A
irresponsabilidade histórica dos governos com as políticas de
mobilidade urbana
Até o início do século XX ainda não se
configurava no cenário brasileiro questões hoje complexas e de difícil solução como a
concentração demográfica, trânsito caótico com grandes congestionamentos,
ocupações em áreas de riscos, poluição generalizada, etc., pois predominava na
época a cultura do campo, da roça, cujo ritmo das pessoas era ditado pelo ciclo
das estações do ano, não pelos ponteiros dos relógios, que nos dão a sensação
de que o tempo está passando mais rápido, de que valemos pelo que produzimos e
não pelo que somos, sentimos, pensamos, acreditamos. Somos humanos e não
máquinas robotizadas guiadas por olhos poderosos que nos vigiam dia e noite,
ditando hábitos de consumo predatórios, padrões de beleza que exaltam o corpo,
a competição como caminho para o sucesso e a idéia de progresso condicionada à
elevação das taxas do PIB, como única condição possível para garantir saúde,
educação, segurança, mobilidade urbana entre outros benefícios à população.
Qualidade de vida não pode ser atribuída
apenas a aquisição de bens materiais, eletro domésticos, automóveis que tornam
o dia a dia das pessoas mais confortáveis. Não é esse o modelo de
desenvolvimento que a sociedade almeja, pautada na exploração, na exclusão que
privilegia uma pequena casta de abastados, protegidos por leis e múltiplas instituições
que acobertam as falcatruas com o dinheiro dos contribuintes. O que todos
desejam e esperam é que possa prevalecer a honestidade e a ética dos que administram
os recursos públicos, com maiores investimentos em áreas sociais, em especial o
transporte coletivo, considerado um dos principais gargalos das médias e
grandes cidades brasileiras. O problema vem se agravando em virtude das
políticas de incentivo as companhias automobilísticas transnacionais que
despejam a cada mês nas estradas e ruas brasileiras milhares de novos carros
comprometendo mais e mais a mobilidade e a qualidade do ar que respiramos.
É preciso discutir urgentemente novas políticas
públicas que dê preferência a formas alternativas de locomoção reduzindo assim
os problemas de mobilidade nas cidades. O uso da bicicleta, do ônibus, do metrô,
do trem são práticas comuns em muitas cidades européias e asiáticas. As
ciclovias, ciclofaixas há décadas vem se constituindo como itens obrigatórios
nos planos diretores de muitas cidades espalhadas pelo mundo como Nova York que
reflete na redução dos congestionamentos e no melhoramento da qualidade de vida
população. São iniciativas baratas que refletem nas contas públicas, mediante a
redução de internações hospitalares por acidentes de trânsito, doenças
cardiovasculares e a elevação gradativa da perspectiva de vida. Em relação ao
Brasil, ainda estamos engatinhando em comparação a outros países quando o
assunto é sustentabilidade nos sistemas de transportes ainda condicionada ao
automóvel.
No final da década de 1990 atendendo as
recomendações ditadas pela Conferência do Clima a Rio-92, a ONU recomendou aos países
integrantes as discussões para a construção de uma agenda de princípios e metas
para o desenvolvimento sustentável que deveriam ser inseridos nos programas a
partir do próximo milênio. No entanto pouca coisa saiu do papel nesses vinte
anos em que a agenda 21está vigorando. Uma das estratégias da agenda foi debater
políticas de produção de fontes alternativas de energias que substituíssem as
derivadas de matrizes fósseis. Ledo engano, tanto não reduziu como houve um
crescimento extraordinário da exploração e consumo dos derivados fósseis
chegando ao ponto de alertar as autoridades planetárias quanto aos impactos irreversíveis
ao clima global resultado do efeito estufa. Embora sejam insignificantes os
exemplos de países que desenvolveram políticas voltadas à sustentabilidade, a
cidade de Guthenburg, na Suécia, adotou um programa para o reaproveitamento do
lixo orgânico, transformando-o em gás que abastece milhares de residências. No
Brasil, dos mais de cinco mil municípios existentes, apenas 1.300 agendas foram
elaboradas, não sendo sequer formados os fóruns exigidos para discussões com a
sociedade.
Embora as etapas da agenda 21 não tenham
sido cumpridas na sua integridade, outras legislações foram criadas
posteriormente como o Estatuto das Cidades que define parâmetros de como os municípios
brasileiros deverão elaborar seus planos diretores seguindo princípios de
sustentabilidade e de participação coletiva. O que se constata quando das
discussões dos planos diretores é que os documentos em si relativos aos
aspectos meio ambiente e mobilidades urbanas apresentam avanços significativos,
porém deixam dúvidas quanto a sua aplicabilidade, devido às disputas de
interesses envolvendo grupos de interesses. Talvez aí estaria um dos impasses
ou obstáculos que levou apenas nove capitais brasileiras a avançassem nas
discussões dos seus planos de mobilidade urbana. Nota-se que temas como esse
vem se tornando o calcanhar de Aquiles dos administradores públicos municipais
que se traduziram nas insatisfações que motivaram os levantes da população que
foram às ruas protestar contra os elevados preços das passagens e demais problemas
que afetam o dia a dia das pessoas.
