ACADÊMICO DE METEOROLOGIA DA UFSC PROMOVE PALESTRA PARA ESTUDANTES DA EEF DO MORRO DOS
CONVENTOS E IFSC - ARARANGUÁ
Como
ocorrem todos os anos nas escolas públicas estaduais, as feiras interdisciplinares
se constituem em momentos importantes, pois, paralelamente as atividades
curriculares formais, estudantes são desafiados/as à investigação de temas
relevantes, que são apresentados aos colegas e a comunidade. A feira interdisciplinar
de 2010 na EEF Padre Antônio Luiz Dias bairro Morro dos Conventos/Araranguá
poderia ter sido mais uma entre as muitas ocorridas anteriormente. Mas não foi.
Sem desmerecer os demais trabalhos apresentados, o que realmente marcou o
evento foi à pesquisa apresentada pelo estudante do 8° ano, Felipe do Canto, que
explanou aspectos da atmosfera: formação de nuvens, temperatura e fenômenos
climáticos extremos, com destaque ao Furação Catarina.
Instigados
pela temática, durante todo o dia expressivo público transitou pela sala onde,
com conhecimento de causa, o estudante expôs tema repleto de significados para a
população do bairro. Há 13 anos, no dia 29 de abril de 2004, a região do
extremo sul de Santa Catarina fora acometida por terrível furação, que resultou
em prejuízos materiais e perdas humanas. A resposta que o público talvez
desejasse ouvir do garoto instigado pela investigação era: havia possibilidades
de ocorrer outro/os furacões na mesma intensidade destrutiva que do Catarina? É
claro que seria impossível naquele momento diante das limitações humanas e
estruturais, lançar resposta no mínimo confiável. Eram necessários, portanto,
mais pesquisas. Ingressar na
universidade, quem sabe no mestrado ou doutorado, corroborariam com essa árdua
tarefa.
O fato é que, no Brasil, foi a primeira vez,
desde que se iniciou o monitoramento da atmosfera, que ocorreu um fenômeno
climático extremo dessa magnitude. Passaram-se 6 anos, o garoto, agora jovem e tendo
concluído o ensino médio, tentou uma das vagas no curso de meteorologia da UFSC
em 2016, no qual foi selecionado. Em março de 2017, bem no início do curso na
universidade, mantive contato com agora acadêmico de meteorologia, no qual me
informou que na pesquisa de TCC, irá se debruçar na investigação do clima na
região sul, que visivelmente tem comportamento distinto do restante do estado. Respondeu
também que estava integrado com outros pesquisadores em observações e previsões
do tempo para os finais de semana em Santa Catarina.
Depois
de uma pausa de oito meses sem contato, em novembro do mesmo ano, Felipe me
enviou um whatssap, onde escreveu o seguinte: Bom
dia Jairo, tudo certo? Então, estou iniciando minha vida de pesquisas na
universidade, e criando algumas ideias na minha cabeça, meu foco será o Vale do
Rio Araranguá e relacionarei variações do Rio Araranguá com as variações
climáticas ocorridas na região. Porém, necessito de uma base dos acontecimentos
históricos na região relacionados ao clima. Daqui a algumas semanas estarei
retornando para o Morro para passar as férias em casa. E queria saber se tem
como marcarmos uma conversa para que eu possa tirar algumas dúvidas que
acredito que você tenha as respostas. Abraço! Enquanto muitos acadêmicos decidem os temas dos
seus TCCs, no último semestre, Felipe, na sua escrita já mostrara ter clareza
do que pretendia investigar. No dia 29 de novembro, outra mensagem, agora informando
que proferiria duas palestras, uma para estudantes da escola estadual onde concluiu
o ensino fundamental, bairro Morro dos Conventos, na sexta feira, 01 de
dezembro, e outra no IFSC/Araranguá, dia 04 de dezembro.
É
claro que não iria, depois de seis anos, perder a oportunidade de ouvi-lo. Agora, com certeza, dele poder dar respostas mais
seguras aos questionamentos feitos em 2010 sobre fenômenos climáticos extremos.
Por cerca de 2 horas, estudantes do nono ano, professores e o corpo gestor da
escola acompanharam atentamente sua explanação. Discorreu sobre temas
relacionados ao clima no planeta, fenômenos climáticos extremos e ações
antrópicas que afetam o micro clima da região, do município e do próprio bairro
Morro dos Conventos.
