sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

 

ASSOREAMENTO DA FOZ E BRAÇO DE RIO PODE LEVAR À EXTINÇÃO   DA TRADICIONAL COMUNIDADE DE ILHAS/ARARANGUÁ

Foto - Jairo


 O desejo quase insano de fixar a foz da barra do rio Araranguá sempre rondou o imaginário de políticos e de parcela expressiva da população dos municípios que integram a bacia hidrográfica que tem o nome do próprio rio. Uma das alegações a favor da obra é de que com a construção de Molhes ajudaria na rápida vazão das águas durante as enxurradas. Na época, 2012, em audiência pública, foram apresentadas três projetos, um propondo que fosse nas proximidades da comunidade do Morro Agudo, o segundo, entre Ilhas e Morro Agudo, o terceiro, na desembocadura da antiga foz.

Lembro-me que durante as tramitações da audiência, impasses ocorreram envolvendo moradores dessas duas comunidades tradicionais, ambas se digladiando para que a obra acontecesse junto às mesmas. A proposta de fixação na antiga foz era vista como menos impactante principalmente no segmento econômico, por manter ativa a pesca artesanal em todo o trecho. Embora os argumentos pro fixação em Ilhas fossem quase que consensuais, grupos constituídos de políticos e empresários do município insistiam na tese de que a primeira proposta de barramento nas imediações do Morro Agudo era a mais salutar.

Por ser a obra de fixação em área da união, o órgão responsável para sua autorização é o IBAMA, que na época recebeu todas as documentações dos estudos realizados, porém atendeu as solicitações do MPF – Ministério Público Federal, para que o projeto fosse embargado por insuficiência de informações. Diante do exposto pelos técnicos do MPF, o órgão ambiental federal decidiu pelo indeferimento da obra. O argumento contrário à fixação por parte do Ministério Público Federal foi fundamentado na tese de que o empreendedor, no caso o município de Araranguá, não cumpriu com todas as etapas recomendadas, ou seja, não foram realizados estudos complementares do local pré-determinado, principalmente nos dois pontos mais ao norte.

Em texto escrito em 2013 no qual expus alguns vícios cometidos nas tramitações dos estudos da obra de fixação da barra, descrevi também o sentimento da população de Ilhas admitindo que fosse importante ouvi-los, considerar suas argumentações de que a obra de fixação na extremidade norte seria menos impactante ambientalmente. No texto relatei que: com base no vasto conhecimento acumulado tanto da geografia como da geologia da região, sustentam os moradores que a não observância da ordem natural da vazão do próprio rio pode resultar em prejuízos irreparáveis ao ecossistema da região.

Quando se falou em prejuízos irreversíveis ao ecossistema e à comunidade estavam se referindo ao possível fechamento definitivo da foz do rio na hipótese da fixação ocorrer mais ao sul, onde segmentos econômicos insistiam que fosse executada.  O texto também dizia que: as primeiras reuniões realizadas para a discussão do projeto cuja conclusão se deu com a realização de audiência pública no Grêmio Fronteira ocorreram manifestações populares alertando sobre os impactos irreversíveis que sofrerá o bairro de Ilhas se for mantida a proposta originária. A justificativa tem procedência, pois o rio que atravessa a comunidade perderá força e se transformará em um lago inerte, cujos efeitos do vento resultarão no seu assoreamento ameaçando a sobrevivência da população local que tem na pesca sua principal fonte de subsistência.

Em 2016 três unidades de conservação foram criadas por meio de decretos municipais na faixa costeira de Araranguá, sendo ambas provenientes de demandas do Projeto Orla. Para a comunidade de Barra Velha, Ilhas e Morro Agudo, o governo municipal da época decretou que a partir da foz do rio até a balsa seria transformada em uma Reserva Extrativista – RESEX, área essa delimitada para o desenvolvimento da pesca artesanal integrativa nessas comunidades. O fato é que desde a sua assinatura em dezembro de 2016 nenhum passo a mais foi dado pelas administrações que se sucederam para a viabilização das etapas relativas à Resex.

Foto - Jairo


Uma das demandas importantes inseridas na Resex está no Art.6 do decreto, onde estabelece que todo o empreendimento licenciado, que causa algum impacto ambiental à mesma, o proprietário ou poder público deverá, em forma de compensação, repassar de 5% a 10% do valor total ao órgão gestor da unidade de conservação. O valor relativo à compensação ambiental terá que ser investido em recursos humano e bens materiais para a implementação, manutenção e gestão da unidade.

Se a Resex estivesse ativa, ações como aberturas de canais alternativos para agilizar o escoamento da água das enxurradas, como o que ocorreu nas proximidades do Morro Agudo, as decisões teriam que partir do corpo gestor da RESEX, junto com a administração municipal. A própria Resex se encarregaria de agilizar levantamentos técnicos da viabilidade ou não de fixar a barra, investigar se existem alternativas possíveis à obra de fixação. A Resex também poderia ter um acento no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá, apresentando e discutindo com os demais pares suas demandas à foz junto às demais entidades que integram a mesma.

Negar a existência da Resex resulta em sérios problemas às comunidades situadas na foz da bacia. A abertura de um canal para agilizar a vazão das águas das enxurradas, que aparentemente demonstra ser permanente, vem se constituindo como um problema aos pescadores tradicionais, bem como ao conjunto da população de Ilhas. Aquilo que se cogitou em audiências passadas de que abrir canal ou fixá-lo no ponto mais ao sul do braço do rio resultaria no fechamento da foz, se confirmou.

Menos de cinco meses após sua abertura, já houve o assoreamento completo da boca da antiga barra. Não tendo mais vazão para o transporte dos sedimentos ao oceano, o vento agora está se encarregando de depositá-lo no fundo do leito do braço de “rio morto”. Na hipótese de haver estiagens mais prolongadas, todo o trecho no entorno da comunidade que serve de porto para centenas de pequenas embarcações poderá ser tomada por extensas dunas. Creio que tais reflexões um tanto pessimistas acerca da  geomorfologia da foz da bacia do rio Araranguá devem ser  consideradas pelos gestores públicos. Ouvir as experiências dos/as antigos/as moradores/as dessas comunidades sobre a dinâmica da geografia local, se mostraria como estratégia ao não desaparecimento de quase dois séculos de cultura.

Prof. Jairo Cesa          

  

  https://leismunicipais.com.br/a/sc/a/ararangua/decreto/2016/783/7830/decreto-n-7830-2016-dispoe-sobre-a-criacao-da-unidade-de-conservacao-da-natureza-municipal-reserva-extrativista-do-rio-ararangua-e-da-outras-providencias#:~:text=Art.,e%20delimitada%20no%20ANEXO%20II.

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