OS IMPACTOS DA QUEIMA DE FOGOS DE
ARTIFÍCIOS NO COMPORTAMENTO DOS ANIMAIS E AS LEGISLAÇÕES QUE RESTRINGEM O SEU
USO
Admite-se
que é de conhecimento de todos/as que a queima de fogos de artifícios com
estampidos resulta em danos irreversíveis para animais domésticos, espécies da
fauna silvestre e também ao ser humano. Animais silvestres (aves e mamíferos) e domésticos (cães e gatos) possuem enorme
sensibilidade auditiva, que quando submetidos/as a ruídos extremos são
acometidos/as de violento estresse levando-os/as até a morte. O ritual da
queima de fogos de artifícios é um costume milenar. Inventado pelos chineses quando
do preparo de elixires para o prolongamento da vida, chegou a Europa no século
XIV trazido pelos árabes, e dali em diante foi disseminado para o restante do
mundo.
Durante
séculos seu uso vem sendo questionado por ambientalistas e comunidade
cientifica, com centenas de trabalhos científicos que comprovam que tanto a luz
quanto o barulho emitido resultam em mudanças abruptas no comportamento de
animais, bem como em lesões orgânicas graves. Um artigo publicado pela revista
Bio Ethikos, do Centro Universitário São Camilo, com o título Bioética Ambiental:
refletindo o uso de fogos e suas conseqüências para a fauna, discorre sobre a
incoerência do uso desses artefatos no ponto de vista dos princípios teóricos
da ética animal.[1]
O
antropocentrismo que concebe o ser humano como “superior” as demais espécies
vivas, ameaça sua própria existência e de milhares de ecossistemas no planeta.
O status moral de irracional atribuído aos animais é de torná-los submissos ao ser
humano. Todas as ações depredatórias cometidas aos ecossistemas são,
inquestionavelmente, reflexos diretos e indiretos do pensamento individualista,
reducionista, que enxerga as coisas, os objetos, os animais, à luz exclusiva do
utilitarismo.
A
felicidade, idealizada diferentemente no tempo e culturas, no ocidente é
versada de sentimentos e de prazer que ferem princípios básicos da bioética.[2] A
compreensão de que centenas de espécies vivas incluindo categorias de seres
humanos são sensíveis a fatores externos como ruídos extremos, levariam
governos e a própria sociedade a se mobilizarem na erradicação do uso de
explosivos com estampidos. Em se tratando de Brasil, não há ainda legislação
federal específica que restrinja definitivamente a fabricação e o comércio de
fogos de artifícios com estampidos para fins pirotécnicos.
No
começo de 2017, deu entrada na câmara dos deputados, projeto de lei de autoria
do deputado Ricardo Izar - PP/SP que propõe a proibição e soltura de fogos
barulhentos. O que atualmente a disposição dos órgãos fiscalizadores são
dispositivos como a Lei de Crimes Ambientais que pune a submissão de animais ao
sofrimento desnecessário. Não havendo uma regra geral que discipline o
seguimento, o que se vê são iniciativas isoladas protagonizadas por vereadores
e deputados estaduais apresentando e aprovando leis que proíbem práticas tão
arcaicas como é a queima de fogos.
Só
para exemplificar, Paris, considera uma das cidades mais badaladas do planeta,
há muito tempo não se houve barulho de fogos de artifícios nas festas do Révellion,
o que se houve são somente os estampidos das rolhas das garrafas de espumantes.
No Brasil, cidades como Curitiba, Porto Alegre, Campinas, entre outras, saíram
à frente com iniciativas importantes e sustentáveis de proibir a detonação de
fogos de artifício no município.[3] A
população e todas as espécies de animais domésticos e silvestres já conseguem
ter um pouco mais de sossego, bem como reduziu significativamente os atendimentos
de feridos por queimaduras em hospitais.
