REDE
PÚBLICA ESTADUAL DE ENSINO DE SANTA
CATARINA E OS RETROCESSOS NA CARREIRA DOCENTE
Nas
últimas semanas, os/as professores/as da rede pública estadual de SC, exaustos
diante de tantas responsabilidades e problemas rotineiros tendo de enfrentar
nas suas escolas, e já se preparando para o último bimestre do ano letivo, são
surpreendidos com uma circular bomba do governo, que lhes traz apreensão, em
especial aos/as profissionais que acessaram ao quadro efetivo a partir de 2006
e aos readaptados. Também foram pegos de surpresa os/as docentes que atuam em
classe com estudantes especiais, quando souberam que o STF, desobrigou suas
presenças nas escolas brasileiras. Tais fatos tiveram efeitos semelhantes a um terremoto,
que produziu efeitos devastadores em todas as escolas espalhadas nos quatro
cantos do estado de Santa Catarina.
Quem
está a mais tempo na função docente no estado, possivelmente não reagiu tão compulsivamente
como os demais a mais um ato torturante do governo e do seu fiel escudeiro secretario
da educação. Se a educação fosse como tanto se apregoa nas campanhas
eleitorais, prioridade número um dos governos, não haveria razão de tantas
greves, paralisações, como se sucederam nas últimas décadas. Não é mesmo? O
fato é que o foco das lutas do magistério vem a cada período tomando outros
direcionamentos, de reajustes salariais, lei do piso do magistério, à
preservação de direitos conquistados.
É
claro que os signatários do documento bomba tinham clareza que seus efeitos
abalariam a rotina das unidades de ensino, podendo, de fato, resultar em
mobilizações, paralisações e até mesmo ameaça de uma possível greve da
categoria. Viver o dia a dia de uma escola pública estadual e outras tantas
públicas municipais, não é tão agradável, como insiste retratar a poderosa e
milionária máquina publicitária dos governos, exibindo professores/as, crianças
e jovens sorridentes. Além dos problemas estruturais, os/as professores/as e
demais trabalhadores/as são submetidos/as a tarefas diárias extenuantes/semi-escravidão,
sem o mínimo de recursos técnicos e pedagógicos para o satisfatório exercício
de suas funções.
Todos/as
que ousam entrar na universidade para cursar algumas das licenciaturas
oferecidas têm pretensões de um dia fazer concurso público e galgar a carreira
docente. Foi exatamente o que fizeram
milhares de cidadãos e cidadãs no último concurso promovido na rede pública
estadual de Santa Catarina. O fato é que nesse concurso o regimento encaminhado
pelo governo, alguns dispositivos já davam sinais das reais pretensões de fragilizar
ainda mais a carreira docente.
Como
nos concursos anteriores, todos os editais estabeleciam cargas horárias de 10h,
20h, 30h e 40h. No concurso de 2005, embora o edital estivesse descrito os
respectivos quadros de horas, no momento da posse, os aprovados só puderam
lotar com 10 horas, mesmo havendo na unidade de ensino de sua lotação, mais
horas disponíveis. Aí estava a armadilha preparada pelo governo. Depois de
findado concurso, o governo encaminhou decreto, que permitia a alteração da
carga horária, ou seja, havendo na escola aulas disponíveis de sua área afim, o
mesmo poderia alterar, completando o limite legal de 40 horas.
Outra polêmica que abalou as escolas foi a recomendação
enviada pela SED desautorizando o professor de exercer função docente à disciplina
incompatível ao concurso realizado. Em outras palavras, um/a professor/a que
fez concurso específico em física, onde poderia completar a carga em química, deverá
ter seu quadro de horas reduzido. Imaginem, dez anos trabalhando com 30 ou 40
horas, de repente vê sua vida bagunçada, de perna para o ar, porque terá seu
rendimento reduzido significativamente. Não é desesperador?
Como
professor e pesquisador em história do magistério público catarinense, nos seus
quase 150 anos de resistência pela profissionalização docente, a postura do atual
governo e de seu secretariado, caso as medidas não sejam revogadas, se
configurará em um dos maiores retrocessos na carreira docente. Compare agora o
retrocesso. No final do século XIX, já período republicano, o Estado de Santa
Catarina, encaminha algumas resoluções com intuito de regulamentar a profissão
docente, dentre elas o art. 60 do Regulamento Geral da Instrução Pública do
Estado de Santa Catarina, que assim estava escrito: “os professores efetivos
seriam considerados vitalícios, independentemente da nova titulação, assim que
completassem seis anos de serviço efetivo no magistério, não perdendo seus
lugares, apenas quando fosse por motivo de incursão penal”.
