A ONG NORTE AMERICANA TEACH FOR ALL
(ENSINO PARA TODOS) E O VIOLENTO ATAQUE A CARREIRA DE PROFESSOR (A) NO BRASIL
Há poucos dias estava ouvindo uma
entrevista na Rádio Faixa Livre com a professora do ensino médio que também é
diretora do SEPE (Sindicato dos Professores do Estado do Rio de Janeiro) Wina
Alcântara, quando durante sua fala citou o nome de uma ONG norte americana
chamada Teach For All, que promove o recrutamento de professores (as) para
trabalhar em escolas de comunidades pobres. Ela afirmou que no Brasil a
organização foi batizada de “Ensina Brasil”. Por alguns minutos fiquei
refletindo acerca do caráter do projeto até que “caiu a fixa”. Na realidade a
Medida Provisória relativa ao Ensino Médio consta um dispositivo que
flexibiliza a contratação de professor, cuja proposta apresentada pela ONG
ensina brasil se encaixa perfeitamente com o que é pretendido pela reforma.
Instigado pela reportagem, acessei o
site oficial da organização e lá averiguei que a entidade atua em cerca de 40
países, 10 deles somente na América Latina, cujo propósito é treinar
“professores (as)” durante cinco semanas para atuarem em escolas localizadas em
comunidades pobres dos países que atua. No momento que muitos países buscam
reformular suas políticas disponibilizando mais recursos para promover
transformação na educação, como a Tailândia, Noruega, Finlândia, etc. cujos
salários de um professor especialmente na Tailândia são equiparados a de um
engenheiro, no Brasil e outros países o processo segue caminhos
invertidos. O que se vê é o violento ataque à profissão docente com o
rebaixamento de suas remunerações, com reflexos terríveis à economia e a
supressão das desigualdades sociais.
A pretensão de querer instituir no
Brasil um braço da ONG norte americana, para adestrar em cinco semanas pessoas
para o exercício da profissão docente, é uma afronta à constituição, às
políticas públicas e as intermináveis lutas realizadas pela categoria para o
reconhecimento da profissão de docente. Levantamento feito nos Estados Unidos
dá conta que esse modelo de ensino, vinte anos depois de sua implantação, não
resolveu os problemas elementares do qual o projeto se propunha. Muitos dos
recrutados para o trabalho docente concebiam a função como bico, abandonando-a
no instante que obtinham trabalho na profissão de origem.
O fato é que o regulamento no qual
disciplina a contratação do docente obriga os candidatos recrutados a terem uma
formação acadêmica, independente de qual seja. Após passarem por um processo de
“adestramento”, estarão “aptos” para exercerem a função de professor (a) ou
função similar por um prazo estipulado de dois anos, percebendo salários
similares aos demais profissionais de inicio de carreira, pagos pelos governos
que aderirem as parcerias. No Brasil, o projeto Ensina Brasil é financiado pela
Fundação Lemann e Itaú Social, de caráter eminentemente empresarial, onde
seguem preceitos ditados pelo capital.
O estado do Mato Grosso do Sul está se
credenciando para formar parceria com a respectiva ONG e já há previsão de que
no primeiro semestre de 2017 sejam recrutados voluntários que passarão pela
experiência de estar em sala de aula. Nessa linha, a tendência é que
paulatinamente outros estados sejam atraídos firmando parcerias, podendo se
configurar em um novo modelo de educação de baixo custo para os cofres
públicos. Seguindo as diretrizes da reforma do ensino médio e o “Ensina Brasil”,
o modelo trabalhador (a) docente que se deseja “formar” combina perfeitamente
com o projeto de sociedade almejado pelas elites, de cidadãos (ãs) de baixa
formação intelectual, adaptáveis a um modelo de produção que requer
trabalhadores treinados, rotativos e dóceis.
Com o possível crescimento da
demanda por mão-de-obra disponível de professores e de qualificação duvidosa a
tendência será o rebaixamento ainda maior dos salários, além, é claro, de
transformar estudantes em passíveis cobaias, para que os ditos “professores
(as)” possam aprender a dar aulas durante os dois anos de contrato. Portanto,
qual o reflexo a médio e longo prazo desse modelo nefasto de educação?
Analisando e contextualizando alguns critérios contidos no programa da ONG para
o recrutamento de professores (as) estagiários (as), o que causou perplexidade
foi o item que discorre sobre por que participar do programa? A resposta
apresenta-se da seguinte forma: “durante os dois anos do programa, a
pessoa passará por uma formação que auxiliará em como dar aulas e a desenvolver
habilidades cruciais em qualquer carreira”. Observaram? Crianças
ficarão a mercê de pessoas onde irão, pasmem aprender a dar aula!! Pode isso? A
dúvida que fica é, se não aprenderem durante o período do contrato? Quem
perde com isso?
Há clara evidência que quem elaborou a
MP desconhece ou, se conhece, desrespeitou o empenho de milhares de educadores
que tiveram envolvidos na discussão do Plano Nacional de Educação,
aprovado em 2014 sob a lei n. 13.005/14. O plano no qual foi dividido em 19
metas, se faz necessário relembrar o que diz a meta 15 com relação a formação
profissional: “garantir, em regime de colaboração
entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1
(um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais
da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do Art. 61 da Lei no
9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as
professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior,
obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam”.
Observem que em relação ao Art. 61 da LDB, a MP-746 incluiu mais um
inciso, o de número IV, onde permite a contratação de profissionais com notório saber reconhecido
pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à
sua formação. O inciso flexibiliza o processo de contratação. Na falta de um (a)
professor (a) específico (a) à área ofertada, por exemplo, à física, o
dispositivo faculta a contratação de um (a) profissional de área afim, nesse
caso um engenheiro, arquiteto, etc. Cabe frisar que esse “velho novo modelo” de
ensino médio, apresenta similaridade com
o que foi adotado nas décadas de 1970 e 1980, especialmente nas áreas técnicas.
É inconcebível tal absurdo. Isso
é colocar em risco toda uma geração. Todos sabem que são nos primeiros anos de vida
das crianças, do maternal ao fundamental, que são requeridos profissionais
altamente qualificados para o exercício da profissão docente, de mestres e
doutores. Isso segue também para o ensino médio. Quando se imaginava que o
Brasil poderia dar uma guinada na educação, cujos planos aprovados como PNE,
BNCC e PROPOSTAS CURRICULARES, davam mostras dessa possibilidade, surgem essas
bombas de efeitos retardados como a Reforma do Ensino Médio e a ONG Ensina
Brasil. O que esperar do futuro? São gerações que estarão sendo ameaçadas.
Não podemos permitir que a educação
pública continue sendo guiada por instituições a serviço do empresariado como a
Fundação Lemann, Itaú Social, Airton Sena, Fundação Roberto marinho, entre
outras. O que dizer da opinião lançada por um integrante da ONG todos pela
educação em relação a formação universitária. Disse que: “a formação
universitária apropriada para lecionar não é garantia de qualidade. O excesso
de teorias nos cursos de pedagogia e licenciatura e o distanciamento com a realidade
escolar podem prejudicar o ensino”. Mais uma vez ratifico, o
que esperar do futuro da educação quando se lê frases absurdas como a citada
acima que tenta criminalizar as universidades pelo caos no qual está envolvida
a educação pública no Brasil.
Prof. Jairo Cezar
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