Em
Santa Catarina, em 24 de agosto de 2015, o município de Bombinhas sancionou a
lei n. 1.467 de 2015 que veda o armazenamento nos comércios locais de fogos de
artifício, bem como sua detonação nas praias, a fim de ser resguardado à saúde,
à segurança, o sossego público e o meio ambientes.[4] A
idéia de erradicação definitiva do comércio de fogos vem ganhando a simpatia da
população e refletindo no comportamento dos integrantes dos poderes
constituídos em santa Catarina. Em agosto de 2017, o deputado estadual Nilson
Berlanda, do PR, apresentou o projeto de lei n. 265/17 que tratou sobre a
proibição por parte do governo do estado de comprar e repassar recursos
públicos para tais fins.
A
justificativa do deputado a respeito do projeto de lei de sua autoria trata o
seguinte: “os recursos públicos tem que
ser geridos com grande responsabilidade e a compra de fogos pelo estado em
épocas em que temos prioridades importantes na saúde, segurança, educação é
desperdício de dinheiro público”. Na mesma direção seguida pelo deputado
Berlanda, em fevereiro de 2017 a deputada estadual Ana Paula Lima, do PT,
apresentou na Assembléia Legislativa projeto de lei n. 0001.02/2017 que defende
a proibição definitiva do emprego de fogos de artifícios em todo o estado de
Santa Catarina.
Em
abril de 2017, o respectivo projeto foi encaminhado a CCJ, porém, sem prazo até
o momento para votação em plenário. Sua argumentação na defesa da proposição
são as mesmas defendidas por outros/as legisladores/as, organizações científicas
e de entidades de proteção aos animais domésticos e silvestres, isto é, assegurar
a integridade física e o bem estar. Na sua justificativa, relatou que animais
domésticos como cães chegam a morrer enforcado na tentativa de fugir das
correntes. Quanto aos animais silvestres, ambos sofrem tanto com o clarão
quanto com os estrondos dos fogos. Ao tentarem fugir, ficam desorientadas,
batendo em árvores e outros obstáculos. Em casos extremos, força a migração e
até mesmo o próprio ciclo de reprodução.[5]
A
multa prevista para quem desobedecer à lei chega a 5 mil reais, dobrando em caso
de reincidência. No município de Florianópolis, a vereadora Maria da Graça de
Oliveira Dudra, do PMDB, protocolou em abril de 2017, na câmara municipal,
projeto de lei n. 01626/2017, contendo os mesmos parâmetros da deputada
estadual Ana Paula Lima, que é a erradicação da queima de fogos no município.
Sua alegação vai além dos danos à saúde animal e humana, afetando o ambiente
num todo, devido aos elementos químicos nocivos liberados no momento da queima.
O
projeto também tramita na CCJ da câmara. A vereadora, na tentativa de destrancar
o projeto de lei, publicou petição na internet com a # Somos Todos Contra os Fogos, com vistas a colher milhares de
assinaturas a favor da proposta.[6] Mais
ao sul do estado, o município de Laguna, a vereadora suplente Nadia Tasso Lima,
do PMDB, também se sensibilizou com a causa ambiental, apresentando projeto de
lei n. 032/2017 com o propósito de combater a queima de fogos de artifício em
seu município. A proposta visa a proibição em recintos fechados, abertos e em
áreas públicas e privadas.[7]
No
município de Araranguá, há muito tempo entidades ambientais e significativa
parcela da população vem, insistentemente, lutando pela erradicação da poluição
sonora provenientes de som automotivo, carros de propaganda e fogos de
artifícios, que produzem mal estar e transtorno à população e animais. Em
relação aos ruídos e os percentuais aceitáveis em decibéis, existem legislações
específicas que disciplinam o seu uso. No próprio município, o plano diretor e
o código ambiental, ambos aprovados há pouco tempo estabelecem regras sobre tal
tema. Entretanto, mesmo com todas as leis existentes, as infrações são
cometidas diariamente.