De
início citou nomes de alguns instrumentos, dos mais de 20 existentes no
interior de uma estação meteorológica, que são imprescindíveis para o
monitoramento diário do tempo. Os satélites meteorológicos e os radares exercem
hoje funções importantíssimas no monitoramento das manifestações do tempo. Em
Santa Catarina existem atualmente, em funcionamento, dois radares, um instalado
em Chapecó e outro em Lontras. O terceiro, em fase de configuração será
instalado em Araranguá. Com os três em
funcionamento, ambos irão cobrir cem por cento do território catarinense.
Na
palestra que proferiu no IFSC, Felipe revelou que o radar previsto para ser
instalado em Araranguá, não há prazo para entrar em funcionamento, pois foi
constatado falhas no sistema de configuração. Para resolver o problema, o
Estado deverá encaminhar edital de licitação para contratação de empresa que
realizarão os procedimentos. Também não há qualquer certeza de que o equipamento
permanecerá no local estabelecido, no entorno do farol, no Morro dos Conventos.
Devido aos fatores geográficos, o sinal do radar não atuará com eficiência sobre
os municípios próximos ao costão da serra. Destacou também a importância do
radar meteorológico localizado no Morro da Igreja, em Urubici, que por estar situado
em um dos pontos mais elevados do estado, Morro da Igreja, quase se caracteriza
como um satélite. Entretanto, os dados coletados no litoral, próximo ao oceano,
são de baixa resolução devido à incidência de nuvens com gotículas de água.
Em
relação aos satélites, o Brasil ainda depende dos Estados Unidos no envio das
imagens. As diferenças entre satélites e radares são as seguintes: os radares fazem
a coleta de informações a partir do solo para a atmosfera, ou seja, de baixo
para cima. Outra vantagem, os radares cobrem uma fração menor do território. O tempo
de distribuição das informações dos radares para os centros de monitoramentos
também são menores. Esse fator garante o envio de alerta à população a tempo de
se proteger de um possível fenômeno atmosférico extremo. Esclareceu que existem em órbita dois tipos
de satélites, o geoestacionário e o “órbita polar”. O primeiro, disse Felipe,
está estacionado na linha do equador, enviando informações em maior tamanho às
estações de 5 em 5 minutos. Já o segundo, o órbita polar, gira próximo a
superfície terrestre, passando pelo mesmo local, duas vezes ao dia.[1]
Quando
ocorre um fenômeno climático extremo, no caso de um furacão, dependendo do
local onde está o satélite “orbita polar” naquele momento, a resolução da
imagem pode ser ou não ser tão nítida. Nesse sentido, os meteorologistas
recorrem ao “geoestacionário”, que fornece
imagens em escala muito maior do hemisfério sul, claro que com poucos detalhes comparados
ao primeiro. Explicou que hoje em dia os computadores fazem quase todo o trabalho
de interpretação dos dados recebidos das estações meteorológicas. Entretanto,
os modelos numéricos ainda são muito mais confiáveis.
Os
dados do modelo numérico são avaliados em curto, médio e longo prazo. As informações
são oriundas de estações meteorológicas e aviões, que são transmitidos para o campo
de dados de um supercomputador. Os relatórios estarão disponíveis para o mundo
inteiro. O Brasil possui um supercomputador chamado Tupã. No entanto, confessou
Felipe que o aparelho está para se desativado por escassez de recursos. Caso
ocorra, as previsões do tempo no Brasil poderão depender exclusivamente de
dados globais, fragilizando a eficiência nos monitoramentos.
Mostrou
uma imagem de um ciclone extratropical que se propagou no sul do Brasil em
junho de 2017 e que foi captada pelo satélite estacionário GOES 16, da NOAA. O mesmo fenômeno foi mostrado pelo satélite Órbita
Polar. O que despertou a atenção foi o detalhamento da imagem no órbita polar,
com tons roxos relativos aos raios propagados naquele momento. A cada 3 horas,
o satélite Órbita Polar consegue fazer varredura completa na atmosfera do
planeta terra, prevendo antecipadamente e com detalhes a possível formação de
um furacão.
