A
ESCOLA E A SEU IMPORTANTE DESAFIO DE DESCONSTRUIR MITOS SOBRE SEXO, SEXUALIDADE
E IDENTIDADE DE GÊNERO
Foi
a partir da década de 1960 influenciado pelos movimentos feministas e demais
organizações que enfrentam discriminações como de homossexuais, transexuais,
entre outros, que os debates sobre sexo, identidade de gênero e sexualidade permitiu
que emergisse os abusos e atos criminalizantes sofridos bem como a luta
incessante por direitos sociais e maior liberdade para decidir qual a opção
sexual que mais lhes convém. Em se tratando de Brasil a luta das mulheres por
conquista e reconhecimento de direitos, mesmo violentamente reprimida durante séculos,
adquiriu corpo e notoriedade nas décadas finais do século XX.
A Constituição
Federal de 1988 fez emergir um cenário social no qual revelou um espaço público
e privado predominantemente machista, cujo desafio das mulheres é se fazer
ouvir frente as suas reivindicações. É
uma longa história de repressão e submissão condicionada a posição de
coadjuvante frente à figura masculina, lhe restringindo apenas funções
domésticas, de procriação e de educação dos filhos. Fora disso, outras opções eram possíveis, porém
restrita a um publico feminino seleto, abastado financeiramente, que seria seguir
a carreira do magistério ou a clausura dos conventos. E não parou por ai. A
mulher também reivindicava a autonomia de decidir acerca do modo como deveria
agir quanto ao seu próprio corpo, quebrando preconceitos, mitos, de corpo
sacralizado, à fonte de prazer, de satisfação e da conquista da felicidade
plena.
Porém,
seguindo na contramão do processo emancipatório das mulheres e grupos sociais
congêneres, estão os movimentos conservadores articulados que vêem nas lutas
das mulheres quanto ao seu corpo a ameaça sobre o modelo de família tradicional,
um dos instrumentos ideológicos de controle social. Paralelo ao debate sobre o feminismo abriu-se outras
frentes para discutir além da questão da sexualidade, as diferentes dimensões
interpretativas do gênero. Isto é, não havendo possibilidades de decisão quanto
ao seu caráter fisiológico, masculino e feminino, a luta converge agora na
tentativa de naturalizar, sem criminalizar, novos tipos de relacionamentos homoafetivos.
O processo não é tão simples, pelo fato de que há sociedades cujas condutas e
comportamentos são moldadas à partir de conceitos ideológicos inerentes a sua
própria cultura.
O
fator religioso é um deles. Como querer
adentrar em um território tão espinhoso, repleto de conservadorismo e
preconceito, onde agrupamentos religiosos distintos representados nas
instâncias do legislativo federal articulam lobby para que dispositivos
constitucionais sejam aprovados seguindo critérios que lhes é conveniente. É
claro que a liberdade sexual e de pensamente interfere diretamente num processo
histórico de controle e domínio do corpo como ferramenta de trabalho e
reprodução. Sexo e ato sexual, como manifestação física que transcende as
fronteiras do campo moral e do controle social, vem sendo reivindicado e
debatido, porém, enfrenta severas barreiras nas esferas de poder religioso e
político.
A escola
pública por sua vez deve assumir a responsabilidade de trazer para o debate os
conflitos e as contradições de temas polêmicos como sexualidade e identidade de
gênero. O que se pretende não é impor verdades absolutas e descabidas, de
querer induzi-los os estudantes a assumirem suas identidades sexuais levando em
consideração o modismo e a pressão de grupos minoritários. Também, por outro
lado, não se deve admitir que seguimentos doutrinários alojados nos
interstícios dos poderes decisórios definam aleatoriamente como as escolas
devem agir quanto ao ensino sobre sexualidade. Muito menos querer criminalizar
ou tentar coagir professores de maneira que se sintam reprimidos em dialogar
com estudantes temas polêmicos como orientação sexual e gênero, vistos ainda pela
ótica social e familiar como tabus.
