Breves
Reflexões Acerca dos Efeitos dos Vetos
do Código Florestal Para o Município de Araranguá
Está chegando ao fim a saga de um Código
Florestal que era compreendido por expressiva parcela da comunidade científica
nacional e internacional, ambientalistas e demais setores da sociedade civil
como uma das leis mais avançadas do mundo. No entanto, desde a sua promulgação
no começo do regime militar, a certeza da sua aplicabilidade começou a ser
questionada, pois, motivada pelo “espírito” desenvolvimentista, coube aos
governos militares limitar ao máximo as barreiras que restringissem o boom
econômico.
Por ser a agricultura um dos pilares da economia, uma legislação como o
código florestal não seria capaz de limitar a fúria do capital predatório
impedindo a destruição progressiva dos biomas brasileiros, especialmente a mata
atlântica e a floresta amazônica, que no
início da década de 1970, se transformou
em área cobiçada pelo governo para implantação de projetos de custos
milionários como a construção da rodovia
transamazônica que jamais foi concluída. Além da construção da rodovia
transamazônica, é oficializada a política de expansão da fronteira agrícola em
direção norte dos pais, ou seja, milhões
de hectares de terras ocupadas por florestas são transformadas em áreas
agricultáveis, atraindo milhares de pessoas das regiões sudeste e sul para o
novo eldorado.
Décadas mais tarde, já com a
redemocratização política, os programas desenvolvimentistas, agora com um
escopo mais “humanístico”, continuaram ocupando as páginas dos programas de
governo. Aquela velha máxima de “Crescer o Bolo para depois distribuir” recheava
os discursos de governos conservadores e de neo-progressistas de base popular. Embora o “bolo” tenha crescido em proporções
elevadas, sua distribuição não ocorreu seguindo o mesmo patamar. O Brasil continuou sendo uma das nações mais
desiguais do planeta, com graves problemas sociais e cujos reflexos são
percebidos no campo educacional, que coloca o país num posto ridículo de 88º
entre as nações com pior desempenho educacional.
O duvidoso boom econômico que passa
nação brasileira abriria expectativa para um desenvolvimento verdadeiro se a
mesma não tivesse sido alicerçada numa política de consumo e exploração
exacerbada dos recursos naturais. Expandir ao máximo as fronteiras agrícolas
similar à época dos militares, associada à fragilização das barreiras que
restringe o progresso passou a ser quase que unanimidade entre os congressistas
brasileiros representantes do agronegócio, que defendem a reformulação imediata
do Código Florestal Brasileiro.
Para atingir os objetivos
desejados, o primeiro passo foi conquistar a opinião pública lançando uma falsa
ideia de que o atraso agrícola estava
condicionado ao código florestal que estabelecia excessivas restrições ao progresso. O que não foi
explicitada à população quando da apresentação do projeto é que o verdadeiro
objetivo da sua criação era anistiar, inocentar aqueles que estavam na
ilegalidade, que não respeitaram a legislação em vigor. De acordo com o Código
Florestal de 1965 as regras eram muito claras quanto aos limites permitidos
para ocupação urbana, produção agrícola e o percentual de vegetação de Reservas
Legais e APPs que deveriam ser conservados.
Se o código florestal que estava em
vigor fosse realmente cumprido na sua integridade, muitas das tragédias
climáticas ocorridas no Brasil nas últimas décadas, como as enchentes de
Tubarão e Araranguá, em 1974; vale do Itajaí em 1983, e outras catástrofes mais
recentes na região serrana do Rio de janeiro, litoral de São Paulo e no próprio
estado de Santa Catarina, os impactos poderiam ter sido amenizados, com o
mínimo de perdas humanas.
Os efeitos dessas tragédias, como
se notou, foram ainda maiores em áreas em que o código florestal deixava explícito
a não permissão da ocupação, como as margens de rios e encostas de morros. A fragilidade das administrações públicas, alimentada
por processos eleitorais viciados e
corruptos, com a eleição de prefeitos e vereadores descompromissados com as
causas sociais e ambientais, contribuiu e vem contribuindo para o agravamento
dos problemas em quase todos os municípios brasileiros, e cuja solução, que
deveria ser o respeito às leis orgânicas e planos diretores, seguem o cominho
inverso, que é legalização de ilegalidade.
