A precarização da saúde pública no
Brasil
As grandes transformações ou revoluções
no mundo ocidental moderno ocorreram a partir da primeira metade do século XIX das
quais resultaram na constituição dos estados nacionais, com suas fronteiras
estabelecidas e um sistema de governo protegido por normas constitucionais. São,
teoricamente, a partir dessas normatizações e dos impostos cobrados que cada
cidadão e cidadã passaram a ter garantia do Estado Republicano as condições mínimas
para uma existência digna e segura. Saúde, educação, seguridade social, entre
outros benefícios, tornaram-se atribuições obrigatórias dos governos eleitos,
especialmente nos períodos pós-guerra. Porém, é importante ressaltar que tais
conquistas sociais se deveram às pressões dos trabalhadores e dos sindicatos
fortemente influenciados por idéias anarquistas, socialistas e comunistas.
Outro aspecto importante e que deve ser ressaltado
é quanto a universalização dos benefícios sociais ou estado de bem estar social
que perdurou até o começo da década de 1970. Diante das transformações no mundo
do trabalho associada as inovações tecnológicas, o sistema capitalista assume
uma nova configuração pautada na redução do tamanho do Estado e na
flexibilização das relações entre trabalhador e patrão. Com o esgotamento do
modelo fordista de produção justificada pelas excessivas benesses oferecidas
pelo Estado assistencialista, uma extraordinária reforma estrutural entrou em
cena na qual recebeu a denominação de neoliberalismo. O objetivo agora era transferir
à iniciativa privada a gestão dos principais seguimentos produtivos e de
serviços como energia, bancos, comunicação, transportes, etc. A garantia dessas
reformas no Brasil se deu com a promulgação da Constituição de 1988, na qual
lançou os fundamentos para as futuras reformas dentre elas a educacional e
previdenciária, flexibilizando ou extinguindo leis que asseguravam direitos adquiridos
constitucionalmente.
A promulgação da Constituição de 1988
embora tenha sido interpretada pelos gerenciadores do capital como um grande
avanço, nada mais foi que a garantia de assegurar-lhes maiores poderes sobre as
riquezas naturais e os subsídios públicos antes destinados exclusivamente à educação,
saúde, etc. Se a promulgação da constituição tinha por objetivo melhorar as
condições de vida da população, o que se constatou nesses quase quinze anos de
vigência é um cenário desolador, de corrupção atingindo quase todos os
seguimentos da máquina pública, de uma população desassistida e descrente da
política, e uma perspectiva pessimista de futuro.
Um dos setores mais afetados e
desassistidos pelas políticas governamentais é o da saúde cuja população mais
necessitada não podendo recorrer aos planos de saúde para atender suas
necessidades emergenciais tornam-se reféns dos ambulatórios e hospitais
públicos que não atendem as mínimas condições estabelecidas pelo artigo 196 da
Constituição Federal quando diz que saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visam a redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Os parlamentares constituintes quando elaboram
esse artigo supõe-se que tinham consciência de que tal proposta jamais seria
concretizada diante de uma estrutura econômica que se nutre não da saúde do
povo, mas da doença, e que empurrou para as corporações que controlam os planos
de saúde nada mais e nada menos que 60 milhões de pessoas. É bem possível que
entre os parlamentares envolvidos nessa discussão muitos representavam os
interesses das corporações vinculadas aos cartéis da saúde ou da doença. A debandada da população por planos particulares
reflete o fracasso do sistema público de saúde SUS, que a partir da sua implantação
o governo deveria ter criado mecanismos para protegê-lo da cultura corrupta e
perversa que invade os interstícios das administrações estaduais e municipais.
Outro aspecto preocupante acerca dos
hospitais públicos atendidos pelo SUS é quanto ao modo como estão sendo gerenciados,
pois, de acordo com o artigo 197 da Constituição a lei garante autonomia ao
executivo estadual para transferir a administração dos hospitais públicos à
iniciativa privada, por meio de parceria público privadas como as (OS)
Organizações Sociais, (FEDPS) Fundações Estatais de Direito Privado; (OSCIPS) Organizações
da Sociedade Civil de Interesse Público e (EBSER) Empresas Brasileiras de
Serviços Hospitalares.
