheiro dos contribuintes destinados
à saúde.
Prof.
Jairo Cezar
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