Levando em consideração o município
de Araranguá, cuja expressiva a área do território é cortada por um rio com uma
largura média 100 metros, a legislação de 1965, não deixava dúvidas quanto à
ocupação imobiliária e agrícola em suas margens. O código estabelecia que fossem
consideradas áreas de APPs, toda área de
várzea sujeita a inundações, sendo permitida a ocupação humana e agrícola a
partir do limite máximo da maior enchente ocorrida. Se analisarmos as imagens
da enchente de 1974, considerada uma das
maiores da história do município, toda extensão coberta pela águas se
caracteriza como várzea, portanto deveria ser evitada sua ocupação.
Porém, por ser uma área com boa
fertilidade em decorrência das inúmeras cheias que vem se repetindo ao longo do
tempo, que permite a deposição de humos em toda área que margeia o Rio Araranguá,
quase toda floresta nativa existente foi removida dando lugar à rizicultura
mecanizada, um tipo de agricultura que aproveita tanto a topografia do local
como também da própria água do rio para a irrigação. Nesse aspecto, a
legislação do Código Florestal foi totalmente desconsiderada em prol do
econômico. Em relação a esse tema, a postura da Presidente da República, quanto
encaminhou os vetos, foi sancionar o Art. 4 e § 9 que não
considera Área de Preservação Permanente as várzeas fora dos limites previstos.
O Art. 61-A do novo
código florestal considerará área de várzeas em Araranguá a partir do limite de
15 metros da borda do rio. Esse cálculo que determina as APPs das margens de
rios recebeu a denominação de escadinha, que vai aumentando as áreas de mata
ciliar, proporcionalmente ao tamanho da propriedade. A unidade de medida
adotada para avaliar a extensão da propriedade será sob a forma de Módulos
Fiscais. Quanto maior a fertilidade do
menor será o número de hectares necessários para o cálculo do módulo rural. O
solo do município de Araranguá, por apresentar uma satisfatória fertilidade, ficou
definido que o tamanho de cada módulo fiscal terá uma área aproximada de 10 hectares.
Diferente das regiões centro oeste e norte, devido às características do solo,
os módulos fiscais atingem cifras superiores a 100 hectares.
Admitindo que expressiva
parcela das propriedades rurais do município de Araranguá abrange cifras
equivalentes a 4 módulos fiscais para cima, ou seja, 40 a 100 hectares, o novo
código florestal obriga o proprietário a recomposição da mata ciliar numa faixa
de 15 metros, a partir da borda do rio, podendo estar integradas com espécies
nativas e exóticas originárias do mesmo bioma. Porém, esse dispositivo
certamente gerará um impasse de complexa solução para o poder público
municipal. Como ficam os proprietários que respeitaram a legislação mantendo
preservada a mata ciliar muitas delas acima dos limites exigidos? Aproximadamente
98% de toda extensão do Rio Araranguá, a mata ciliar foi quase que totalmente
retirada, aquelas que foram mantidas, estão abaixo do limite estabelecido que seja
de 15m.
Que medidas deverão
serão tomadas para fazer com essa lei seja cumprida, exigindo do proprietário a
reposição da mata ciliar estabelecida por lei e ao mesmo tempo criar
instrumentos que beneficie aquele proprietário que cumpriu a legislação? Há
casos em Araranguá onde duas propriedades vizinhas são cortadas pelo mesmo rio,
porém, uma delas manteve uma fina faixa de vegetação que não ultrapassa os 5m,
enquanto que a vizinha, supera os quinze metros. A lógica do bom senso define que
o proprietário irregular deverá, pelo menos,
recuperar a vegetação até o limite dos 15 metros.
Fazer cumprir a legislação
será tarefa do poder público municipal com a participação do órgão ambiental e
demais entidades em especial o Comitê da Bacia do Rio Araranguá que poderá dar
assessoria. A dúvida, porém, é em relação à imparcialidade dos órgãos cuja
função é a aplicação da lei. Ou será que, mais uma vez, estaremos diante de uma
legislação de faz de conta, que pouco ou nada contribuirá para reverter à
progressiva degradação de nossas florestas. Acredita-se que essa possibilidade
será a mais provável diante da fraca cobertura da imprensa ao tema,
esclarecendo detalhadamente os pontos principais da legislação.