Não precisamos ir muito longe para encontrar
exemplos de irregularidades no que tange a aplicação dos recursos públicos à
saúde. O caso do Hospital Regional de Araranguá se encaixa perfeitamente nas
políticas privatistas articuladas pelo governo do Estado no qual a própria
constituição federal lhe faculta todo suporte legal. Em países mais organizados
exemplos como o do hospital público de Araranguá, a empresa responsabilizada pelos
crimes de favorecimento do dinheiro, seus administradores seriam detidos e
condenados a prisão.
Raros são hospitais públicos que cumprem
na integra os dispositivos constitucionais, sendo visível o descaso com a
população. Problemas como instalações precárias, insuficiência de leitos,
pacientes em macas espalhadas pelos corredores, falta de profissionais
capacitados, entre outros, se tornaram práticas corriqueiras e noticiadas quase
que diariamente pelos telejornais. Ao mesmo tempo em que dezenas ou centenas de
hospitais públicos sofrem com o sucateamento, com a escassez de materiais
básicos como algodão, seringa, etc., o governo brasileiro irá gastar até 2014
visando a realização da copa do mundo cifras equivalentes a cem bilhões de reais,
sem contar outros bilhões para as olimpíadas no Rio de Janeiro em 2016. Afinal
o que seria mais importante nesse momento saúde o futebol? Talvez para o
governo o futebol seja mais importante, pois, na hipótese do Brasil sagrar-se
campeão, e por ser um ano eleitoral, a população ainda hipnotizada ou ofuscada pelo
ouro da taça, garantiria nas urnas a permanência no poder por mais quatro
anos.
As campanhas articuladas pela CNTE
(Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) um braço político do
governo federal para elevar em 10% do PIB os gastos com a educação, na saúde
vem ocorrendo processo semelhante. O que poucos sabem é que em 2012, o governo
federal promoveu corte de cinco bilhões de reais do orçamento público para a
saúde. São recursos que certamente contribuiriam para minimizar o caos que se
abate sobre os hospitais públicos conveniados ao SUS (Sistema Único de Saúde).
A campanha nacional que visa arrecadar um milhão e meio de assinatura
denominada Saúde Mais 10 teve a iniciativa da câmara de vereadores de Araranguá
que aproveitou o “Dia Mais”, promovido pela CDL, para instalar na praça central
estande para coletar assinaturas.
Tal iniciativa também foi desenvolvida
no município de Sombrio cujo protagonista foi o deputado estadual José Milton
Sheffer, do PP (Partido Progressista), e integrante da base de sustentação do
governo Raimundo Colombo, principal pivô das críticas recebidas nas últimas
semanas sobre as denúncias de corrupção envolvendo a organização social que
administrou o Hospital Regional de Araranguá.
Em reportagem publicada por um
jornal de circulação diária cuja manchete dizia Saúde Mais 10, quando uma
cidadã foi questionada sobre tal iniciativa, a mesma respondeu que “o trabalho
merece nosso apoio, pois além de esclarecer a todos a situação da saúde, é uma
forma de fazer a diferença e mostrarmos ao governo que queremos mudança”. Tal
mudança sugerida pela cidadã acredita-se que estava se referindo às urnas não
votando nos candidatos do executivo e legislativo que elaboram e aprovam
projetos contra os trabalhadores especialmente os da educação pública. Um
exemplo para elucidar foi a PLC (Projeto de Lei Complementar) 026/11, que nivelou por baixo o salário de todos os
profissionais da educação, como também a extinção
dos Prêmios Educar e Jubilar; do Prêmio Assiduidade; a diminuição da
porcentagem da Regência de Classe, do valor das aulas excedentes, entre outros.
Deveria saber a cidadã que o partido no qual o
deputado é filiado compactua com as políticas do governo do estado que vem
sendo responsabilizado pelo caos que atingem as áreas da saúde e da educação
públicas. Em âmbito federal o partido do
deputado também integra a base de apoio da atual presidente que para atingir as
metas de crescimento econômico do PIB e conter a inflação, cortou, em 2012, investimentos
já aprovados para a saúde. A proposta do
abaixo assinado é transformá-lo em projeto de lei de iniciativa popular que
elevar os investimentos do PIB à educação de cinco para 15%. Em 2011, o percentual gasto na saúde foi de
3,6% do PIB ou US$ 109 bilhões. Para aproximar os gastos a países como Alemanha
e Austrália seriam necessários mais 2% ou US$ 83 bilhões.