Um problema que se arrastava há décadas,
que é o da mobilidade urbana cujo governo federal e os administradores
municípios pouco se interessavam em solucionar, de repente, com num passe de
mágica, em rede nacional de rádio e televisão, o governo federal anuncia que
disponibilizará recursos para solucionar o caos do trânsito das grandes
cidades. A proposta do governo é subsidiar o transporte coletivo com a
desoneração do PIS/CONFINS para o óleo diesel a energia elétrica destinada para
o funcionamento de metrôs e trens. Além do mais o governo criará o Conselho
Nacional de Transportes Coletivos com a participação dos vários seguimentos da
sociedade que estabelecerão normas quanto aos custos e valores das passagens a
serem cobradas pelas empresas.
O próprio governo recomendou aos municípios
com mais de vinte mil habitantes que terão até o ano 2015 para apresentar seus
planos de mobilidade urbana, pois, caso não o façam, estarão impossibilitados
de obter recursos federais para esse fim. Os
planos municipais de mobilidade urbana precisam estar alinhados com os planos
setoriais de transportes e mobilidades urbanas para mitigação e adaptação às
mudanças do clima e vice versa. Ou seja, os municípios mais do que nunca devem
estar atentos. Se
tais medidas forem executadas que resultem no melhoramento da infraestrutura
das cidades com ciclovias, ciclofaixas, faixas exclusivas para ônibus, metrôs,
entre outros, estará se vivenciando um novo ciclo social que integrará
indivíduo e ambiente através do fortalecimento dos laços de solidariedade entre
os sujeitos que se utilizam dos mesmos espaços públicos tendo o compromisso de
conservá-los. São utopias que poderiam se materializar caso os governos
adotassem medidas mais austeras com o grande capital, especialmente o setor automobilístico
que resistirá ao máximo às políticas inovadoras no campo da mobilidade urbana
em decorrência dos vultosos lucros que lhes são proporcionados conservando o
atual modelo.
O sistema de transportes automotores
representa hoje no planeta um quarto do total de consumo de energia. Somente no
Brasil, esse sistema é o segundo em emissão de CO2 na atmosfera. Há estimativas
que em 2020, mantendo esse ritmo de crescimento da indústria automobilística,
haverá um aumento de 60% de gases poluentes liberados à atmosfera em relação ao
ano de 2009.
Em se tratando de políticas de
mobilidade urbana no município de Araranguá o processo não é diferente dos
demais municípios brasileiros que ainda estão na espera das conclusões das
etapas relativas dos seus planos diretores. Com o retorno das reuniões que
ainda não foram agendadas, os delegados envolvidos nos debates do plano diretor
de Araranguá certamente concentrarão os esforços para tratar da conclusão do
tema mobilidade, que deverá receber total atenção dos mesmos e cuja população não
poderá se eximir de participar quando o documento entrar na câmara de
vereadores para discussão e aprovação.
Uma das virtudes do município de
Araranguá na questão mobilidade é quanto a sua geografia que apresenta um
relevo plano com condições excepcionais para políticas públicas de incentivo ao
uso de bicicletas como meio de transporte. Além do aspecto geográfico outro
elemento motivador para o uso é a dimensão das ruas das quais foram planejadas com
a perspectiva de que no futuro tivesse tal finalidade. Sendo assim, o Capítulo
III do Plano diretor, no seu Art. 9, inciso V, o mesmo destaca que é necessário
desenvolver plano cicloviário municipal prevendo a implantação de malha de
ciclovias e ciclofaixas, como a ordenação e a educação para o seu uso.
Por estar o centro do município de
Araranguá a uma distância aproximada de 12 quilômetros do seu principal
balneário, Morro dos Conventos, a rodovia que faz ligação ao balneário, de acordo
com o Artigo 70 relacionado ao Plano Diretor Municipal no item mobilidade
urbana o mesmo determina que à bem da qualidade de vida dos munícipes e do
desenvolvimento turístico e ecológico da cidade, o poder público promoverá a
implantação e o uso do sistema cicloviário municipal. A expectativa dos
munícipes que diariamente se utilizam de suas bicicletas para ir ao trabalho ou
para se exercitarem é de que a
construção de ciclovias e ciclofaixas contidas no plano diretor e no programa
de campanha do partido dos trabalhadores sejam concretizadas na atual gestão.
Prof. Jairo Cezar
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