As manifestações populares versos políticas
ante-sociais dos atuais governos
Como vem se processando ao longo dos
tempos, o sistema de produção capitalista sempre foi abalado por crises
cíclicas no qual, muitas vezes, teve que se submeter a adaptações ou ajustes
que resultassem em menores impactos às economias planetárias. A atual crise que
avassala o continente europeu pode ser caracterizada como de grande impacto,
pois vem minando não só os empregos como todo o conjunto de direitos adquiridos
e reconhecidos pelos defensores do capital como modelo de sucesso a ser copiado
pelas demais nações periféricas.
As mobilizações sociais que ocuparam
ruas e praças de centenas de cidades brasileiras nos últimos dias podem ter
tido alguma influência das manifestações que ocorrem na Europa e nos países
árabes. No entanto, embora as características dos movimentos apresentem algumas
semelhantes, os objetivos não seguem as mesmas direções. Nos países árabes como
Egito, Turquia, entre outros, as manifestações são por democracia; na Europa,
as mobilizações são contra as reformas estruturais em curso, enquanto que no
Brasil a pressão segue uma pauta extensa como o combate a corrupção, a transparência
dos gastos públicos, a moralização do Estado, etc.
A ocupação das ruas pelos jovens deve ser
interpretada como sentimento de insatisfação às políticas ante-sociais em curso.
São ações que confere total apoio ao capital mediante incentivos fiscais a
indústria automobilística, que nega o transporte coletivo; às obras faraônicas
como barragens e arenas esportivas; o agronegócio, que avança sobre terras e
florestas reivindicadas pelos indígenas. Além do mais, vive-se um processo de
periferização da sociedade brasileira estimulada por políticas sociais e
eventos esportivos que promovem remoções ou expulsões deliberadas de milhares
de pessoas das áreas centrais das grandes cidades para dar lutar a estágios,
shoppings, hotéis entre outras construções. O problema é tão sério que na cidade de Porto
Alegre, chegou-se ao cúmulo de alterar resoluções inteiras do plano diretor
municipal para atender as recomendações da FIFA. Sem contar outras legislações
que não foram consideradas nos projetos dentre elas a que trata sobre a
preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural e a ambiental que
obriga o empreendedor a proferir estudos de impactos ambientais em áreas
destinadas a grandes empreendimentos. Afinal quem tem mais poder, o governo
federal ou a FIFA?
Numa sociedade em que se gasta 1.4
bilhões de raiais para construção de arena esportiva onde sequer tem transporte
público, e outros 20 milhões transferidos à rede globo para promover um minúsculo
show de duas horas para divulgar a copa das confederações, não há como não se
indignar e sair às ruas para protestar. Um protesto construído nas redes
sociais e que teve como fator desencadeante o aumento das passagens de ônibus.
Muitos dos que participaram das manifestações
acredita-se que não possuíam vínculo a nenhuma forma de organização classista
como também não demonstravam ter concepção ideológica definida quanto ao modelo
de sociedade que se desejava construir. São esses jovens que passaram a ser disputados
nas manifestações tanto pelas milícias conservadores, como pelas tendências extremistas,
que devem entender que é preciso manter a chama acesa, continuar atento,
compreender melhor o jogo político para que não sejam transformados em massas
de manobras de grupos ou partidos oportunistas.
A escola agora mais do que nunca tem que
assumir seu verdadeiro papel de entidade comprometida com a construção de novos
paradigmas sociais, trazendo para o seu interior as angustias, as insatisfações
e as incertezas acerca do futuro, promovendo um intenso debate sobre o contexto
político, por que da necessidade de viabilizar reformas emergenciais no campo
político eleitoral, tributário, entre outras reivindicações manifestadas pela
população. Porém, o modo como as instituições de ensino público estão
estruturadas dificilmente tais ações serão viabilizadas sem que haja uma forte
pressão social, capaz de romper os elos que prendem as instituições às facções
políticas aninhadas nos interstícios dos poderes locais.
