O ESPETÁCULO DAS CONTRADIÇÕES DE UM PAÍS COMO O BRASIL QUE SEDIOU EVENTOS COMO COPA DO MUNDO E JOGOS OLÍMPICOS
Quem
acompanhou a abertura dos jogos olímpicos na última sexta feira, 05 de agosto, deve
ter se surpreendido pela espetacular organização e exibição de um cenário
fictício que pouco corresponde à realidade brasileira. De certo modo a intenção
dos protagonistas do espetáculo foi exatamente essa forjar imagens, até em Três
D, exibindo a pujançae o sucesso de um estado falido, Rio de Janeiro, com uma
dívida de quase 20 bilhões de reais, e de um Brasil marcado porabissais
contradições econômicas e sociais, culturais, onde milhões de pessoas aindavivem
em condições desumanas.
Durante
as quase três horas de profundo transe apoteótico midiático nointerior “lendário
maracanã”, não houve qualquer menção aos bravos e heróicos trabalhadores que
deram o seu sangue para que tal realidade fosse possível. Por que no momento da
exibição da música, Operário em Construção do cantor Chico Buarque de Holanda, uma
equipe representando os operários não desfilaram carregando a bandeira do
Brasil e exibindo seus trajes e ferramentas do dia a dia.
Foram
eles os verdadeiros heróis, os atletas acrobatas, ginastas e construtores dos
cenários, que outrosatletasirão se exibir e vistos por bilhões de pessoas. Somente
essesreceberão osaplausos, a admiração e lembrados para sempre. Os operários, construtores,
tais quais outros milhares de trabalhadores, pobre mortais, anônimos, jamais
serão lembrados. Nem medalhas, nem pódios, terão direito, outra certeza é que
se somarão as estatísticas dos milhares de desempregados.
Se o
exuberante espetáculo montado foi retratar um país de inventores, de um Santos
Dumont com seu inigualável 14-BIS, da evolução da vida através do emprego do
que de mais moderno se tem em tecnologia gráfica, de igualdade étnica e
sustentabilidade ambiental, bem próximo ao local da festa, dois mananciais, a Baia
da Guanabara e lagoa Rodrigues de Freitas, exibem, a partir das águas poluídas,
o modo descabido como às elites pensam a agem em relação às questões ambientais
no Brasil.
Não
é somente plantando sementes de árvores, compromisso de cada atleta no desfile
de sexta feira, que reverterá o drama do aquecimento global. Enquanto crianças
a frente da comitiva de cada país transportava uma muda de arvore e sementes
eram introduzidas nos minúsculos potezinhospelos atletas, no mês de junho desse
ano, pesquisas davam conta de 97% do aumento do desmatamento na Amazônia em
comparação ao mesmo período de 2015. Até que ponto o simbólico plantio das
árvores sensibilizará as autoridades globais se o problema do aquecimento está
condicionado ao modelo de produção capitalista que alimenta da exploração
exacerbada dos recursos naturais. As expectativas de qualquer reversão desse
quase irreversível processo que afeta o planeta terra está longe de solução se
for considerado os medíocres acordos resultantes das últimas COPs (Conferência
das Partes).
É
provável que milhares de brasileiros devam ter ficado aos prantos na frente das
TVs, invadidos pela emoção e orgulhosos por visualizarem um país do futuro,
pois o país do presente, nenhuma emoção revela aos expectadores atentos. Era,
com certeza, essa a intenção dos organizadores do espetáculo, construir um ambiente
cenográfico futurista, fictício, capaz de ofuscar os olhos de milhões de
brasileiros e encher de brilho outros tantos bilhões espalhados pelos cinco
continentes. É espetacular poder, todos os dias, durante as próximas duas
semanas, ligar a TV, internet e outras tantas ferramentas de comunicação
disponíveis e se deliciar com tantas imagens de atletas de modalidades
distintas, e torcendo para que no alto dos pódios subam muitos (as) brasileiros
(as) vencedores (as), que possam servir de inspiração para outras milhares de
crianças a exemplo da medalhista olímpica Rafaela da Silva, ouro no judô, cuja
história de vida não é diferente de tantas outras milhares de crianças dos
bairros pobres do Rio de Janeiro, lutar contra à miséria, à violência e a falta
de políticas públicas de incentivo ao esporte.
São
o “espírito olímpico" de união dos jogos” onde locutores e comentarias
esportivos dos canais de TV abertos e por assinatura, procuram embutir nas
milhares de mentes desatentas, que desconhecem o cenário por detrás dos
bastidores do espetáculo, onde quase cem mil pessoas tiveram que ser expulsas de
suas residências e removidas para lugares distantes. Um “sonho olímpico”
possível mediante a exploração exacerbada de trabalhadores, da madeira, do aço,
do couro e outros tantos elementos para a construção dos ginásios, velódromos e
cômodos confortáveis que acomodarão delegações de chefes de governos e turistas
do mundo todo.