Noticiou
Felipe que a NASA e o Centro Europeu de Meteorologia estão selando acordo para por
em órbita uma “constelação” de satélites, ou seja, um número maior de
equipamentos que poderão padronizar as informações da atmosfera distribuídas
para os centros de controle no mundo inteiro. Em vez de passar duas vezes no
mesmo ponto ao dia, serão 4 vezes, assegurando aos profissionais do tempo maior
precisão nas análises. Quanto aos profissionais que atuam na investigação e
monitoramento do tempo, além do especializado em nível superior, têm os
técnicos de meteorologia, de nível médio, que atuam na verificação diária e dos
instrumentos nas estações meteorológicas, cujos dados são emitidos para os
meteorologistas.
Sobre
previsão do tempo, Santa Catarina é o único estado da federação que possui um
Centro Regional de Previsão do Tempo, vinculado a EPAGRI/CIRAM, possuindo
também dezenas de estações meteorológicas distribuídas em toda a extensão do
território. Mesmo a estatal permanecendo fechados das 24 horas às 6h da manhã,
seus profissionais, em suas residências, continuam realizando o monitoramento
do tempo. Outra imagem curiosa trazida pelo estudante foi de uma planilha com
informações colhidas na estação meteorológica da Lagoa da Serra/Araranguá. A
planilha mostra a grande amplitude térmica ocorrida em Araranguá em um único
dia do mês de outubro de 2017, a temperatura oscilando de 10 a 32 graus. Essas
variações abruptas de temperatura podem se um dos vetores dos elevados índices
de doenças alérgicas na região.
Na
realidade, o papel específico dos meteorologistas é estudar os dados coletados
e guardados da atmosfera em escala menor ou maior. Com base nessas observações
seria possível prever com mais precisão as manifestações que ocorrem na
atmosfera. Felipe deixou claro que seu objeto de pesquisa será a região do
extremo sul, entender qual a área onde ocorre maior precipitação pluviométrica
no qual contribui para as cheias do rio Araranguá.
Sobre
as cartas sinóticas, disse que a marinha ainda as elabora manualmente,
diferente do INPE, que se utiliza de computadores. Os dados obtidos manualmente
são muito mais confiáveis que os de computador, pelo fato do computador
desconsiderar muitos aspectos ou variáveis importantes que ocorrem na atmosfera.
Os meteorologistas buscam prever o tempo analisando muitos dados ou modelos.
Suas funções são interpretá-los de tal modo que se possam reduzir ao máximo os
erros. Dados colocados erradamente poderão trazer problemas para o futuro, pois
os profissionais poderão estar interpretando informações incorretas.
Com
base em observações, os modelos prevêem chuvas entre 7 a 20 mm para terça
feira, 05 de dezembro. Felipe apresentou um modelo climático de longa duração
para o sul do Brasil, de janeiro a outubro de 2017. Os dados demonstraram o
aquecimento do oceano atlântico e o resfriamento do pacífico. Nesse sentido, é
presumível que a região esteja sobre a influência do la nina, ou seja,
teoricamente, com pouca precipitação para o sul do Brasil. Devido ao
aquecimento global, pode-se admitir que tais modelos climáticos não mais se
justificassem. As previsões ou modelos numéricos deixam transparecer que para o
Rio Grande do Sul haverá baixa precipitação durante o verão. Enquanto que para
Santa Catarina e Paraná, a tendência é chover acima da média. Se o la ninã
realmente se evidenciasse não haveria distinção entre chuva e seca entre os
três estados do sul, justificou Felipe.
Outro
tema relevante abordado e que despertou a atenção do público presente, na EEF
Padre Antônio Luís Dias/Morro dos Conventos e IFSC/Araranguá, foi sobre o
fenômeno climático extremo furação Catarina. Disse que furacões são fenômenos
climáticos considerados de maior anomalia conhecida no mundo. Que o Catarina, por
ter sido um acontecimento inédito no hemisfério sul, despertou a curiosidade de
pesquisadores no mundo inteiro. Quanto aos tornados, tais episódios estão se
tornando mais freqüentes no sul do Brasil, perdendo apenas para os EUA em
ocorrência.
Chuvas
e ciclones extratropicais no sul do Brasil dependem exclusivamente da
Amazônica. Os ventos lestes com unidade vindo do oceano entram na Amazônia
provocando chuvas. Com a evaporação, um corredor de vento de grande altitude e
com velocidade de um furacão transporta a umidade para o sul do Brasil. Isso
acontece porque os ventos com umidade se chocam na cordilheira dos Andes. Se
não existisse a Amazônia e a cordilheira dos Andes, o sul do Brasil poderia se tornar
um grande deserto. Explicou também Felipe que as tempestades com ventos fortes
são mais comuns à noite devido a pouca turbulência na atmosfera, tornando os
ventos mais velozes. Os picos de tempestades geralmente acontecem entre meia
noite e nove horas da manhã. As tempestades gigantes ocorrem na madrugada.