Embora
o Plano Nacional de Educação tenha sofrido um revés em relação a temática
orientação sexual pressionado por setores conservadores sobre o Congresso Nacional,
isso não impede ou que as escolas oportunizem os estudantes a abordarem o
assunto de modo saudável. Excluir o silenciar tais temáticas do currículo
escolar ou tratá-lo sob uma ótica preconceituosa e sexista é estar incorrendo
no risco de elevar os níveis de violência contra homossexuais, transexuais,
entre outros. Intensificar o diálogo
sobre sexualidade e igualdade de gênero no interior da escola, a partir do
ensino infantil, certamente contribuirá para tornar cidadãos mais livres e
felizes.
Pois
o fato é que grande parte dos traumas e deficiências na aprendizagem,
enfrentados pelos adolescentes, tem relação com a sua sexualidade, da sua
insegurança, pois os próprios pais não se sentem preparados para tratar sobre o
assunto. O ensino da ciência, nível
fundamental e da biologia, médio, se configuram como os contatos e noções que
os estudantes adquirem de conceitos relacionados ao corpo humano, que dentre os
órgãos que mais lhes despertam a atenção está reprodutor feminino e masculino.
É a partir desse entendimento que cada indivíduo poderá adquirir consciência do
funcionamento do seu órgão genital e propor medidas que possam evitar doenças
infecto contagiosas como AIDS, Sífilis, gonorréias, HPV, etc.
Quando
se procura abordar assuntos como sexo, sexualidade, gênero, além do olhar
exclusivamente biológico, que serve de construção da identidade e da personalidade,
se presume que o (os) profissional (as) da área estejam desprendido de
preconceitos, mitos e tabus. Muitas vezes isso não acontece nas escolas, pelo
fato dos profissionais da área se manterem presos a crenças e valores
conservadores que os impedem de ir além do campo teórico. Fugir dos preconceitos e tabus históricos
relacionados ao tema foi o que pretendeu fazer a enfermeira “Tiane” que
conduziu sua fala para aproximadamente trezentos estudantes da EEBA. Além do
uso de imagens e outros recursos que fez fluir naturalmente a sua exposição, o
domínio e fluidez do tema, seu carisma, foram ingredientes preponderantes para
o sucesso do encontro. Não há dúvida que os estudantes e professores presentes
no auditório tiveram muitas das suas dúvidas sanadas, especialmente sobre
maturidade sexual, fecundidade e patologias resultantes de descuidos durante a
relação sexual.
A
questão é que sexualidade e identidade de gênero, de acordo com as legislações
educacionais em vigor, se constituem como temas transversais do currículo
nacional. Portanto, invariavelmente, devem ser discutidos cotidianamente pelos
profissionais da educação. No entanto, não cabe somente ao professor a
responsabilidade pela informação e educação sexual dos estudantes. A família
como uma das principais instituições sociais de formação da personalidade e do
caráter individual, tem de estar inserida nesse debate, atuando como parceira
na construção de um diálogo franco, sem preconceito que ajude na condução da
escolha do gênero que preferir.
Foram
especificamente os temas sexualidade e gênero que fecharam com chave de ouro o
encontro do sábado, quando a professora e psicanalista Elisa Fátima Stradiotto,
trouxe para o debate algumas abordagens ainda silenciadas no interior das
escolas e ambientes familiares, homossexualidade e transexual idade,
manifestação espontânea do corpo ou transtorno psíquico? Os próprios pais ou grupos de convívio, pela
falta de compreensão, não se sentem a vontade para discorrer tal assunto,
interpretando certos comportamentos não heteronormáticos, como desvios de
personalidade ou certo tipo de patologia que deve ser tratada, medicada.
O
convite aos pais para se fazerem presentes em encontros importantes como o que
ocorreu não deveria ter passado em branco. Muito do que foi apresentado, ambos
deveriam ter acompanhado, lhes oportunizando a compreender sistematicamente o
processo de maturação biológica, as doenças sexualmente transmissíveis e a escolha
do gênero que moldará sua vida psíquica e social. A desconstrução de preconceitos e tabus sobre
sexo, sexualidade e gênero, entre jovens e seus dependentes, professores, é o
inicio da construção de uma nova geração de jovens e adultos psiquicamente mais
saudáveis e tolerantes.
Prof.
Jairo Cezar
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