AS
DIFICULDADES E OS DESAFIOS PARA A INCLUSÃO DO DEFICIENTE VISUAL
MÁQUINA DE ESCREVER BRAILLE |
Fazendo
uma breve retrospectiva de importantes civilizações quanto as suas concepções
em relação ao tratamento de pessoas com certas deficiências como a cegueira, há
de se convir que as posições e interpretações sobre o assunto são distintas uma
das outras. Tais observações são
importantes para compreender o desdobramento social, cultural e político no
tempo e no espaço e suas contribuições para a oficialização de políticas
públicas que tornam pessoas com deficiências, integradas socialmente.
Enquanto
em certas culturas o deficiente visual era concebido como incapaz, dependente,
chagando ao extremo da sua condenação à morte, no Japão, Grécia, Roma, eram
venerados e vistos como sujeitos especiais e dotadas de extraordinárias
habilidades cognitivas. Muitos desses “especiais” se tornavam letrados,
historiadores, poetas e contadores de histórias. O Egito, na antiguidade era
conhecido como o território dos cegos. Isso se deve pelo fato da alta incidência
de calor e poeira que derivavam em lesões nos olhos das pessoas.
IMPRESSORA BRAILLE |
Com o tempo e com as transformações no campo
social e econômico, o deficiente visual tornar-se-ia um entrave social, que
incluído com mendigos e desocupados, redundou em legislações que lhes assegurariam
abrigo e assistência por parte do Estado. Essa condição de discriminação se
manteve durante toda a idade média. Nas diversas passagens e interpretações
bíblicas do passado, se justificava a cegueira como fruto do pecado, da falta
de fé, ou seja, um castigo de divino. Portanto, nas muitas literaturas, lendas,
contos, o deficiente visual ou cego sempre teve relegado a algo ruim, negativo.
A
superação de tais preconceitos começou a mudar nos últimos duzentos anos quando
diversas culturas elaboraram legislações assegurando aos deficientes direitos
de acessibilidade social. Um dos acontecimentos marcantes da história na metade
do século XIX e que acarretou transformações importantes na vida dos
deficientes visuais foi a invenção do sistema de leitura Braille. Durante as
duas grandes guerras mundiais foram potencializados programas para reabilitação
de operárias e outros incapacitados decorrentes dos efeitos da guerra. No
Brasil, as primeiras iniciativas de assistência e reabilitação de pessoas
especiais ocorreram na década de 1950, porém foi em 1960 que se criou o
primeiro centro de reabilitação de pessoas com deficiência.
SOROBÃ - MATEMATICA PARA DEFICENTES VISUAIS |
A
constituição de 1988 trouxe pequenos avanços no que tange as políticas dedicadas
às pessoas com necessidades especiais. Na esteira da CF (Constituição Federal)
outras leis foram criadas e artigos da constituição regulamentados relativos ao
tema. No entanto, muitas dos direitos embora assegurados não estão sendo
suficientes para suprir as demandas, sucedendo no constrangimento e dependência
dos deficientes ao assistencialismo barato e humilhante. A promulgação da LDB, lei n. 9394/96 se
configurou, mesmo frente às limitações e aos jogos de interesses individuais,
em importantes progressos na educação brasileira, onde contemplou também o
ensino especial. Está escrito no
capítulo V da LDB e distribuídos nos artigos 58; 59 e 60 as normatizações que
tratam sobre essa modalidade de ensino.
Como
forma de dar mais ênfase ao tema deficiência visual, em 1999, o ministro da
educação do governo Fernando Henrique Cardoso lançou portaria n. 1.697/99 no
qual estabeleceu entre outras medidas a acessibilidade nas unidades de ensino
para atender estudantes com deficiência física, visual e auditiva. No item que
trata sobre deficiência visual, a portaria define que as escolas que atendem
tais estudantes deverão ter a disposição: lupas, réguas de leituras; escâner
acoplado no computador; máquina de datilografar, impressora braile, etc. Apesar
de as legislações em vigor procurarem assegurar aos deficientes visuais as
mesmas oportunidades de ascensão social, a realidade escancara um cenário um
tanto quanto preocupante, pelo fato das unidades de ensino não oferecerem
condições estruturais e pedagógicas satisfatórias para o desenvolvimento pleno
do educando.
Se
as legislações que estão a disposição dedicam-se a inserção do indivíduo com
necessidades especiais à sociedade, não cabe tão somente ao profissional,
segundo professor, arcar com todas as responsabilidades pelo sucesso ou fracasso
no processo educativo. É rara a oferta de
cursos ou oficinas por parte do estado para os demais profissionais docentes
que lidam diariamente com estudantes especiais, muitas vezes na dependência
exclusiva do segundo professor. Todo processo pedagógico, planejamento e
atendimento individualizado ficam sob a responsabilidade do profissional
especializado que o acompanha diariamente.