Um dos caminhos
possíveis para viabilizar a aplicabilidade da legislação, é a estruturação o sistema
de registro fundiário, uma espécie de detalhadamente detalhado do campo, identificando
os limites de cada propriedade, tipo de vegetação, área preservada e o que deve
ser recuperada. Evitar o que vem acontecendo em estados como o Pará, situado na
região norte do país, onde foram constatados, com base em investigações feitas
em cartórios do estado, números absurdos de registros fictícios de terras que
somados ultrapassam a dois Parás. Para
tentar reverter tais anormalidades estruturais no campo, o Código Florestal institui
o CAR (Cadastro Ambiental Rural), um levantamento eletrônico e fidedigno das
propriedades, coordenado pelo governo federal, que dará garantia de controle
sobre as mesmas, evitando situações como a que vem ocorrendo no estado do Pará.
Além do CAR, o Código Florestal, por meio do Art. 59, cria também o Programa de
Regularização Ambiental, que autoriza os
donos de terras, num prazo de um ano após a promulgação da lei, a regularizarem
suas propriedades, cujo documento deverá constar estratégias de reposição da
vegetação das áreas de reserva legal e Apps, sob pena da não observância da
lei, incorrer sanções como dificuldade de proferir empréstimos de bancos
oficiais.
No município de
Araranguá, acredita-se que as atribuições do CAR e PRA, sejam de
responsabilidade do poder público estadual – EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Santa Catrina) e municipal, FAMA (Fundação Ambiental do Município de Araranguá). Tendo em
mão a radiografia fiel das propriedades, localização, tamanho e áreas
destinadas à agricultura, Reserva Legal e APPs, o poder público municipal terá facilidade para
coordenar e monitorar as ações dos produtores agrícolas, acompanhando passo a
passo todas as etapas e alertando-os caso não estejam respeitando os prazos estabelecidos.
Durante os cinco anos, contado da data da entrega do Programa de Regularização
Rural, o proprietário será monitorado, alertando-o da sua obrigação ambiental
evitando desse modo às penas da lei que poderá ser o cancelamento imediato de
seu cadastro aos órgãos financeiros. É importante ressaltar que no relatório o
proprietário poderá combinar junto com as espécies nativas, as exóticas,
excluindo do texto, as frutíferas, pois, segundo argumentação do governo, não
haveria possibilidade de controlar as espécies, impactando o ambiente.
Por ser o Brasil um
país que apresenta uma estrutura geológica irregular, terrenos ondulados,
cortado por grandes, médios e pequenos rios e riachos, a polêmica da vegetação nas
encostas de morros e principalmente às margens dos cursos d’água vem se arrastando
há quase um século, quando foi criação
do primeiro código floresta em 1934. Nesse momento já se tinha clareza da necessidade
de manter preservados esses ecossistemas. Porém, o que se notou décadas mais
tarde foi o total descumprimento da legislação, cujas justificativas utilizadas
são inúmeras, prevalecendo, é claro, o econômico. Em relação à Bacia do Rio
Araranguá, por estar à mesma situada numa planície interconectada por dezenas
de afluentes ligados ao principal afluente cujo nome é Rio Araranguá, um dos
principais problemas que essa região vem enfrentando atualmente são as
inundações freqüentes causando sérios prejuízos à população e à economia
regional. É unânime entre os habitantes da região em afirmarem que tais ciclos
de cheias vêm se repetindo há milênios e que os problemas são mais recentes, principalmente
a partir da chegada dos imigrantes que estabeleceram seus povoados e plantações
às margens dos rios, removendo toda a vegetação protetora existente.
Embora seja quase impossível deslocar a população situada nas
áreas de riscos, o que é possível fazer para amenizar os impactos é recuperar
parcela da floresta ciliar destruída, transformando em barreira natural contra
a sedimentação do solo e assoreamento dos rios. O processo pode ocorrer por
meio de projetos de educação ambiental, que poderá ser coordenado pelo Comitê
da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá. No entanto, essas políticas devem ter
abrangência em toda região de abrangência da bacia e devem ser contínuas
envolvendo toda população. Não há outro caminho a seguir que não seja o da
conscientização. Que a adoção de práticas sustentáveis de culturas, protegendo
parcela significativa das florestas trará equilíbrio ao ecossistema e certeza
de que a futuras gerações poderão dar continuidade ao ciclo produtivo.
Prof. Jairo Cezar
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