No
sul do Brasil há predominância de ciclones tropicais, subtropicais e
extratropicais. Os ciclones subtropicais
geralmente se foram sobre o continente. Sua incidência é resultante da presença
de água quente na superfície e ar quente em níveis médio de altitude, e ar frio
em níveis elevados. Um ciclone subtropical, que se originou na região do Chaco,
no Paraguai, atingiu o estado de Santa Catarina em 2008 causando destruição e
mortes. Os ciclones tropicais possuem água quente na superfície. Todo ciclone é
frio a partir da superfície. Tanto o ciclone tropical quanto o subtropical,
ambos não possuem frente fria associada. O formato das nuvens geralmente é
arredondado, diferente do extratropical que possui um desenho em espiral.
Os
ciclones extratropicais normalmente passam em alto mar com ventos superiores a
dos furacões. Os mesmos dificilmente atingem a costa com ventos fortes devido ao
movimento do ar que ocorre de oeste para leste. Foi exatamente um ciclone
extratropical o responsável pelo furacão Catarina, que se transformou em
ciclone tropical. O mesmo se desprendeu da frente, tornando-se um fenômeno
climático isolado, com comportamento atípico, ou seja, conseguiu sobreviver
sozinho. O furacão se formou porque a atmosfera no seu entorno cessou o
movimento. O que ocorreu, portanto, foi um fenômeno pouco comum na região,
conhecido por bloqueio atmosférico. O furacão ficou 8 dias se organizado até
atingir a costa. Segundo especialistas, o vento do Catarina quando atingiu a
costa sua velocidade chegou a 170 Km/h, com rajadas de 210 Km/h.
Outro fator influenciador do fenômeno Catarina
foi a elevada temperatura da água do mar, beirando os 25 graus, 10 graus acima
do normal. Devido a grande rotação, os ventos sugaram a água salgada do oceano,
pois não houve tempo para evaporação. Os meteorologistas conseguiram medir a
dimensão e intensidade dos ventos graças às imagens em 3D fornecida pelo satélite
de orbita polar que transportava radar na sua ponta. O satélite já foi
desativado pela NASA. A região do extremo sul de Santa Catarina foi a mais
atingida com 40 mil residências destruídas. O que ajudou a dissipação do
furacão foi a presença de ventos fortes em elevada altitude sobre a serra
geral. Na ausência desses ventos poderia estender a área de abrangência e o
tempo do furacão resultando em prejuízos materiais e perdas humanas.
O
uso de cartas sinóticas, imagens em grade escala de uma região são importantes
no monitoramento das frentes frias que ocorrem com freqüência no sul do Brasil,
atingindo por sua vez, em caso extremo, a Amazônia. Explicou que o
comportamento da atmosfera depende diretamente das estações do ano. No inverno
a região sul sofre influência das frentes frias, muitas vezes com a
predominância de forte massa de ar polar, provocando a ocorrência de friagem na
Amazônia. Em julho de 2017, os meteorologistas
previam a ocorrência de neve nas áreas altas da região sul do Brasil. Porém, em
decorrência da fraca predominância de umidade em níveis altos da atmosfera,
inviabilizou a formação de neve.
As
manifestações extremas do clima na região do extremo sul de Santa Catarina, com
chuvas abruptas ou secas prolongadas tem relação com a ação antrópica. Nas
ultimas décadas vastas áreas de florestas foram suprimidas para dar lugar às
plantações de arroz irrigado. Atualmente, segundo estudos, apenas 19% do solo é
considerado natural, ou seja, permanece coberto por vegetação natural. Uma
gigantesca área de solo todos os anos está sendo ocupada por enorme quantidade
de água, transformando em combustível alimentador de tempestades severas. A
tendência, segundo Felipe, é chover a mesma quantidade de chuva anualmente,
porém, mal distribuída ou em forma de tempestades severas. Disse também que
seria importante estudar a atividade rizicultura na região observando o quanto
de água é evaporado e de que modo isso influencia no micro clima.
Prof.
Jairo Cezar
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