Eleições
Municipais e o Mercado do Voto em Araranguá
É inegável que tanto o
regime de governo republicano como a democracia foram os dois principais legados
deixados pelas antigas civilizações ocidentais Greco/romana e que serviu de inspiração para as demais sociedades contemporâneas. Porém, é
importante ressaltar que a democracia grega ou ateniense, sua eficácia, se
limitou a uma minúscula fração da população, constituída por homens livres e
ricos, aptos para governar e escolher seus governantes, cujo pleito eleitoral
ocorria em praça pública, sob a forma de aclamação popular.
Embora tais civilizações
tenham se extinguido há muito tempo, esse modelo de organização política foi
mantido, adquirindo nova configuração a partir do século XVIII, momento que as
monarquias absolutistas norte americana e francesa foram suprimidas, dando
lugar para a República. No entanto, esse processo de lutas sangrentas contra os
regimes absolutistas tiranos, que provocaram a morte de milhares de pessoas,
nada mais foi que uma bem tramada manobra política teatralizada, articulada pela
classe burguesa, cuja ascensão ao poder foi conquistada graças às promessas de pão
e liberdade à população.
Embora as promessas de pão
e liberdade para todos não tenha se concretizado como fora prometido, pois o
sistema republicano burguês se alimenta das carências de ambos, um elemento positivo
e que deve ser considerado em tal regime é em relação ao sufrágio universal ou
voto universal, que garante aos cidadãos e cidadãs, pleno direito de escolher,
de forma livre e consciente, seus representantes. É importante também
esclarecer que o direito universal ao voto foi uma conquista recente, especialmente
no Brasil. Antes, as eleições se restringiam aos “bem nascidos”, os que
possuíam rendas, propriedades, estando excluídos (as) os (as) escravos (as),
mulheres, religiosos (as) e demais cidadãos (ãs) “mal nascidos (as)”.
Porém, nem todas as
sociedades que adotaram o regime republicano, como a brasileira, inspiradas nos
ideais do positivismo colocaram em prática os princípios de igualdade,
liberdade e fraternidade. O Brasil, embora tenha proclamado a República há
pouco mais de cem anos, continua ainda hoje submetido aos vícios políticos do
período colonial. A figura do coronel/chefe, cabo eleitoral, voto do cabresto,
continuam ainda vivos e presentes nos pleitos eleitorais, principalmente nos
municípios pequenos e médios do interior.
No caso de Araranguá
tais procedimentos vinculados a figura do coronel ou de uma liderança política
populista, vêm se repetindo desde a emancipação política. No começo, ou seja,
no período em que o partido republicano era o único em condições de concorrer
os espaços do executivo e legislativo,
as disputas convergiam entre duas facções do mesmo partido, cujos pleitos se
transformavam em verdadeiras batalhas campais, geralmente sagrando-se vitorioso
o candidato ou o coronel, proprietário de terras, com forte influência sobre os
demais setores da sociedade como delegados, juízes, párocos e de uma infinidade
de apadrinhados ou cabos eleitorais, figuras imprescindíveis na condução e no
resultado do pleito eleitoral.
Nas primeiras décadas
do século XX, a instituição com quase nenhuma credibilidade popular era a do
judiciário. Primeiro porque esse poder carecia de uma estrutura que lhe
garantisse certa autonomia frente aos poderes constituídos como o judiciário.
Segundo, os juízes que atuavam nas comarcas, por estarem vinculados ao
executivo estadual, tinham suas atribuições monitoradas e, dependendo da
postura do governo estadual com uma das facções, as possibilidades de
transferência para outra comarca eram quase que certa, porém, isso dependeria é
claro da sua conduta no município.
Embora a política dos
coronéis tenha aparentemente perdido força com a institucionalização do Estado
Novo quando os governos municipais passaram a ser indicados pelo chefe do
executivo estadual, o começo da década de 1950 se configurou como o período da
renascença política araranguaense, quando as antigas forças oligárquicas
reconquistam o poder, apresentando um discurso que traduzia as inovações de
caráter modernista no campo econômico e social.
Diferente da Primeira República em que as
forças políticas orbitavam no Partido Republicano, a redemocratização política
pós Estado Novo fez surgir no cenário nacional e municipal, duas novas siglas
partidárias, a UDN e PSD, que se transformaram em refúgio das antigas e novas
elites, que em nada se diferenciavam acerca das suas plataformas políticas.
Estar no poder tanto uma quanto a outra sigla pouca diferença fazia à
população, pois em nada alteraria o quadro das desigualdades, da miséria e dos problemas na educação e na saúde do
município. Porém, quando o assunto era eleição as diferenças, as rivalidades,
as disputas pelo poder ficavam nítidas entre ambas e entravam em cena um
verdadeiro batalhão formado por lideranças políticas, fanáticos partidários e
cabos eleitorais, cujos instrumentos adotados para convencer o eleitor a votar
no candidato de sua preferência, mantinham-se incompatível aos preceitos de um
regime verdadeiramente republicano, em que deveria prevalecer a democracia.
Como querer que
práticas republicanas e democráticas fossem evidenciadas quando o próprio
regime na qual deu sua origem, o capitalismo, dependia da sua inoperância, do
desrespeito as regras constitucionais, do apadrinhamento, do assistencialismo e
de práticas administrativas viciadas que deixavam a população numa condição de
dependência mórbida do Estado e cujo período eleitoral consistia em um momento
oportuno para obter alguns benefícios particulares.