No
que correspondem as patologias, cegueira absoluta, parcial, congênita ou
adquirida, o resultado do sucesso ou fracasso do individuo até a fase adulta
vai depender de um longo e espinhoso caminho que deverá iniciar desde a tenra
idade. Todos os profissionais que acompanham crianças e adolescentes portadores
de cegueira no cotidiano da sala de aula deveriam ser munidos de um completo
acervo de conhecimentos relativos ao tema. A primeira etapa do processo de
formação seria a compreensão etimológica do conceito deficiência, as causas e
as patologias que conduzem a perda total e da baixa visão.
De
fato essa etapa correspondente às patologias cabe ao profissional da medicina
fazer, pois requer o conhecimento sistematizado sobre miopia, cataratas,
degeneração molecular, glaucomas entre outras síndromes. Conforme o
diagnóstico, o profissional da educação montará seu plano de trabalho adaptando
o currículo segundo as peculiaridades do público a ser assistido. Para aprimorar
outras habilidades, o individuo com deficiência visual necessita estimular
outros sentidos, o visual, tacto, auditivo, olfato e o paladar.
A
criação dos SAEDE (Sala de Apoio ao Estudante com Deficiência) para o
atendimento diferenciado tem importante papel para motivar a integração do
estudante especial ao ensino normal. São espaços adaptados nas escolas contendo
equipamentos pedagógicos destinados a um publico específico. A intenção é fazer
com que permaneça o mínimo de tempo possível nesse ambiente para não se sentirem
excluídos ou tratados diferentemente dos demais colegas de classe.
As
atuais políticas relativas a definição das patologias associadas à visão,
cegueira e visão subnormal, o modo como devem ser lidadas e tratadas foram
definidas pela OMS (Organização Mundial da Saúde), na Suíça em 1981. Em relação
ao modo como tais patologias devem ser tratadas e os reflexos no bom ou mau
desenvolvimento do individuo, dependerá da educação, da cultura e do ambiente
em que estiver inserido. A existência de políticas públicas informativas e
educativas às famílias com crianças que apresentam deficiências visuais
extremas e parciais é o primeiro passo do sucesso pedagógico quando o individuo
estiver em idade escolar.
Amiúde
aos ataques dos governos à educação pública englobando igualmente a especial, é
imperioso enaltecer o empenho desses profissionais, muitos dos quais
verdadeiros heróis e merecedores de reconhecimento público pelo trabalho que estão
prestando à educação especial. O destaque e reconhecimento especial são para os
profissionais envolvidos com crianças e adolescentes que apresentam alguma
deficiência visual. Na região que congrega a 22ª Gered poucos sabem que a Escola
Estadual Professora Mota Pires, do bairro Sanga da Toca, mesmo com todas as
dificuldades, vem executando um trabalho primoroso na região no que se refere a
inclusão de estudantes cegos ao convívio social.
Por
cerca de duas horas a professora Alexandra Schutz, que coordena o SAEDE acompanhando dois
estudantes deficientes visuais e outros seis especiais, discorreu sobre o
cotidiano da escola e seu trabalho paralelo. A professora que é pós-graduada
em educação especial, falou das dificuldades, das barreiras e dos preconceitos
que ainda permeiam o ambiente das unidades de ensino em relação a educação especial. O pior é que geralmente a
discriminação parte dos próprios colegas de trabalho motivado pela incompreensão
de como deve ser tratado o estudante deficiente visual.
A
família também é outro elemento importante no processo educativo que requer atenção
especial. Muitos pais ou responsáveis quando percebem que um membro da família
apresenta cegueira absoluta ou parcial, chegam ao ponto de isolá-lo ao pondo de
mantê-lo reclusão. No entanto, quando se conscientizam que o individuo cego
possui as mesmas condições de aprendizagem e de aprimorar as potencialidades,
geralmente estão com idades um tanto quanto avançadas cujas dificuldades de
superação são maiores.
Na
escola onde atua, a professora acompanha uma estudante de oito anos, que
apresenta deficiência congênita absoluta, e um estudante de 11 anos, no qual teve
a perda da visão com sete ou oito anos de idade. São dois casos distintos que
sevem de modelo para compreender o papel do SAEDE como instrumento de
reabilitação, aceitação, adequação e superação de traumas e preconceitos que
poderão dificultar a inserção social. Deve
ser destacado que além dos dois estudantes com deficiência visual, a professora
também acompanha outros seis com outras deficiências. Há o caso de uma
estudante diagnosticada com transtorno fóbico, que lhe exige atenção quase que
exclusiva. Diferente dos demais
estudantes especiais, os alunos cegos não necessitam do acompanhamento do
segundo professor, porém, é imprescindível que seja criado ambiente apropriado
para o acompanhamento das atividades complementares.