Quanto
aos fogos de artifícios, no final da gestão petista em Araranguá (2013-2016),
deu entrada na câmara de vereadores de Araranguá, projeto de lei do vereador
Aquiles Guellere, que certamente, se fosse aprovado, poria o município no ranking
estadual e nacional de município livre de fogos. O projeto de lei do vereador
do PSB foi fundamentado em dispositivos presentes na Constituição federal, ECA (Estatuto
da Criança e do Adolescente) e no Código Penal Brasileiro. Depois de muitos
debates e discussões, o projeto entrou na pauta do dia para votação sendo
rejeitado pela maioria dos vereadores. Em nenhum momento causaria surpresa e decepção,
se os votos contrários ao projeto viessem de partidos como o PMBB, PSD, PPS,
PP, entre outros. Entretanto, ficará marcado para sempre na memória de antigos
militantes, simpatizantes partidários e ambientalistas o comportamento assumido
pelos três vereadores do Partido dos Trabalhadores que votaram contrários ao
projeto.
A
decisão poderia até ter suas justificativas como bloco de oposição na câmara,
etc, entretanto, era compromisso ético de ambos os parlamentares petistas
votarem a favor do projeto, em consideração ao lema Cidade Sustentável assumido
pela administração. Nada disso ocorreu. Talvez intencionados a agradar gregos e
troianos ao mesmo, ajudaram a arquivar o projeto. A aprovação poderia projetar
positivamente o município no cenário estadual e nacional.
Como
acontecem todos os anos em Araranguá, no Réveillon, a queima de fogos de
artifícios ocorre no balneário Morro dos Conventos, considerado um dos
ecossistemas mais vulneráveis do literal catarinense. Há anos ambientalistas e
a população araranguaense vem se esforçando para transformar aquele belo
cenário paradisíaco e complexo em Unidade de Conservação. No final de 2016, a
administração petista homologou três decretos criando: a APA (Área de
Preservação Ambiental), RESEX (Reserva Extrativista) e a MONA (Monumento
Natural Morro dos Conventos).
Com
os decretos, essas unidades passam a recebem atenções especiais, cujas
atividades de qualquer natureza deverão seguir, obrigatoriamente, planos de
manejo articulados entre o poder público, órgão ambiental e a sociedade civil
organizada. Embora não se tenha havido ainda a concretização dessa etapa, as
Unidades de Conservação estão constituídas de fato. Todas as atividades que
geram impactos aos ecossistemas integrados a Unidade de Conservação estão
vedados e são considerados crimes ambientais. A queima de fogos de artifício,
portanto, terá que ser transferida para outro local, onde não resulte em
poluição sonora para o local.
Os
próprios administradores públicos catarinenses, bem como o prefeito de
Araranguá, deveriam seguir o pensamento do deputado Berlanda, do PR, que
justificou sua proposta de lei afirmando que em vez de gastar dinheiro com
supérfluos, se destine para a saúde, educação, etc. Se o país, estados e
municípios estão realmente sofrendo com a crise econômica como se vem
propagando, que é necessário economizar, gastar dinheiro público com compra de fogos
não se justifica o argumento da crise. Não é mesmo?
Prof.
Jairo Cezar
[1] https://www.saocamilo-sp.br/pdf/bioethikos/155567/A04.pdf
[2]
Bioética (grego:
bios, vida + ethos, relativo à ética) é o estudo transdisciplinar entre
Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Filosofia (Ética) e Direito
(Biodireito) que investiga as condições necessárias para uma administração
responsável da Vida Humana, animal e ambiental.
[3] http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/a-regulamentacao-dos-fogos-de-artificio-9bhvytsrebmnyqq0fjthxrqdq
[4] http://www.bombinhas.sc.gov.br/noticias/index/ver/codNoticia/324197/codMapaItem/10974
[5] http://www.alesc.sc.gov.br/expediente/2017/PL__0001_2_2017_Original.pdf
[6] http://www.peticaopublica.com.br/inviter.aspx?pi=BR99915&thk=1
[7] https://notisul.com.br/geral/129944/a-favor-dos-caes-projeto-de-lei-pede-proibicao-de-fogos-de-artificio-em-laguna
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