Para romper com tais vícios uma das
saídas seria com a federalização do ensino, onde o governo federal como acorre com
os Cieps (Centro Integrados de Ensino Profissionais) assumiria a gestão da
educação básica e superior. Porém, tais possibilidades ainda são um tanto
quanto remotas diante do atual quadro político em que os investimentos para
esse setor não alcançam os 5% do PIB, enquanto que países hoje considerados
avançados economicamente os recursos ultrapassam os 8 a 9% do PIB. Além do
mais, o problema da educação não está somente na insuficiência de recursos, mas
na forma como tais recursos são gerenciados. Nos estados e municípios esses
recursos são depositados geralmente em conta única cujo administrador se sente
no direito de utilizá-lo em ações que não condiz com sua finalidade. Outros
casos que são comuns em relação aos recursos do FUNDEB são os desvios para o financiamento
de campanhas eleitoreiras.
A medida emergencial do governo de
destinar 100% dos royalties do petróleo para a educação traduz uma sensação de
desespero na tentativa de convencer a sociedade de que com tais medidas os
problemas com a educação estariam resolvidos. A idéia de royalties remete a
entrega do sistema de prospecção do hidrocarboneto do pré-sal às empresas
concessionárias que ainda serão licitadas e cujo início ainda é imprevisível. É
importante frisar que tais operações matemáticas que destinarão parcelas dos
recursos do petróleo à educação não são tão simples como mencionou o governo,
que os 100% prometido não representam volumes expressivos diante do atual
modelo de políticas econômicas adotadas pela atual presidente. A
sensação é de que bilhões de reais entrarão a cada ano nos cofres do governo,
como num passe de mágica. O discurso do governo omite toda uma complexidade que
está envolta nessa ação, que os recursos dos royalties estão condicionados ao
crescimento do PIB, ou seja, se o país continuar crescendo num patamar de 2,5%
do PIB ano, para educação destinará apenas 0,01% referente aos royalties. Nesse
ritmo será necessária uma década para que os recursos do petróleo alcance 1% do
PIB.
É preciso levantar discussões e
indagações sobre as campanhas eleitorais realizadas no Brasil, que para eleger
um vereador, prefeito, deputado, etc., se gasta milhões de reais. Afinal quem
financia tais campanhas milionárias e qual o comprometimento dos políticos
eleitos com seus financiadores e a sociedade? A atual realidade brasileira não
deixa dúvidas quanto ao processo de escolha dos representantes do povo nas
diferentes instâncias dos poderes. Basta averiguar os deputados estaduais e
federais eleitos, suas condições sócio econômicas e as entidades ou grupos
econômicos na qual representam. Poucos são os que realmente estão comprometidos
com o povo em virtude do custo milionário de suas campanhas. Além dos
educadores que devem dar ênfase na formação política e cidadania dos estudantes,
os partidos de esquerda que ainda mantém uma postura ética quanto aos seus
princípios tem o compromisso de instruir a sociedade, promovendo verdadeira
campanha de politização dos trabalhadores, conscientizando-os do seu poder de
transformação social, de sujeitos da história e não meros coadjuvantes.
Durante as semanas das manifestações
muito se questionou sobre a participação ou não de bandeiras partidárias nos
eventos, transparecendo para a sociedade que os mesmos eram apartidários. Como
conceber a idéia de apartidarismo se estamos inseridos num regime republicano
democrático com totais liberdades para manifestarmos nossas idéias e aspirações.
De acordo com Plínio de Arruda Sampaio,
a insistência em instrumentalizar a ira contra os partidos da orem, PT, PSDB,
PMDB, PSB, etc. para estigmatizar todo e qualquer partido é para banir toda e
qualquer bandeira política que possa dar um horizonte revolucionário à energia
humana que brota de baixo para cima.
Atitude como essa demonstra o elevando
grau de despolitização da sociedade, pois é através da vinculação partidária
que se promoverá as transformações sociais. Se fosse permitida a presença de
bandeiras partidárias quais estariam nas manifestações? Acredita-se que apenas as
tradicionais que sempre estiveram na vanguarda dos movimentos, ficando de fora
certamente àquelas que outrora foram defraudadas defendendo democracia,
liberdade, justiça social e que hoje estão no poder.
Em qualquer democracia representativa a
existência de partidos políticos confere oportunidade as diversidades de
opiniões e ideologias acerca dos caminhos e o modelo de sociedade que se quer
construir. Ultimamente poucos são os partidos que ainda conservam suas
ideologias. A grande maioria assumiu funções exclusivamente eleitoreiras onde o
candidato mantém vínculo com o partido atendendo exigências legais e não por
concepção ideologia. Essa enormidade de siglas partidárias, muitas das quais
foram criadas unicamente para abrigar políticos fisiológicos na expectativa de disputar
espaços e verbas públicas nas diferentes instâncias dos governos federais,
estaduais e municipais.
