SANTA
CATARINA, “LABORATÓRIO” DAS POLÍTICAS REFORMISTAS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA
No
começo da última década em diante o processo de depreciação do sistema
educacional público adquiriu proporções assustadoras, cujos resultados nas
avaliações do IDEB e PISA, colocam o Brasil nas últimas posições entre os
países que integram a OCDE. Uma das
principais reformas ocorridas no final da década de 1990, a lei 9394/96 que
instituiu a nova LDB, não foi suficiente para superar os gargalos históricos
que impedem o Brasil de dar um salto de qualidade na educação. Essa guinada à
revolução do ensino não ocorre e não ocorrerá pelo fato dos principais
articuladores desse projeto reformista estarem vinculados a um plano político
conservador em escala global, onde segue a lógica do consenso capitalista.
O
controverso e polêmico PNE (Plano Nacional de Educação) que tramitou nas
instâncias do legislativo federal por anos até sua aprovação em 2014 se notabilizaram
em uma tênue esperança de reverter um quadro desolador sobre a educação pública
brasileira. Diante de um cenário político confuso, de denúncias generalizadas
de corrupção e de pressões dos credores no cumprimento das metas de inflação,
cada vez mais saúde, educação, segurança, previdência etc., foram se
transformando em bodes expiatórios das contínuas crises de gestão. Já é praxe todo começo de governo as primeiras
notícias divulgadas pelos porta vozes dos palácios são cortes e mais cortes no
orçamento para o cumprimento de metas fiscais.
Adivinha
qual o setor sempre mirado pelos governos de plantão pelos cortes? O processo
de reforma conservadora da educação teve continuidade com a aprovação na nova
BNCC (Base Nacional Curricular Comum) em 2018 que excluiu o ensino médio por
ter sido contemplado por legislação própria. Tanto a base nacional curricular
quanto a reforma do ensino médio ambos tem como pano de fundo transformar a
educação brasileira em um produto mercantilizável, ou seja, um negócio a
disposição do mercado. Nessa perspectiva, o discurso mais corriqueiro dos
burocratas que integram os governos de plantão são tornar o Brasil uma potência
e que isso deve acontecer pela melhoria da educação.
Quem
conhece o chão das escolas públicas, o dia a dia dos professores, sabe que tais
discursos são vazios. Hoje em dia quase 90% das escolas públicas brasileiras
não apresentam as mínimas condições de infraestrutura para o exercício da
profissão docente. Outro agravante são os salários recebidos pelos
profissionais do ensino, onde recebem proventos abaixo do piso estabelecido por
lei federal. A eleição de Bolsonaro em
2018 acendeu o sinal amarelo para diversos seguimentos da sociedade, dentre
elas a já decadente educação pública.
Tal
pessimismo se dá quando nos discursos de campanha intensificou ataques
inflamados ao currículo, considerando-o ideológico pelo fato de abordar
princípios pedagógicos inspirados nas obras do educador Paulo Freire. Somente
isso é suficiente para justificar a frágil compreensão desse governo em termos
de correntes pedagogias e, principalmente, conceituação de ideologia. O que peca no discurso e no próprio plano de
governo é a inexistência de estratégias coerentes capazes de promover a chamada
“revolução da educação”, como apregoam seus protagonistas de plantão.
O
mesmo quadro negativo refletido pelos educadores frente ao projeto
ultraconservador do governo federal, também é sentido no estado de Santa
Catarina, com a eleição de Carlos Moises, aproveitando a onda bolsonarista.
Tanto lá quanto aqui, o programa apresentado para a educação não deixa claro as
estratégias para promover a transformação pretendida para a educação. Se no
plano federal, a política do governo para a educação é enxugar o currículo
dando destaque às áreas “exatas” às humanas. No instante que um plano de ensino
sobrevaloriza áreas em detrimento de outras, está implícito um projeto de
sociedade fragmentado, de sujeitos acríticos, maleáveis e dóceis.
Em
nenhum momento se alimentou a esperança de que fosse indicado um nome à pasta
da educação fora dos quadros do projeto reformista neoconservador. No governo
anterior, as reformas impositivas à educação pública estadual já assinalavam um
explícito retrocesso no ensino público. O que foi construído e se avançou em
termos de educação transformadora, iniciada a partir do primeiro congresso
internacional de educação no estado em 1998, foi se esvaziando com o passar dos
anos.
As
Propostas Curriculares e os PPP (Projetos Políticos Pedagógicos) foram
teoricamente os poucos instrumentos relativamente transformadores conquistados
pela escola pública catarinense na sua longa e difícil jornada de tentativa de consolidação
profissional. Todos os anos nos dias que antecedem ao ano letivo, professores e
demais profissionais do ensino se reúnem para redirecionar os caminhos que a
escola seguirá durante o ano. Como é de praxe, a leitura de parágrafos do PPP
segue um rito quase que sagrado pelos profissionais. Quando se tenta conciliar
proposições do projeto pedagógico com os discursos gravados por membros do
governo estadual e exibidos aos professores, vem a decepção.
Aquilo
que se propugna como escola transformadora, capaz de superar as contradições e
as desigualdades sociais, se transforma em revolta quando se sabe que o cargo
de gestor executivo da pasta da educação estadual será ocupado por alguém afinado
ao plano de mercantilização do ensino. Exatamente isso. No governo anterior, o
secretário estadual de educação atualmente presidente do CNE (Conselho Nacional
de Educação), firmou parceria com a FIESC (Federação Indústrias do Estado de
Santa Catarina) e institutos como a fundação Ayrton Sena, para alavancar o
programa reformista do ensino público.
