DESTRUIÇÃO
DAS FLORESTAS, IMPUNIDADES E O NOVO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO
Estamos
às vésperas do dia 8 de outubro de 2012, data da votação da emenda provisória
n. do novo código florestal, que para os seguimentos vinculados ao ambiente e o
científico, é visto como um dos maiores retrocessos na história ambiental
brasileira. O não cumprimento da data estabelecida leva a sua invalidade, retornando
a legislação de 1965.
Diante
disso, é importante discorrer os caminhos e descaminhos que motivaram os
congressistas brasileiros, pressionados por seguimentos do agronegócio, a
discutirem a elaboração de um novo código florestal, mais flexível, em
substituição ao documento de 1965, como também fazer uma retrospectiva
histórica das legislações ambientais brasileiras tendo como ponto de partida o
ano de 1934, quando, no governo de Getúlio Vargas, foi sancionado o decreto n.
23.793, que impedia os proprietários rurais de abaterem mais de ¾ da vegetação
em seu imóvel.
As
transformações no campo econômico, motivada pelos avanços da tecnologia no
campo exigia uma profunda reformulação do código florestal de 1934, que já não
contemplava as aspirações tanto do mercado como dos demais setores. Nesse
momento as políticas propostas por Goulart, que propunham profundas rupturas no
campo social foram abortadas em 1964, com a ascensão dos militares no poder. Um
novo modelo de crescimento e desenvolvimento econômico é proposto, porém, para
sua efetivação seriam necessários implementar algumas reformas de base, sendo
uma delas a implantação de um novo Código Florestal. Sua efetivação ocorreu um
ano depois do golpe, em 1965, no governo Humberto Caselo Branco, através da lei
4.771, que estabelece 50% de reserva legal na Amazônia e 20% no restante do
Brasil e também define onde deveriam estar localizadas as APPs.
Embora
a lei do Código Florestal tenha sido instituída num período de forte restrição
popular imposta pela censura e também da quase inexistência de entidades capazes
de discutir e propor sugestões para o novo código, o documento poder ser
considerado como um grande avanço para a época. Durante a data de sua
publicação até o momento várias mudanças foram proferidas, tornando mais
restritivo as agressões ao ambiente, que
atendem as aspirações dos ambientalistas, porém, criticado pelo agronegócio que
atribuem a responsabilidade pelo fraco
desempenho da agricultura brasileira.
As
melhorias no texto base do código foram motivadas por fenômenos climáticos como
o de 1989 quando o vale do Itajaí/SC sofreu uma das maiores enchentes de sua
história. Acreditando que desastres como o registrado em Santa Catarina tenha
sido motivado pela ocupação indiscriminada das encostas dos morros e pela
destruição da vegetação ciliar, o governo José Sarney, sanciona a Lei 7.803,
expandindo as faixas de vegetação nativa ao longo dos rios, além do mais,
determina a averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel para evitar sua
divisão.
E
os problemas como desastres e crimes ambientais não cessaram mesmo com todas as
alterações feitas no novo código. Em 1994, a Amazônia perdeu aproximadamente 30
mil quilômetros quadrados de florestas. A pressão de organizações
internacionais exigindo medidas urgentes para coibir tais abusos levou o
presidente Fernando Henrique Cardoso a lançar a Medida Provisória 1.511, que
aumenta a reserva legal para 80%, reduzindo as reservas legais do cerrado,
pertencente à Amazônia Legal, de 50% para 35%. Sem contar que dois anos antes,
em 1992, ocorrera no Rio de janeiro a Eco-92, encontro que estabeleceu acordos multilaterais entre as
nações presentes, tendo o Brasil à tarefa de proteger suas florestas.
Estando
visível aos olhos de todos que a redução das áreas de florestas cada vez se intensificava,
e que a legislação vigente restringia, mas não punia os infratores, em 1999 o
Deputado Moacir Micheletto, do PMDB do Paraná apresenta um projeto de lei para
desconfigurar a lei existente, defendendo o desmatamento em todos os biomas. De
dezembro de 1999 a março de 2000, o Conama, órgão com representação
democrática, aprova o novo texto encaminhado pelo deputado paranaense.
A
idéia de reforma do código já estava em curso, deixando de ser apenas proposta, para se tornar projeto de lei.
