ASSOREAMENTO DA FOZ E BRAÇO DE RIO PODE LEVAR À EXTINÇÃO DA TRADICIONAL COMUNIDADE DE ILHAS/ARARANGUÁ
O
desejo
quase insano de fixar a foz da barra do rio Araranguá sempre rondou o
imaginário de políticos e de parcela expressiva da população dos municípios que
integram a bacia hidrográfica que tem o nome do próprio rio. Uma das alegações
a favor da obra é de que com a construção de Molhes ajudaria na rápida vazão
das águas durante as enxurradas. Na época, 2012, em audiência pública, foram
apresentadas três projetos, um propondo que fosse nas proximidades da
comunidade do Morro Agudo, o segundo, entre Ilhas e Morro Agudo, o terceiro, na
desembocadura da antiga foz.
Lembro-me
que durante as tramitações da audiência, impasses ocorreram envolvendo
moradores dessas duas comunidades tradicionais, ambas se digladiando para que a
obra acontecesse junto às mesmas. A proposta de fixação na antiga foz era vista
como menos impactante principalmente no segmento econômico, por manter ativa a
pesca artesanal em todo o trecho. Embora os argumentos pro fixação em Ilhas
fossem quase que consensuais, grupos constituídos de políticos e empresários do
município insistiam na tese de que a primeira proposta de barramento nas
imediações do Morro Agudo era a mais salutar.
Por
ser a obra de fixação em área da união, o órgão responsável para sua
autorização é o IBAMA, que na época recebeu todas as documentações dos estudos
realizados, porém atendeu as solicitações do MPF – Ministério Público Federal,
para que o projeto fosse embargado por insuficiência de informações. Diante do
exposto pelos técnicos do MPF, o órgão ambiental federal decidiu pelo
indeferimento da obra. O argumento contrário à fixação por parte do Ministério
Público Federal foi fundamentado na tese de que o empreendedor, no caso o
município de Araranguá, não cumpriu com todas as etapas recomendadas, ou seja,
não foram realizados estudos complementares do local pré-determinado,
principalmente nos dois pontos mais ao norte.
Em
texto escrito em 2013 no qual expus alguns vícios cometidos nas tramitações dos
estudos da obra de fixação da barra, descrevi também o sentimento da população de
Ilhas admitindo que fosse importante ouvi-los, considerar suas argumentações de
que a obra de fixação na extremidade norte seria menos impactante
ambientalmente. No texto relatei que: com base no vasto conhecimento acumulado tanto da geografia como da
geologia da região, sustentam os moradores que a não observância da ordem
natural da vazão do próprio rio pode resultar em prejuízos irreparáveis ao
ecossistema da região.
Quando se falou em prejuízos irreversíveis
ao ecossistema e à comunidade estavam se referindo ao possível fechamento
definitivo da foz do rio na hipótese da fixação ocorrer mais ao sul, onde
segmentos econômicos insistiam que fosse executada. O texto também dizia que: as primeiras reuniões
realizadas para a discussão do projeto cuja conclusão se deu com a realização
de audiência pública no Grêmio Fronteira ocorreram manifestações populares
alertando sobre os impactos irreversíveis que sofrerá o bairro de Ilhas se for
mantida a proposta originária. A justificativa tem procedência, pois o rio
que atravessa a comunidade perderá força e se transformará em um lago inerte,
cujos efeitos do vento resultarão no seu assoreamento ameaçando a sobrevivência
da população local que tem na pesca sua principal fonte de subsistência.
Em 2016 três unidades de conservação
foram criadas por meio de decretos municipais na faixa costeira de Araranguá,
sendo ambas provenientes de demandas do Projeto Orla. Para a comunidade de
Barra Velha, Ilhas e Morro Agudo, o governo municipal da época decretou que a
partir da foz do rio até a balsa seria transformada em uma Reserva Extrativista
– RESEX, área essa delimitada para o desenvolvimento da pesca artesanal
integrativa nessas comunidades. O fato é que desde a sua assinatura em dezembro
de 2016 nenhum passo a mais foi dado pelas administrações que se sucederam para
a viabilização das etapas relativas à Resex.
Uma das demandas importantes inseridas
na Resex está no Art.6 do decreto, onde estabelece que todo o empreendimento
licenciado, que causa algum impacto ambiental à mesma, o proprietário ou poder
público deverá, em forma de compensação, repassar de 5% a 10% do valor total ao
órgão gestor da unidade de conservação. O valor relativo à compensação
ambiental terá que ser investido em recursos humano e bens materiais para a
implementação, manutenção e gestão da unidade.
Se a Resex estivesse ativa, ações como
aberturas de canais alternativos para agilizar o escoamento da água das
enxurradas, como o que ocorreu nas proximidades do Morro Agudo, as decisões teriam
que partir do corpo gestor da RESEX, junto com a administração municipal. A
própria Resex se encarregaria de agilizar levantamentos técnicos da viabilidade
ou não de fixar a barra, investigar se existem alternativas possíveis à obra de
fixação. A Resex também poderia ter um acento no Comitê da Bacia Hidrográfica
do Rio Araranguá, apresentando e discutindo com os demais pares suas demandas à
foz junto às demais entidades que integram a mesma.
Negar a existência da Resex resulta em
sérios problemas às comunidades situadas na foz da bacia. A abertura de um canal
para agilizar a vazão das águas das enxurradas, que aparentemente demonstra ser
permanente, vem se constituindo como um problema aos pescadores tradicionais,
bem como ao conjunto da população de Ilhas. Aquilo que se cogitou em audiências
passadas de que abrir canal ou fixá-lo no ponto mais ao sul do braço do rio
resultaria no fechamento da foz, se confirmou.
Menos de cinco meses após sua abertura,
já houve o assoreamento completo da boca da antiga barra. Não tendo mais vazão para
o transporte dos sedimentos ao oceano, o vento agora está se encarregando de
depositá-lo no fundo do leito do braço de “rio morto”. Na hipótese de haver estiagens
mais prolongadas, todo o trecho no entorno da comunidade que serve de porto
para centenas de pequenas embarcações poderá ser tomada por extensas dunas.
Creio que tais reflexões um tanto pessimistas acerca da geomorfologia da foz da bacia do rio Araranguá
devem ser consideradas pelos gestores
públicos. Ouvir as experiências dos/as antigos/as moradores/as dessas
comunidades sobre a dinâmica da geografia local, se mostraria como estratégia ao
não desaparecimento de quase dois séculos de cultura.
Prof. Jairo Cesa
https://leismunicipais.com.br/a/sc/a/ararangua/decreto/2016/783/7830/decreto-n-7830-2016-dispoe-sobre-a-criacao-da-unidade-de-conservacao-da-natureza-municipal-reserva-extrativista-do-rio-ararangua-e-da-outras-providencias#:~:text=Art.,e%20delimitada%20no%20ANEXO%20II.
https://www.blogger.com/blog/post/edit/8334622275182680372/8054837874785528147
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