No regime militar,
diferente do que ocorreria em âmbito federal e estadual, o processo eleitoral
nos municípios foi preservado. Prefeitos e vereadores continuaram sendo eleitos
de forma direta, porém, as campanhas eleitorais viciadas e as formas de
convencer o eleitor a decidir a quem votar também foram conservadas. Os cabos
eleitorais além de coagir moralmente os eleitores para extorquir seu voto,
utilizaram-se, descaradamente, de práticas fraudulentas que se perpetuariam durante
as décadas posteriores quando o sistema de eleição manual foi substituído pela
Urna Eletrônica. Dentre as irregularidades praticadas durante o processo
eleitoral algumas podem ser destacadas como o eleitorado fantasma, a
adulteração das atas eleitorais, suborno e a compra de votos.
O que realmente motivou
a aplicação da urna eletrônica foram as práticas corruptas na qual as eleições
eram processadas, dando nítida clareza de que os candidatos concorrentes às
vagas do executivo e legislativo já sabiam antecipadamente se seriam eleitos ou
não graças ao patrulhamento dos cabos
eleitorais controlando os eleitores no momento de depositar o voto à urna e
também durante a contagem dos mesmos.
Toda essa preocupação
acerca das ilicitudes eleitorais não foi solucionada com a adoção da Urna
Eletrônica. O problema, portanto é bem mais complexo, e deve ser resolvido começando
pela raiz, ou seja, pela construção de uma nova cultura política que prime práticas
cooperativas, de participação nas discussões dos problemas que são comuns a
todos e na escolha consciente de representantes éticos e comprometidos com o bem-estar
da sociedade.
Como atingir esse nível
de maturidade numa sociedade em que esmagadora parcela da população desacredita
de seus políticos e define a eleição como momento de barganhar o voto, ou seja,
negociá-lo por algum bem material ou favor. Ficou claro, nas eleições
municipais de 2012, que a crise ética que assola as estruturas do poder
brasileiro reflete diretamente no conjunto da sociedade. Se a lei da ficha suja
foi criada para dar um pouco de credibilidade à política brasileira, tirando de
circulação políticos oportunistas e
corruptos, a mesma deveria valer para o restante da sociedade. Sua aplicabilidade, certamente, exigiria do
estado investimentos milionários para a construção de novos presídios, pois os
existentes não comportariam a demanda.
O resultado das
eleições municipais em Araranguá deixou um rastro de dúvida quanta a sua
legitimidade, tamanho foi a quantidade votos depositado às urnas em troca de
algum benefício. Afinal quem seriam os culpados por tamanha insensatez, os
próprios candidatos ou a população. É importante não esquecer que o papel dos
vereadores eleitos é fiscalizar os atos do executivo, legislar e fazer cumprir
a legislação. Portanto são os representantes do legislativo as principais
referências da sociedade quanto a sua postura ética.
Até que ponto a
sociedade, especialmente os eleitores que comercializaram seu voto possuem
alguma moral para cobrar dos seus candidatos promessas de campanha. Romper com esse ciclo vicioso de corrupção
que contamina as estruturas da sociedade é o único caminho capaz de
restabelecer os princípios da dignidade e da justiça. Porém esse é um caminho
longo, cheio de obstáculos, que deve
iniciar na família, na educação dos filhos, na postura dos professores frente a
seus estudantes e, por fim, em todo conjunto da teia social. No entanto, tais
avanços dificilmente serão conquistados
mantendo intactas as estruturas de um sistema de produção econômica que
se reproduz e se alimenta com a preservação das desigualdades, das péssimas
estruturas nas áreas da saúde, educação, saneamento. É preciso, urgentemente,
fazer as pessoas acreditarem que atual realidade é fruto de um processo
histórico, construído pela própria sociedade, que não é eterno e, portanto,
pode ser revertido com outras formas de organização.
A frente de Esquerda Araranguá,
nas eleições municipais de 2012, deu o primeiro passo para a concretização
dessa utopia, que poderá ocorrer mais cedo do que se imagina. Foram lançadas as
primeiras sementes de um projeto de sociedade que já teve início com o modo diferente
de fazer a própria campanha, dispensando super estruturas e investimentos
milionários para conquistar a confiança e o voto do eleitor. Uma sociedade
justa, solidária, fraterna não se consegue apenas com atos de fé, na esperança
de que uma força divina venha do céu e a institua. Não, isso não um projeto
pronto, produzido por alguns sujeitos iluminados e aplicados como um passe de
mágica. O primeiro passo é exercitar algumas atitudes simples que o regime
capitalista dispensou como o diálogo, os encontros coletivos para discutir e
procurar soluções dos problemas. O segundo passo é fortalecer os seguimentos
populares como sindicatos, associações de moradores, organizações não
governamentais entre outros, para que mantenham uma postura de independência
frente aos organismos governamentais, atuando como entidades fiscalizadoras e
estimuladoras da população no que tange a participação política.
A concretização dessas
etapas despertará na população outro sentimento acerca do que seja realmente
política, que a mesma não se encontra pronta e que está em construção
permanente. Chegar a esse estágio de entendimento significa a ruptura
definitiva com as velhas práticas governamentais. Não haverá mais espaço para
governos oportunistas, corruptos, que se beneficiam da ignorância da maioria.
Portanto, mais uma vez, vale ressaltar, que nada disso se conquista do dia para
a noite, que a ruptura de um sistema se
dará pela simples eleição de um governo
popular. È necessário ter os pés firmes no chão, ter consciência de que uma
sociedade socialista deve ser construída respeitando as diferenças individuais,
porém, todos devem estar inseridos num mesmo projeto ideológico que
garanta condições iguais de acesso aos
bens produzidos pela sociedade.
Prof. Jairo Cezar
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