Seguindo esse caminho reformista, em 2001, FHC, com base no texto aprovado no
Conama, reedita a MP 1.511, sob o número 2.160. As mobilizações impetradas por
setores do agronegócio pressionando o parlamento brasileiro para que fosse
agilizada a reforma do CFB, não era vista com simpatia e nem recebia apoio
das organizações de proteção ao ambiente
e das comunidades científicas. A apreensão foi ainda maior quando em 2004
e 2005 o Brasil enfrentou dos fenômenos
climáticos de proporções devastadores, cujas possibilidades de ocorrência eram,
para muitos, consideradas nulas, sendo eles o Furacão Catarina, que atingiu o
sul do estado de Santa Catarina em 2004 e a seca na Amazônia em 2005. Como
pensar em uma reforma do Código Florestal se a lei que em vigor estabelece regras rígidas acerca da proteção
da floresta amazônica. O problema, portanto não está na fragilidade da lei, mas
na omissão daqueles que deveriam respeitá-la.
Mas
a expectativa de recuo dos parlamentes na continuidade da reforma do código
florestal não se confirmou. Em 2006, o Deputado paraense do PSDB, Flexa
Ribeiro, encaminhou projeto de lei sob o n. 6.425/05 à Comissão de Meio Ambiente
da Câmara dos Deputados propondo reformar o código floresta. E o alerta do
clima às devastações das florestas amazônicas e a atlântica veio agora sob a
forma de enchentes e deslizamento que castigaram o litoral catarinense e o vale
do Itajaí, atingindo cidades como Rio do Sul, Blumenau e Itajaí.
Mais
uma vez, ficava visível aos olhos de todos, que o código florestal embora sendo
uma legislação extremamente avançada não tinha força suficiente para coibir os
crimes que devastavam as florestas. O próprio IBAMA, com uma estrutura
sucateada, e que tinha como papel fazer de fiscalizar e fazer cumprir a lei
recebia denúncias constantes de ter integrantes envolvidos em crimes de
corrupção, agravando ainda mais o quadro da ilegalidade no corte e
comercialização de madeira em áreas de preservação permanente. Diante disso, em
2008, o governo federal lançou uma série de medidas para intensificar a
fiscalização no campo, autorizando o Ministério Publico Federal a tomar
atitudes mais rígidas quanto às denúncias de crimes ambientais.
Os
proprietários de terras que tivessem sofrido alguma ação criminal durante a
vigência da lei, estariam impedidos de proferir empréstimos bancários enquanto
não regulassem o seu passivo ambiental. Tais medidas geraram um clima de
insatisfação junto aos proprietários rurais, que teriam que se adequar as novas
regras de uso dos recursos naturais de forma sustentável. O cumprimento das
novas regras incorria em investimentos e custos aos proprietários, porém, daria
garantia aos mesmos de que mantendo a produção nas áreas já consolidadas com
inovação tecnológica e preservação das florestas existente, proporcionaria
ganhos para o proprietário como também o equilíbrio do ecossistema.
A
forte reação dos setores ruralistas pressionando o governo para a supressão
imediata das medidas que obrigavam os
produtores rurais a se adequarem ao código florestal, refletiu no congresso com
a apresentação de um projeto de Lei n. 5.367/09, do Deputado Federal Valdir
Colatto, do PMDB de Santa Catarina, coordenador da Frente Parlamentar
Agropecuária, para a criação de um Código Ambiental interpretado pelos
ambientalistas como altamente prejudicial para a política nacional do ambiente.
Porém,
a discussão acerca do novo Código Ambiental mobilizou outros parlamentares que
devido à importância e complexidade do tema levou na criação de uma comissão
especial cuja missão era reunir 11 projetos de lei para alterar o código
florestal vigente. O que era apenas uma especulação de bastidores se
transformou em realidade quando foi escolhido para relator do projeto o
Deputando Paulista do PCdoB Aldo Rebelo, e com forte apoio da maioria dos
ruralistas.
De
março a maio de 2010, o relator Aldo Rebelo, realizou audiências no Congresso
Nacional e em cidades com forte predominância da agropecuária, sendo as
reuniões organizadas pelos sindicatos alinhados a Confederação Nacional da
Agricultura. Após longas discussões com
esses setores, em junho do mesmo ano o relator apresenta proposta de
desfiguração do Código Florestal. Um mês depois, sem muito debate com os demais
seguimentos da sociedade, o documento é aprovado na Comissão Mista do
Congresso.