Ninguém
se prestará em questionar a dureza que foi a vida de milhares de trabalhadores
durante a construção das obras de infraestrutura e as condições de subsistência
das famílias dos 11 trabalhadores mortos. Quanto aos mais de 1.600 autos de
infração e 38 interdições e embargos envolvendo empresas que descumpriram
regras legais? Todas pagaram suas penas? Não são essas pessoas, muito menos
seus filhos, que terão o privilégio de utilizar dos magníficos ginásios com
requinte internacional. São crianças, pobres, que geralmente estudam em escolas
públicas dos bairros próximos ao parque olímpico, que não oferecem as mínimas
condições de estrutura requerida para o satisfatório desempenho das atividades
físicas, muito menos ainda, assegurá-las uma preparação básica para futuros
atletas.
O
importante é que “somos todos olímpicos”, slogan apresentado e intensamente
repetido por uma emissora de TV brasileira, entre um comercial e outro. É claro
que somos todos olímpicos. Olímpicos para milhões de brasileiros que precisam
acordar todos os dias bem cedo e seguir uma maratona estafante de longas horas
para fazer jus a um mísero salário corroído por uma inflação camuflada pelos
órgãos do governo. Olímpicos são os milhares de professores que atuam nas redes
públicas de ensino, que ser transformar em verdadeiros atletas, ginastas,
judocas para lidar com as dificuldades encontradas nas escolas onde trabalham,
sem qualquer infraestrutura para o exercício digno da profissão.
Olímpicos
são os índios, habitantes de áreas ocupadas e pretendidas por mega projetos de
barragens, de grileiros, garimpeiros e desmatadores, que trazem doenças e a
desestruturação às suas comunidades. Uma triste realidade que cuidadosamente
passou despercebida aos olhos de bilhões de pessoas do mundo inteiro, sexta
feira, dia 05, quando foram encenados os contatos amistosos entre índios e
invasores europeus, uma imagem que esconde o preconceito e a brutalidade com
tal grupo humano é tratado pelas autoridades brasileiras.
Tiveram
o cuidado de não mostrar que ali mesmo, no rio de janeiro, a partir do inicio
do século XVI, os corajosos tupinambás, que resistiram à escravidão branca, foram
exterminados pela ganância e brutalidade do homem branco. Também não podemos
esquecer os tupinambás e outros tantos povos indígenas exterminados pelas
doenças e a fome. Hoje são os guaranis Kaowás e outras tantas etnias que
habitam o centro oeste e o norte do Brasil, que são expulsos das suas terras
para dar lugar às investidas do agronegócio. Não ficaram sabendo os bilhões de
telespectadores que o Mato Grosso dos Sul é o campeão em número de índios
assassinados nos últimos tempos.
O
governo sul mato-grossense obviamente teria direito a alguma condecoração, não
é mesmo? É um problema antigo que vem se arrastando a séculos quando as terras
eram ainda devolutas, ou seja, sem proprietários oficiais. Os índios já as
ocupavam muito tempo antes da chegada dos invasores portugueses. Todo esse
imbróglio jurídico já poderia ter sido solucionado se os governos fossem mais
sensíveis e levasse adiante os processos de demarcação.
É
bem possível que com o atual governo interino e o modo como o congresso
nacional está constituído, muitas olimpíadas se passarão sem uma solução
definitiva do impasse que envolve as terras indígenas. Não
foram os massacres contra grupos tradicionais (índios e quilombolas) negros,
homossexuais e outros agrupamentos minoritários, encenados na fasta de abertura
de sexta. Muito menos cenas dos desastres ambientais como a tragédia em Marina,
Minas Gerais, a poluição nas bacias hidrográficas do sul de santa Catarina pelo
carvão mineral e os impactos irreversíveis à fauna e a flora nos principais
rios da norte do Brasil, como o Xingu, provocado pelas grandes hidrelétricas.
Quanto
aos trabalhadores arregimentados para reparação dos problemas identificados nas
acomodações das comitivas no parque olímpico, foi constatado pelo Ministério do
Trabalho que não houve por parte dos contratantes, cumprimento às legislações
trabalhistas em vigor. Onde está, mais uma vez, o tão divulgado espírito
olímpico? A força tarefa montada as
pressas submeteu centenas de trabalhadores à carga horária extenuante e sem
registro de carteira assinada. Isso não é trabalho escravo? Afinal, qual o real
sentido de uma olimpíada? Não é o da solidariedade, da confraternização, da
união dos povos?
Outra
indagação. Quantos índios estão participando das competições esportivas no Rio
de Janeiro? Onde estão os atletas índios, jogadores de futebol e de outras
modalidades esportivas? Ah... mas..., olimpíadas..., só participam os melhores
dos melhores!! O fato é que no Brasil o processo de iniciação ou preparação de
atletas não se dá através das escolas, com raríssimas exceções. O processo é
muito mais complexo e limitado a alguns clubes de excelências, cujos
praticantes geralmente são de famílias abastadas economicamente. Os demais, de
classes econômicas inferiores, dependem de bolsas para poder se dedicar aos
treinos. O que é de conhecimento de todos no Brasil é de que não há e não está
se construindo uma cultura esportiva no Brasil semelhante a muitos países que
historicamente se despontam nas várias competições como as olimpíadas. Esse
poderia, sim, ser um dos legados que a Olimpíada no Rio poderia deixar e que
não vai.