Talvez esteja nesse imbróglio partidário
um dos motivos que levou a sociedade brasileira a se comportar com tanta
repugnância a idéia de partido político. Se fosse feita pesquisa de opinião
sobre a necessidade ou não de partido numa eleição, poucas seriam as respostas em
sua defesa. A grande maioria certamente diria que mais do que nunca o que
importa no processo é a pessoa, sua vida pregressa, honestidade, ética, enquanto
que o partido na qual a mesma está inserida seria excluído. São essas pessoas que se dizem apartidárias
que foram às ruas exigindo mudanças emergenciais no modo como o Brasil é
governado.
É oportuno também e isso é tarefa das
escolas e dos movimentos sociais em debater formas alternativas de organização
política, onde as decisões possam ser tomadas de forma coletiva mediante conselhos
representativos, sistemas de cooperativismo, entre outras tantas possibilidades.
A discussão de idéias como essas estimula a reflexão acerca da compreensão de
que a sociedade é um processo vivo, dinâmico em franca transformação. São as
contradições existentes no interior das próprias estruturas em menor ou maior
grau que resultam nas ebulições sociais, que resultam em ações reformistas ou,
em níveis mais exacerbados, em violentas revoluções que rompem com o sistema
econômico predominante. Não é, por exemplo, o caso brasileiro, pois se assim o
fosse, o partido dos trabalhadores teria lançado as bases da revolução quando
assumiu o poder. Convém lembrar que nas sociedades ocidentais o sistema de
produção capitalista quando suas estruturas estiveram sempre ameaçadas, de
imediato, o regime hegemônico colocava em ação todo seu aparato repressor. O
exército sempre teve um papel determinante na contenção dos levantes populares
ocorridos na América Latina entre as décadas de 1960 e 1970, dando cobertura
aos governos autoritários como o ocorrido no Brasil durante vinte anos.
Hoje em dia, com a redemocratização
social, as ações repressivas do Estado continuam, ou de forma violente,
mediante a ação truculenta da polícia ou de forma sutil, através das mídias conservadores
de massa. Os telejornais de grande audiência nos horários nobres procuraram desviar
o foco dos movimentos dando ênfase a aspectos isolados como as badernas praticadas
por grupos direitistas ou neofascistas a serviço do grande capital. O que é
peculiar nesse processo é a forte influência das redes sociais na construção de
novas opiniões, superando até os tradicionais sistemas de comunicação de massa
como as tevês abertas.
É preciso que fiquemos em estado de
alerta constante, que as ações tomadas pelos governos para retirar das ruas a
população sejam acompanhadas diariamente evitando que as reivindicações não se transformem em letras mortas e
caiam no esquecimento. As propostas encaminhadas pelo governo como a
transformação da corrupção em crime hediondo; a destinação de 100% dos royalties
do petróleo à educação; a proposta de plebiscito para decidir sobre a reforma
política, entre outros encaminhamentos, são algumas das conquistas sociais,
deixando claro que tudo é possível, porém é necessário pressão.
O que ocorreu ultimamente no Brasil
despertou no imaginário da população que as conquistas somente se concretizadas
mediante pressões, que não é possível esperar a boa vontade das instituições
para fazer valer trabalhadores adquiridos e outros a serem conquistados. A
pressão deve ser mantida e outros movimentos deverão ser articulados com a
participação dos trabalhadores através dos seus sindicados reivindicando a redução
da jornada de trabalho para 40 horas; reforma tributária, que deverá taxar as
exportações de produtos primários e as grandes fortunas; a suspensão dos
leilões do petróleo e das privatizações dos minerais; a reforma urbana, com
prioridade no transporte público; controle das especulações imobiliárias; a
democratização dos meios de comunicações.
Se conseguirmos alcançar esses objetivos,
certamente teremos um país melhor para as futuras gerações, porém, mais do que
nunca, é preciso que cada indivíduo saia da sua zona de conforto, da sua
individualidade e entenda que estamos no mesmo barco, que vivemos numa mesma
aldeia chamada Brasil.
Prof. Jairo Cezar
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