Nesse
mesmo ano, novas enchentes atingem São Paulo e Pernambuco e deslizamentos de
terra em Angra dos Reis/RJ com inúmeras mortes. Mais uma vez, ficou claro
nessas catástrofes a visível parcialidade do poder público e dos órgãos
ambientais permitindo a ocupação humana em áreas de riscos. Se a lei do código
florestal fosse cumprida na sua integridade catástrofes como essas e outras que
ocorreram anos anteriores e com perdas humanas poderiam ser amenizadas.
Sobre
os argumentos apresentados pelos representantes do agronegócio brasileiro
justificando a baixa produtividade agrícola à insuficiência de áreas próprias
para esse fim, o mesmo não condiz com a realidade, pois, a USP promoveu
pesquisa e chegou-se a conclusão de que a área cultivada poderá ser dobrada se
as que hoje estão sendo ocupada pela pecuária de baixa produtividade forem
relocadas para o cultivo. São aproximadamente 61 milhões de hectares que
poderiam ser utilizadas, com manejo sustentável e um melhor aproveitamento das
culturas, sem, é claro, afrouxar a proteção ambiental.
Outro
argumento muito difundido pelos defensores do novo CF é em relação à
cientificidade do mesmo, ou seja, sua construção careceu de bases científicas,
portanto sendo o mesmo incompatível ao desenvolvimento econômico. É outra
informação errônea, pois entidades como SBPC e ABC defendem a permanência do
código atual, considerado eficiente se o mesmo fosse aplicado na sua
integridade, em detrimento do que está sendo proposto, que excluíram da sua
construção tais entidades, portanto, sem uma sólida base científica.
Pesquisadores
vinculados a USP, UNESP e UNICAP encaminharam duas cartas publicadas em uma das
principais revistas de circulação mundial, SCIENCE, alertando que a aprovação
do novo CF proporcionará o decréscimo acentuado da biodiversidade e o aumento
significativo de sete bilhões de toneladas, que representaria 25,5 bilhões de
toneladas de gases do efeito estufa, mais de treze vezes as emissões no Brasil
no ano de 2007, como também na perda do solo em decorrência da erosão, sem
contar, é claro, a intensificação dos desastres naturais, como deslizamentos em
encostas e inundações.
Outra
justificativa utilizada sobre o código é de que o atual compromete a produção
nas pequenas propriedades em decorrência de estarem às mesmas situadas em APPs
e que precisa ser flexibilizada. O WWWF fez um levantamento dessas propriedades
em cincos estados do sul e sudeste, cuja produção se baseia nas culturas da
maçã, uva e café. A conclusão que se chegou foi que o impacto da plicação das
APPs é baixo. Menos de 5% da produção está localizado em APPs de hidrografia e
declividade. Entidades como CPT, CUT, FETREF, MAB, MST e VIA CAMPASINA,
lançaram texto base afirmando que os pequenos agricultares jamais lançaram
manifesto exigindo a redução da reserva legal de suas propriedades. O próprio
censo de 2006 deixou explícito que nas pequenas propriedades a ocorrência de
preservação do ambiente em prol da agricultura familiar e campesina é maior. Como
forma de propor maior aproveitamento das matas preservadas, o MMA, encaminhou
resolução autorizando os estados que garantisse maior assistência à agricultura
familiar, atendendo os princípios propostos pelo CF.