É
tão profundo o abismo esportivo no Brasil que basta você mesmo visitar algumas
escolas públicas no seu município e conferir quantas delas possuem quadras
esportivas e outros espaços eficazes à atividade física. Querer acreditar no
sonho olímpico é “delirar” que com a realização desse evento no país se
desencadeará todo um processo de transformação estrutural. Um país com quase
80% de analfabetos estruturais, com cerca de 9 bilhões de reais retirados do
orçamento para a educação, estamos muito, muito longe mesmo de realizarmos o
tão esperado e real Sonho Olímpico.
Ao
mesmo tempo em que se gastaram bilhões para a realização desse mega evento,
entre outros como o Pan Americano de 2008 e a Copa do Mundo de 2014, ontem, 10
de agosto de 2016, um jornal de circulação estadual trouxe em uma de suas
páginas a seguinte manchete. Olimpíadas escolares têm corte de 50% na verba. É
isso mesmo, corte de verbas. Só para lembrar, o Brasil vinha se destacando
mundialmente na olimpíada de matemática. Todos sabem que tais competições nas
modalidades de matemática, Astronomia, História entre outras é uma forma de
incentivar os estudantes do fundamental ao médio à iniciação científica. Se com
os recursos integrais já era difícil, com os cortes as expectativas não são
nada otimistas.
Esse
é mais um exemplo triste de como o Estado brasileiro, nas três instâncias
federativas, trata a educação, cultura e o esporte. Como querer que atletas e
estudantes tenham resultados expressivos nas várias competições que participam quando
não há planejado. Só para se ter idéia, com base no jornal: “para
manter a premiação aos 50 mil primeiros alunos, na Olimpíada Brasileira de
Astronomia, a organização recorreu a uma vaquinha virtual para conseguir
comprar as medalhas, que custam R$ 3 cada”. É isso mesmo, três reais.
Não é vergonhoso?
Em
síntese, embora a delegação brasileira na olimpíada do Rio seja a maior de
todas as demais participantes, o rendimento até o momento dá mostras que poderá
ser muito difícil ficar entre os dez melhores em número de medalhas, que é a
pretensão do comitê organizador brasileiro. O que
pode ainda salvar o Brasil de um vexame histórico, são as competições coletivas
tradicionais como o vôlei de quadra e de praia, o futebol, etc. Nas demais
modalidades individuais, ginástica, natação, atletismo, que deveria haver mais
planejamento e investimento público, os resultados, até o momento, são
decepcionantes. O Jornal A Notícia, de Joinville, na edição do dia 10 de agosto
trouxe a seguinte manchete: “Olhar sobre o esporte começa nas escolas”.
A
reportagem discorre sobre o descaso dos gestores públicos em políticas que
despertem o habito da população para hábitos e atitudes saudáveis. O incentivo
à prática esportiva nas escolas seria o caminho. No entanto, destaca o jornal
que a educação física foi alijada das escolas, pois não mais vista como
disciplina importante para o desenvolvimento motor das crianças. Pais que
sempre destacaram em competições esportivas, especialmente nas modalidades que
requer refinado grau de habilidade psicomotora, o processo de preparação se
inicia bem cedo, nas escolas de ensino infantil.
Para
João Carlos Andrade, presidente da Federação Catarinense de Ciclismo, “o
esporte é uma atividade principal e não acessória, como vem sendo julgada ao
longo dos anos”. Já para a técnica de atletismo Margit Weise, “o
desporto escolar inexiste tanto local como nacionalmente”. Acrescentou também que “Enquanto o Brasil não acordar
que o esporte tem que ser praticado e difundido dentro da escola, vamos ficar
eternamente na mesmice. Tem que ter uma política para os desportos escolares,
por meio de espaços descentes, onde se possa desenvolver as atividades dentro
das escolas”.
Acredito
que deve ser consenso a opinião de todos os profissionais da área de educação
física das redes públicas de ensino do Estado de Santa Catarina. E olha que Santa
Catarina, as mídias oficiais insistentemente procuram divulgar em âmbito
nacional notícias e reportagens destacando o estado como exemplo em excelência
em educação. Para desconstruir tais inverdades é só visitar algumas escolas
públicas, e não é necessário ir muito
longe, e comprovar em loco o estado infraestrutural das mesmas. Quanto aos
espaços para a prática esportiva ou educação física como queira, já dá um
indicativo do por que o Brasil está muito longe de se tornar aquilo que a
imprensa insiste em divulgar, um sonho olímpico.
Prof.
Jairo Cezar
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