Se for incluído os gastos com planos de
saúde e atendimentos particulares as cifras chegam a 8,4%, metade do valor
investido nos EUA e ainda abaixo do que investem os países que integram a
(OCDE) Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que é de 9%.
Portanto quando se pensou na promoção do abaixo assinado a idéia era pressionar
o governo a disponibilizar mais 40 bilhões para a saúde, que é pouco. A
pergunta que não quer calar, esses quarenta bilhões reivindicados serão apenas
disponibilizados para o setor público?
Atendendo as determinações
constitucionais, as políticas públicas adotadas pelos últimos governos federais
vêm em direção a descentralização dos serviços essenciais, ou seja, a transferência
às instâncias estaduais e municipais às responsabilidades por suas gestões.
Para ter uma idéia em 1980, o governo federal tinha o compromisso de investir 75%
dos recursos à saúde pública, os estados participavam com 18%, enquanto que os
municípios, apenas 7%. Trinta anos depois, a situação se inverteu. A
participação do governo federal reduziu para 45%, os estados teriam que
disponibilizar 27% e os municípios pulou para 28%. O que se constatou foi um
progressivo deslocamento das responsabilidades do financiamento da saúde para
os municípios.
Esse
processo de municipalização dos serviços essenciais, sua ineficácia é
resultante de uma cultura política viciada, de administrações corruptas que se
utilizam do dinheiro e da máquina pública para favorecer partidos de base
aliada e apadrinhados que irão determinar o resultado dos pleitos eleitorais. Portanto,
enquanto tal cultura continuar permeando os interstícios das administrações
municipais qualquer política de municipalização deve ser encarda com
desconfiança.
É imprescindível desconstruir conceitos
errôneos como da municipalização que é amplamente difundido como sinônimo de
eficiência e vantajosa para a sociedade. O que se vê são políticas fragmentadas
e descontínuas nas áreas da educação e saúde envolvendo as instâncias federais,
estaduais e municipais. A federalização de tais sistemas imputaria ao governo
federal a responsabilidade pelo planejamento, gestão, contratação, valorização
e distribuição dos recursos financeiros, atendendo de forma igualitária todos
os municípios. Não é possível um país como o Brasil que tem uma das maiores
arrecadações de impostos do mundo e cuja população é pressionada a recorrer aos
planos de saúde e escolas particulares para suprir necessidades básicas.
O problema, como se vê, não está na
escassez de recursos, mas na forma como o mesmo é gerido. O repúdio por tais
abusos e irresponsabilidades deveria partir especialmente da classe média
brasileira que explicita seu conformismo recorrendo aos planos de saúdes,
segurança privada e escolas particulares para seus filhos. Com essa postura vai
se internalizando todo um sentimento de impotência e isolamento, um salve-se quem
puder. Os cidadãos e cidadãs quando são consultados acerca dos problemas em
curso, ambas de forma unânime admitirão que a corrupção nas instâncias dos
poderes seja o que está levando a tal situação. No entanto, quando da
realização de novas eleições, os mesmo políticos severamente criticados e suspeitos
de irregularidades, são reeleitos, permanecendo o ciclo.
É
necessário esclarecer a todos e a todas que diante do atual modelo econômico,
as políticas públicas que estão sendo implementadas têm como princípio o
mercado, o lucro e a perpetuação das desigualdades que alimenta o sistema. É
com essa política que o Brasil vem disputando as primeiras posições como nação mais
desigual, corrupta, intolerante, violenta do mundo. Romper esse quadro de
perversidade e desigualdade exige profundas transformações estruturais, especialmente
no campo educacional que oportunize as pessoas a compreenderem que o planeta
terra é um sistema vivo e complexo, que nossa existência e das demais espécies
vivas depende do modo como nós nos comportamos nesse frágil globo. Chegar a
esse nível de compreensão significa atingir a maturidade e a capacidade de
perceber que vida plena ou qualidade de vida jamais pode ser atribuição de uma
sociedade tão desigual, injusta como a nossa.
Prof. Jairo Cezar
Nenhum comentário:
Postar um comentário