Embora
tivesse que ficar seis anos em estágio probatório, no momento que se efetivava,
se tornava vitalício, não perdia o lugar, nem carga horária e salário era
rebaixado. Era o começo de um longo calvário de dificuldades e desafios dos
professores catarinenses, de reivindicar e consolidar conquistas, e que perdura
até os dias de hoje. Não há dúvida que
tais medidas precarizantes são parte do grande pacote de reformas previstas e
iniciadas há cerca de dois ou três anos, com vistas a fragilizar ainda mais os
serviços públicos oferecidos aos catarinenses. Lembram do acordo do pagamento
da dívida pública dos estados com a união?
A
estratégia do governo é fazer caixa para o cumprimento de acordos relativos ao
pagamento da dívida pública. É claro que é muito mais fácil penalizar os
milhares de professores e demais servidores assalariados, que os incontáveis
sonegadores fiscais e outros tantos empresários beneficiados por isenções
fiscais milionárias. Somando tudo isso, mais os altos salários pagos aos
deputados, assessores, comissionados e os milhões repassados as 35 ADRs, seria
suficiente para restaurar todas as escolas e promover reajustes significativos
a todos os servidores públicos.
Mas
não é isso que ocorre. Não parece piada de mau gosto o que está ocorrendo na
educação? Lembram da propaganda dos governos, com jovens felizes, sorridentes, só
porque a nova BNCC lhes assegurará possibilidades de escolhas no currículo?
Tudo isso são armadilhas que omitem seus reais objetivos de privatizar o ensino
público. É o mesmo que estão fazendo com as Universidades Federais. E os planos
nacionais, estaduais e municipais de educação, já leram as 19 metas propostas? Quase todas com um viés revolucionário, não é
mesmo? Sem esquecer o PCNs e a Proposta Curricular Catarinense, essa última sancionada
em 2014, ambas merecedoras de prêmios pela ousadia de seus protagonistas Não é
mesmo?.
Diante
de tantos planos, propostas inovadoras no ensino, afinal como são o cotidiano
das escolas, dos professores, do processo pedagógico, administrativo, etc?
Pedagogicamente, a escola hoje é o retrato fiel de 50, 100 anos atrás: quadros ou
lousas negras ou acrílicas, classes em fila, aulas guiadas por livros didáticos
ou apostilas, provas, exames, notas, conselhos de classe que mais parecem
tribunais de inquisição, etc, etc. Qual a escola que inovou seguindo o que determina
os PPP, as propostas curriculares, que trabalham com projetos, currículos
integrados, que envolvem os estudantes, comunidades nas reuniões pedagógicas e
nas semanas de planejamento? A quem interessa tudo isso? É claro que para os
governos e as poderosas oligarquias regionais, o modelo de escola inovador, integral,
comprometeria tal hegemonia.
Para
dificultar ainda mais possíveis rupturas desse atual modelo hegemônico de
administração, o governo vem se utilizando de artimanhas sórdidas, flexibilizando
ainda mais o trabalho do professor. Situação tão terrível que nos dias 05 e 06
de outubro de 2017, milhares de mensagens foram redigidas e compartilhadas
pelos professores no estado inteiro pelas redes sociais. Frases do tipo: “agora
não é aumento, nem lei do piso... é sobrevivência! É o divisor de águas entre
ter emprego ou ter carreira”.
A
frase confirma o que muitos visionários da educação diziam no passado, que a
categoria teria que se organizar e se fortalecer para enfrentar o golpe
decisivo do capital sobre os educadores. Historicamente foram nos momentos mais
turbulentos da trajetória docente que os/as professores/as puderam se
reorganizar, tomando consciência do monstro/governo que estava criando,
enfrentá-lo e fazer recuar até extingui-lo definitivamente. Combater todos os vícios
e privilégios do atual sistema de governo que se nutre da ingenuidade e a miséria
de milhões de catarinenses é tarefa dos movimentos sociais, como dos sindicatos
e demais entidades representativas. Não esquecer que as transformações também se
dão em escalas institucionais, com a escolha de representantes comprometidos com
os interesses sociais.
Prof.
Jairo Cezar
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