SALA DE RECURSOS - SAEDE |
Como
muitos imaginam o contrário, não são necessárias grandes adaptações na escola para
atender o estudante cego. Conhecendo o local, ele próprio, individualmente, se deslocará por todos os ambientes. Os bons resultados dos trabalhos com estudantes
especiais exigem formação qualificada e permanente dos profissionais. A
participação e o acompanhamento dos trabalhadores da área da saúde ainda hoje
comprovam ser muito superficiais, comentou a professora. São mínimas as políticas
públicas consistentes voltadas ao público cego e aos demais indivíduos
especiais. Isso pode ser comprovada no quesito mobilidade urbana e
acessibilidade.
Na
escola são raros os professores que participaram de cursos de formação
continuada que os capacite à auxiliar o segundo professor na sala de aula.
Ressaltou a professora o exemplo de uma escola que promoveu o ensino de libras
para os estudantes de uma sala onde havia uma estudante com deficiência
auditiva. Não se vê iniciativa desse tipo por parte do Estado. Os próprios educadores
não se sentem estimulados para buscar informações. A Fundação Estadual de
Estudante Especial, em Florianópolis, tem alojamento para atender os
professores interessados.
Quando
a estudante com deficiência visual entrou na escola em 2014, a escola não possuía
qualquer conhecimento sobre o assunto. A própria mãe desacreditava que a filha
pudesse um dia se alfabetizar. A professora titular da turma não sabia o que
fazer com relação à estudante cega. A própria atitude dos colegas era de
superproteção, haja vista que a sala havia desenvolvido programa de apoio
solidário conhecido como “ajudante do dia”, tendo também o ajudante da
estudante cega. Foi necessário desconstruir essa visão destorcida em relação ao
modo como deve ser tratado o indivíduo cego, que ele ou ela podem aprender
individualmente.
Relatou
a professora que os estudantes cegos desenvolvem habilidades específicas como o
aprimorando da audição, tato, gustação, etc. Isso faz com que tenham
predisposição para as artes, musica canto e a manipulação de instrumentos
musicais. O caso do aluno que perdeu a visão aos sete ou oito anos de idade é um
caso singular. A professora informou que o processo de adaptação na escola foi
mais difícil. Alguns vícios de comportamento teriam que ser superados, além é
claro do elevado grau de ansiedade que desenvolveu. Tal realidade obrigou a
professora a querer conhecer mais, lhe exigindo novas leituras e pesquisas de
fontes relativas ao assunto. Outro empecilho ao bom desenvolvimento do aluno
especial é a rotatividade de professores todos os anos nas escolas públicas.
Somente em 2016, a sala do 5° ano onde estuda o aluno com deficiência visual, foram
três ou quatro professores.
Frente
ao modelo de política educacional ainda muito distante do ideal, a respectiva professora
que atende alunos com diferentes necessidades nessa escola, se sente apreensiva
e pessimista quanto ao futuro do SAEDE na escola onde atua. Disse que para 2017
retornará para sala de aula onde lecionará para estudantes do ensino “normal”,
enquanto que a sala especial será ocupada por outro (a) profissional ACT. 2016
foi um ano de intenso trabalho, pesquisa e experiências que poderá ser barrado
por um sistema de ensino equivocado que não consegue visualizar as
particularidades no contexto educacional.
A
escola professora Mota Pires é um caso específico que deveria ser considerado
pelo Estado. Por se tratar de estudantes com deficiências visuais e sendo que
na região são apenas quatro profissionais capacitados para o acompanhamento
desse público, deveria haver por parte do estado dispositivos legais que lhes assegurassem
às vagas. Isso é claro, depois de rígido levantamento acerca do desempenho tido
em classe e com as famílias dos estudantes deficientes visuais.
Informou
também a professora que a partir de 2017 a aluna que possui perda total da
visão estará no sexto ano, portanto, terá seis professores com seis disciplinas
distintas. Condição que exigirão mais esforços e preparação dos professores das
disciplinas e do profissional que atuará na sala do SAEDE. Segundo a
professora, lidar com criança cega é algo complexo. O sucesso da aprendizagem não
está somente no elevado conhecimento dos temas por parte dos professores. O
sucesso, portanto, está no processo
didático, ou seja, nas metodologias e recursos pedagógicos adotadas para atrair
e estimular a aprendizagem.
Foi
enfática em afirmar que tanto ela quanto o corpo gestor da escola se esforçarão
ao máximo para dificultar o acesso de professor na escola que não possua
habilidades com o escrito Braile. Se todos os esforços forem em vão, a
professora teme pelo futuro dos estudantes deficientes visuais. Quanto aos
materiais didáticos disponíveis para o atendimento desse público específico,
informou que jogos, materiais lúdicos, entre outros, foram ou são obtidos através
de recursos do PDDE. Enquanto que os livros didáticos, todos os anos, no mês de
outubro, são feitas a escolhas e encaminhadas à editora para as devidas
adaptações. Acontece que, para 2017, a editora não encaminhou os livros que
serão adotados pela aluna do sexto ano. Isso certamente gerará atraso e
transtorno à escola e ao professor ACT do SAEDE no início do próximo ano
letivo.
Prof.
Jairo Cezar
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