Fica
cada vez mais evidenciado que a pretensão da reforma do CF, sem o maior
envolvimento da sociedade e das entidades científicas, tem como propósito viabilizar a impunidade no campo isentando de
multa todos aqueles que desrespeitaram a legislação. O item que trata da
anistia aos crimes ambientais estabelece que estarão livres da obrigação de
recuperação das florestas, aqueles que cometeram algum crime até 22 de 07 de
2008. Porém, a lei transfere para as
instancias estaduais a responsabilidade pela elaboração de um programa de
regularização ambiental, ou seja, os proprietários que desmataram nos últimos
43 anos, terão, num prazo de cinco anos, a partir da aprovação do código e com
a participação dos órgãos ambientais estaduais, de promover uma espécie de
ajustamento de conduta Até essa data,
todas as multas aplicadas perderão sua eficácia, permanecendo a impunidade. As
conseqüências dessa medida são irreparáveis para o ambiente, especialmente para
os estados do sudeste e sul, cujas áreas
que margeiam os principais rios foram completamente devastadas, porém só agora
começaram a ser recuperadas graças aos ajustes feitos no Código Florestal de
1965
Em
se tratando de vegetação ciliar, o novo código reduz de 30m para 15m a extensão
que deve ser protegida para rios de até 10 metros de largura. O que preocupa
quanto a esse item é a inexistência de critérios diferenciados para os
diferentes biomas, pois cada região possui peculiaridades, cujas metragens
teriam que ser diferentes. Um exemplo para elucidar esse item, é o código
florestal de Santa Catarina que reduziu o tamanho de todas as APPs de beira de
rio, independente de estudos técnicos e das peculiaridades. Sobre as Reservas
Legais nas propriedades, o novo código retira a obrigação dos proprietários de
recuperar florestas cujas áreas não ultrapassem a quatro módulos fiscais. No
Brasil, dependendo da região essa unidade de medida poder variar de 5 a 100
hectares. Portanto, propriedades de até 100 hectares serão isentas de
recuperação. O argumento utilizado é que propriedades com tais medidas são
ocupadas pela agricultura familiar e que obrigando a recuperação da RL
comprometeria a sua manutenção.
Esse
dispositivo da lei abre brecha para as propriedades acima de quatro
módulos que deverão se adequar as
normas. Poderá haver um aumento significativo de ações nos cartórios públicos
propondo a fragmentação das grandes propriedades, fugindo da obrigatoriedade de
recuperar a RL, como também a aquisição de terras dos pequenos proprietários
para não terem qualquer área preservada em toda a extensão de seu
empreendimento. De acordo com dados o
INCRA, a isenção da reserva legal afeta cerca de 135 milhões de hectares de propriedade
e posses rurais em todo Brasil. estima-se que mais de 30 milhões de hectares de
florestas, sendo pelo menos 20 milhões na Amazônia, perderão a proteção da
reserva legal e terão seu desmatamento estimulado pela falta de governança na
região.
A
redução da Reserva Legal da Amazônia legal de 80% para 50% e de 35% para 20% no
cerrado é visto como um grande retrocesso em termos ambientais. Mais uma vez, o
argumento defendido é que a lei em vigor restringe a atividade agrícola e o
próprio desenvolvimento da região norte do Brasil. O que não é explicitado é que o próprio Código em vigor
permite por meio da ZEE (Zoneamento Ecológico Econômico) e com aptidão
agrícola, reduzir as áreas do imóvel para 50%, em consonância, é claro, com as
normas ambientais.
Em
relação a RL, a lei que está tramitando permite que o proprietário caso tenha
desmatado toda vegetação em área de reserva legal, adquira através de compra terreno
com a mesma proporção em outro estado ou bacia hidrográfica, compensando assim
o desmatamento feito no seu bioma de origem, não necessitando recuperá-lo. Poderá
também o infrator compensar o crime cometido sob a forma de doação em dinheiro
para um fundo que será destinado à regularização de unidades de conservação.
Acredita-se
que um dos pontos positivos da lei que está tramitando seja a decretação de
moratória de desmatamento de florestas nativa por cinco anos. Porém a lei não
valeria para aqueles casos em que o proprietário solicitou antes da sua
promulgação. Portanto, após sua promulgação uma enxurrada de processos será
encaminhada à justiça solicitando a anulação desta já combalida moratória
tornando o desmatamento legalizado. Também não está clara a definição de
florestas que refere à moratória. O conceito bioma não é utilizado no projeto
de lei, o que gera diferentes interpretações e uma grande insegurança jurídica.
Mais uma vez é preciso ressaltar que a obediência ao Código Floresta em vigor é
essencial para o cumprimento das metas internacionais de redução da emissão de
carbono, além de ser uma medida fundamental às mudanças climáticas.
A
proposta de reforma do código florestal encabeçada pelo deputado do PCdoB, Aldo
Rebelo, poder mudar a história de avanços obtida com a legislação em vigor
sobre o meio ambiente, com riscos de danos permanentes ao patrimônio ambiental
brasileiro.
Prof.
Jairo Cezar
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