REFORMA
DA PREVIDÊNCIA PODE SER COMPARADA A UM “BRUMADINHO” DENTRO DE SUA CASA
Passado
o período de lua de mel eleitoral do governo Bolsonaro, que não chegou durar
dois meses, a população já assimilou o primeiro golpe quando veio a público a
proposta da reforma da previdência que ataca conquistas históricas. O que todos
questionam é por que tanto interesse de mais uma reforma se já há pouco tempo
ocorreram outras duas importantes mudanças nas regras de aposentadorias e
trabalhistas, uma em 2013 que criou o fundo de previdência privada, e a mais
recente, em 2017, a reforma trabalhista, que legalizou a contratação de
trabalhadores intermitentes, terceirizados, entre outros aditivos.
São dispositivos legais que possibilitam a
retenção de vultosas somas de recursos dos trabalhadores nas mãos do governo e
dos donos do capital. Somando-se a reforma previdência de 2013 e a trabalhista
de 2017, ambas já, aparentemente, se mostravam ter concluído as recomendações
do sistema rentista e predatório do capital, que empobreceu um pouco mais a
população. Em 2016, levantamento feito
pelo IBGE revelou que mais de cinqüenta milhões de brasileiros estavam abaixo
da linha da pobreza, ou seja, possuíam renda mensal inferior ou igual a R$ 350
reais/mês.
É
claro que dois anos depois esses números devem ter se elevado ainda mais. Mas o
mercado quer mais, não se contenta com que vem abocanhando dos países cada vez
mais miseráveis. A expertise dessa vez foi indicar alguém mais experiente,
estatuto e insensível, que não se rendesse às lamentações de milhões de
brasileiros que se esperneariam no instante que conhecesse o maldoso plano de
reforma previdenciária que condenaria à escravidão às próximas gerações de
trabalhadores. Deve ser entendido que as reformas já executadas pelos governos
anteriores e que a proposta prevista, são imposições do grande capital.
O
ajuste fiscal é exatamente o que se pretende, limitar o máximo de recursos
públicos para saúde, educação, seguridade, sobras para o pagamento bilionário
dos juros da dívida pública. Notaram que no instante que o projeto deu entrada no
congresso as bolsas reagiram positivamente no mundo todo. Imagina, são cerca de
1trilhão de reais economizados nos próximos 10, 20 anos, dinheiro de pessoas
que se aposentariam nos próximos dez e que terão que trabalhar por mais cinco
ou dez anos além do tempo estabelecido.
Será
um massacre contra a população que começa cedo a atividade laboral, 10 anos ou
até menos idade para sobreviver. O que está por trás dessa farsa criada sobre o
déficit da previdência, repetida a exaustão pelo governo, é o pomposo fundo
previdenciário privado, que forçará o trabalhador a criar poupança que lhe garanta
algum ganho quando se aposentar.
O
processo é distinto do atual modelo que tem como premissa o compartilhamento solidário,
ou seja, trabalhadores, patrões e governo, participam depositando parte dos
recursos no fundo previdenciário que lhe são devido. A proposta do governo é
romper o princípio solidário, que é assegurado pela constituição de 1988. Se
aprovado o texto como está, cada trabalhador poderá depositar o valor que lhe
convém a um fundo particular, com promessa de “capitalização” até o momento que
estiver apto para se aposentar.
E
quem não tiver a “sorte” de criar esse fundo, como fica? A promessa do governo
é que completará esse valor até chegar ao patamar de um salário mínimo. Todos
nós sabemos o poder de compra hoje do salário mínimo. O futuro do salário
mínimo não é nada animador, pois a cada ano o governo vem promovendo reajustes
abaixo da inflação. O trágico dessa proposta é que foi inspirada em países,
como o Chile, que provaram ser um tremendo fracasso. No Chile, 9 de cada 10
aposentados ganham menos de 60 do salário mínimo, que é de 450 dólares.
Os
índices de suicídio de idosos no Chile tiveram crescimento elevado desde a
implantação da reforma previdenciária. O estranho e até mesmo compreensível é o
silêncio dos protagonistas da reforma, Paulo Guedes e Armínio Fraga, em não mencionar
em suas falas tais episódios funestos. Por que será o silêncio? O que falam é que a
reforma será bom para o mercado, pois sendo aceita pelo mercado, a população
terá benefícios futuros.
