CAMPANHA DA FRATERNIDADE DE 2023 TRAZ COMO TEMA “FRATERNIDADE E FOME – DAI-LHES VÓS MESMOS DE COMER”
Como
de costume todos os anos a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil)
lança tema alusivo à campanha da fraternidade, que tem início na quarta feira
de cinzas, se estendendo até a quinta feira da paixão. Nos últimos anos,
principalmente após o pontificado do papa Francisco, os temas escolhidos
passaram a ter como focos questões relacionadas à nossa “casa comum”, o planeta
terra. Questões como violência, biomas brasileiros, educação, etc, tiveram
prioridades nas últimas edições, discutindo e refletindo nas comunidades
tristes realidades que vem impactando a vida de milhões de brasileiros.
São
problemas resultantes direta e indiretamente de políticas públicas excludentes
chanceladas por governos e toda uma estrutura de poder a serviço das elites
dominantes. Para 2023 a CNBB decidiu escolher também indicar um tema complexo,
que hoje atinge mais da metade da população brasileira e outros bilhões de indivíduos
em todo o planeta. O tema, portanto escolhido foi - Fraternidade e Fome “Dai-lhes
vós mesmos de comer”. Embora a campanha esteja sendo protagonizada pela igreja
católica isso não impede que distintas instituições religiões cristãs e não
cristãs se engajem nessa árdua tarefa, pois a fome não espera e está matando
pessoas de todas as religiões e credos, sendo maior em algumas que outras.
Não
há dúvida que a fome não é um fenômeno natural como muitos tentam creditar. Sua
existência e permanência têm relação a certos modelos econômicos que excluem
milhões, bilhões de seres humanos do direito sagrado de se alimentar
diariamente. O que é mais estranho é quando se sabe que o Brasil todos os anos
vem tendo índices recordes de produções de grãos. No entanto,
contraditoriamente, paralelamente a esses patamares positivos de grãos
colhidos, há um crescimento na mesma proporção de brasileiros famintos que
diariamente não conseguem realizar dignamente três refeições básicas.
Como
se explica então um país como o Brasil, com dimensões continentais, com tanta
terra fértil e produtiva, cujos filhos dessa terra padecem por um prato de
comido? A resposta é bem simples e está no nosso modelo produtivo herdado dos
colonizadores portugueses a partir da sua chega há mais de quinhentos anos.
Desde aquela época a colônia brasileira se especializou em exportar bem
primários para a sua metrópole portuguesa. Pau Brasil, cana de açúcar, café,
algodão, borracha, ouro, prata, entre outros produtos primários, financiaram o
desenvolvimento da então decadente e atrasada Europa.
Mesmo
com a independência política em meados do século XIX e a ascensão da república
em 1889, as condições de dependência do Brasil permaneceram tão ou mais
enraizadas posteriormente. O Café que colocou o Brasil no topo dos maiores
exportadores desse produto nos finais do século XIX e começo do XX, esse título
não foi suficiente para garantir uma equidade social entre os seus habitantes.
Muito pelo contrário, o café elevou ainda mais os níveis de desigualdade e
crise social em meados do século XX, principalmente no final do seu apogeu.
Com
a Revolução Verde no pós segunda guerra, havia a expectativa de que Brasil
finalmente se despontaria como principal potência agrícola planetária. As novas
tecnologias incluindo equipamentos agrícolas, insumos e sementes ajudaram a
modificar radicalmente a geografia rural brasileira. A soja, a cana de açúcar,
o milho, ambos associados ao mercado dos insumos, a exemplo dos agrotóxicos,
garantiram somas bilionárias para grandes corporações que passaram a controlar
esse setor. No centro desse poderoso segmento estavam e estão os grandes
latifúndios, remanescentes do período colonial, que acumularam mais e mais
poder, a ponto de decidir sobre os rumos das políticas nesse setor e de outros.
No
entanto tamanha soberbice depositada ao agronegócio não correspondeu ao maior
grau de participação total do PIB nacional, contribuindo apenas com pouco mais
de 5%. É nesse segmento que está uma das respostas à barbaridade da fome avassaladora.
Como assim, fome avassaladora? Não é o agronegócio a locomotiva brasileira, que
leva o Brasil nas costas, com insistem em apregoar os seus signatários
patrióticos. 90% a 95% do que é produzido por esse setor, soja, milho e cana de
açúcar, é para virar insumos, para alimentar gado na Europa ou transformar em
combustível para movimentar veículos.
Na
realidade quem alimenta a população brasileira são os pequenos produtores
rurais, que sem incentivo algum cultivam feijão, batata, mandioca, hortaliças,
frutas, etc. São esses os verdadeiros heróis que deveriam ser condecorados com
títulos de verdadeiros patriotas. É de se esperar que a campanha da
fraternidade de 2023, embora se saiba, não tem poder de transformação imediata
da realidade social, pelo menos possa trazer a fundo o real problema da fome e
discutir suas causas e soluções.
É
necessário tocar profundamente na ferida do problema, desconstruindo o conceito
de natural, de designo divino, como insiste em apregoar os neoconservadores.
Deixar claro nos encontros de famílias, que a fome, a violência, as
desigualdades são causas sociais, frutos de modelos econômicos criados que
favorecem pequenos grupos de abastados em detrimento de milhões que são
colocados as margens desse sistema. A solução para todo esse imbróglio social
seria sem dúvida a ruptura desse modelo econômico perverso. Combater a fome apenas
com programas sociais não resolve. São soluções paliativas e não permanentes.
Uma profunda reforma agrária deve ser discutida nos encontros, deixar claro que
sem uma ocupação e distribuição igualitária desses milhões de hectares de áreas
improdutivas por parte do Estado, iremos continuar assistindo em berços
esplendidos nossos irmãos morrerem de fome.
O
posicionamento firme da CNBB e de toda a sua estrutura em defesa dos pobres e
oprimidos como vem apregoando o papa Francisco pode ser decisivo para a ruptura
desses cancros sociais históricos enraizados na nossa cultura. O fato é que não
pode ser excluído do debate, se caso pretendermos uma solução eficaz para as
desigualdades, o processo político institucional. A oração, a espiritualização
por si só não tem poder suficientes de matar a fome. No entanto ambas
conjuntamente poderão ser imprescindíveis na construção de consensos de
rupturas. Porém, para isso é importante que a própria instituição leve a cabo o
legado deixado pelo seu fundador Jesus Cristo, atacar a ferre e fogo os
mercadores do templo.
Prof.
Jairo Cesa
https://veja.abril.com.br/economia/supersafra-reforca-o-peso-do-agro-que-vive-momento-conturbado-com-governo/
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