Conforme
relatou integrante da UNDIME (União dos Dirigentes Municipais) em encontro
ocorrido em 2017 em Florianópolis, o mesmo afirmou que a FIESC está
concentrando esforços para que até 2024 todos os municípios catarinenses possam
ter cumprido as 20 metas o Plano Municipal de Educação. Não relatou o membro da
entidade acima que até o momento, nem um terço das metas foram cumpridos,
principalmente a meta sobre a oferta do ensino infantil. Em âmbito estadual, a
realidade não é diferente. O atual secretário da educação foi escolhido
seguindo critérios compatíveis ao programa de parceria firmada entre FIESC, FECOMÉRCIO,
UNDIME e Governo do Estado, todos em “defesa da educação”.
Em
sua fala já como secretário da educação disse: “meu papel como gestor da educação será o desenvolvimento sustentável
da indústria, inovação e aperfeiçoamento da gestão e a intervenção entre as
empresas e as instituições de ensino e pesquisa”. Como membro do Instituto Euvaldo Ladi, entidade da
federação das indústrias do estado de SC, sua
atuação na entidade esteve pautada no desenvolvimento de estratégias para o
fortalecimento da educação e inovação tecnológica.
Quando
se trata de inovação tecnológica se subtende que as escolas estejam bem
estruturadas com laboratórios aptos para o aprimoramento dessas habilidades
cognitivas dos estudantes. É importante o secretário saber que todos os
laboratórios de informática que funcionavam precariamente foram desativados em
2017. Hoje o que restam nas escolas é um amontoado de equipamentos sucateados e
inutilizados ocupando espaços em salas, estantes e armários. Os poucos aparelhos
que sobraram, a exemplo da EEBA de Araranguá, que possui quatro sistemas
funcionando precariamente, estão disponíveis na biblioteca para atender cerca
de 800 estudantes.
Essa
é a inovação tecnológica que se quer desenvolver nas escolas públicas da rede
estadual de ensino de Santa Catarina, sem laboratórios de informática? Não há
dúvida que serão quatro anos de intenso massacre aos professores da rede
estadual. Se fosse diferente, não teria uma deputada eleita pelo mesmo partido
do governador de Santa Catarina, assumindo uma postura ridícula de estimular os
pais e estudantes a gravarem e denunciarem nas redes sociais, professores que
apregoassem opiniões contrárias ao governo federal, na lógica da “escola sem
partido”, proposta ridícula apregoada por mentes doentes.
O
fato positivo foi a decisão lúcida de um ministro do STF de ter derrubado
decisão judicial da corte de Santa Catarina que assegurava a permanência da
página da deputada disponível para publicar denúncias de professores em sala de
aula. Tal postura da deputada é uma afronta a própria constituição federal, que
assegura direito aos professores de exercerem sua profissão sem com liberdade.
Essa ação da deputada como de outros que compartilham dessa postura nefasta e
nada producente, é semelhante à adotada no regime militar quando cidadãos eram
vigiados, presos, torturados e mortos, só pelo fato de terem opiniões e
pensamentos divergentes ao regime.
Em
se tratando de caos generalizado na educação pública da rede estadual, o
problema atinge também escolas tradicionais e reconhecidas no estado inteiro
por seu excelente serviço pedagógico oferecido à população. O exemplo é a
Escola Básica Castro Alves com mais de 60 anos de existência, que hoje se
definha dominada por problemas estruturais onde põe em risco diário cerca de
1000 estudantes. O quadro é tão desolador que na primeira semana do início do
ano letivo a escola virou notícia nos principais veículos de comunicação do
município e região.
As
reportagens ressaltaram as demandas estruturais da escola que há anos não
recebe qualquer manutenção. Se a unidade está ainda em funcionamento se deve ao
empenho dos professores e da comunidade num todo que todos os anos realizam
eventos para arrecadar recursos visando reparos estruturais paliativos. Somado
a forros e paredes quase desabando, a escola sofre com ar condicionados que não
funcionam, quedas de energia, assentos destruídos, etc. Não incluiu nessa
reportagem o aspecto pedagógico, que também sofre os mesmos descasos que os
estruturais.[1]
Até
quando devemos esperar por soluções. Fatos como aqui relatados fazem lembrar as
tragédias ambientais de Minas Gerais, os incêndios da Boate Kiss, Museu
Nacional do Rio e o centro de treinamento do flamengo com centenas de vidas
ceifadas pelo descaso das autoridades. Tanto a Escola Básica Castro Alves como
a EEBA, ambas vem há anos dando sinais visíveis de que algo trágico poderá
ocorrer. É preciso que tragédias com
vidas perdidas ocorram para depois tomar providências e ouvir lamentações e
desculpas?
A
esperança mais uma vez contra as mazelas às escolas públicas e ataques
previstos aos direitos dos professores é a organização da categoria. Foi
através disso que asseguramos algumas conquistas como a descompactação da
tabela salarial e a não municipalização de algumas escolas da rede estadual.
Não há dúvida que o estado de Santa Catarina servirá como laboratório das
reformas educacionais propostas pelo governo federal, pois é o único estado
cujo governo é do mesmo partido de bolsonaro.
Prof.
Jairo Cezar
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