Alguém
lembra ter havido na história brasileira algum momento em que o mercado foi
bondoso para a sociedade? Acredito
que ninguém. Outra pergunta: quem se
lembra da famosa frase dita pelo economista Delfin Neto, quando foi ministro durante
os governos militares, Costa e Silva, Médice e Figueiredo? O slogan era: “Fazer
o bolo crescer, para depois dividir”.
Até hoje a população brasileira vem esperando parte do bolo prometido,
que nunca veio e virá.
Qualquer
economista, com um pouquinho mais lucidez, sabe que o empobrecimento da
população não é um bom negócio para a economia de nenhum país. Menos consumo de
alimentos, energia elétrica e outros bens de consumo comprometem a produção.
Isso é fato, não mesmo? É o que ocorrerá com o Brasil no futuro muito próximo,
quando 9 de cada 10 idosos tiverem que roubar, como já acontece no Chile, para
ser preso e sobreviver, pois sabem que na prisão poderão se alimentar.
A
alegação dos porta vozes do mercado é que com a aprovação da previdência as
taxas de juros irão cair, atraindo a confiança dos investidores. Jogar a culpa
na previdência social, à elevação dos juros e o baixo investimento na produção,
é algo quase que insano. Todos sabem que as taxas de juros têm vetores
variáveis políticos, e não fatores da previdência.
Outro
detalhe importante que o governo se recusa esclarecer para a sociedade. A
reforma da previdência não vai resolver o déficit da previdência, ao contrário,
vai se elevar ainda mais. Como isso ocorrerá? No instante que o cidadão migrar
para o fundo de capitalização não irá mais contribuir para o sistema solidário.
Portanto, o governo terá perda de recursos necessários para o pagamento dos
atuais e futuros aposentados nos próximos quarenta anos.
No
sistema atual os trabalhadores do serviço público recolhem 11 por cento para o
fundo, o governo contribui com a alíquota de 22% como empregador. Outro aspecto
a ser considerado, os servidores públicos têm hoje de cobrir aposentadorias dos
militares e congressistas. Esses dois estratos do serviço público causam juntos
déficits consideráveis da previdência, pois não contribuem o suficiente em comparação
do gasto que se tem com suas aposentadorias.
Ninguém
do governo ou setores do congresso, em nenhum momento alertou que tal reforma
irá desfigurar dispositivos importantes da Constituição relativas à seguridade
social. E por que não tocam nesse assunto? A resposta é simples. Tudo que
estiver fora do texto da constituição será mais fácil de promover alterações no
futuro. Sendo assim, ninguém impedirá que nos próximos 5 ou 10 anos, novas
alterações ocorram no texto da reforma como a ampliação do tempo para
aposentadoria para homens e mulheres.
Para
desmentir o que o governo vem afirmando sobre os servidores públicos, hoje essa
categoria tem o tempo mínimo de contribuição de 25 anos, e o da iniciativa
privada de 20 anos. O que se pretende agora é criar uma alíquota igual para
todos até o limite de R$ 5.800,00 que é o teto da previdência. A partir desse
valor, as alíquotas se tornam diferentes e progressivas até atingir 22%.
Agregando esse percentual da alíquota mais importo de renda, cobrado na fonte, o
servidor público terá metade de sua renda comprometida.
Acredito
que poucos devem saber que a proposta maldosa de reforma do governo Bolsonaro
não excluirá nem mesmo os aposentados. Na proposta aparece a alíquota
extraordinária acima de 22% que pode ser cobrado pelos estados para resolver
suas caixas. É importante que se diga que esse projeto de reforma é, sim,
confiscatório, no qual intensificará o empobrecimento e o aumento dos gastos
com saúde pública e segurança pública. Uma população empobrecida resulta no
aumento de doentes e da população carcerária. A tendência é a elevação assustadora
dos gastos com saúde pública e a construção de mais e mais presídios. Não nos esqueçamos da tragédia de Brumadinho que matou mais de duas centenas de pessoas. A reforma da previdência será, sem sombra de dúvida, milhares de "brumadinhos" acontecendo progressivamente dentro das casas dos brasileiros.
Prof.
Jairo Cezar
OBS:
Texto produzido a partir de entrevista concedida pela Professora de Economia da
UFRJ, Denise Lobato Gentio, ao programa Faixa Livre do dia 22/02/2019.
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