O polêmico anteprojeto 305/13 que resultou na
controvertida lei 16.336/14 relativa ao Código Ambiental de Santa Catarina
A prorrogação da apreciação e posterior votação do
anteprojeto 305/2013 do novo Código Florestal Catarinense prevista para ocorrer
em fevereiro de 2014 na Assembleia Legislativa, requer por parte dos cidadãos e
cidadãs catarinenses uma compreensão mínima de temas polêmicos como Apps
urbanas e Reservas Legais. Segundo especialistas, se tais assuntos forem
discutidos considerando apenas aspectos econômicos, os impactos aos
ecossistemas serão irreversíveis levando a extinção de espécies endêmicas da
fauna e da flora catarinense.
Um Código Ambiental como qualquer legislação na
área ambiental deve ser tratado com responsabilidade pelos (as) legisladores
(as) e por aqueles que se encarregarão da homologação, que é o poder executivo.
No entanto, nos últimos anos a Assembleia Legislativa de Santa Catarina vem
acumulando um histórico depreciativo no que tange a legislação ambiental. Um
exemplo ilustrativo foi à aprovação da lei 14.675/09, que ainda está sob
judice, por desconsiderar dispositivos importantes da lei 4.471/65 (Código
Florestal Brasileiro) e da própria Constituição Brasileira. No entanto, com
todos os percalços provocados, a legislação catarinense serviu de modelo para a
elaboração do polêmico código florestal brasileiro, lei n. 12.651/12, no qual
forneceria subsídios para preparar o controverso anteprojeto 305/2013, que
possivelmente se transformará em lei a partir de fevereiro de 2014.
Diante desse episódio nada democrático, a proposta
desse modesto artigo é oportunizar o público a fazer uma reflexão dos inúmeros
pontos polêmicos do anteprojeto, seus protagonizadores,
o que é dito e não dito em cada artigo e parágrafo, e quem serão os
beneficiados a partir da sua aprovação. A primeira crítica lançada ao texto
apresentado foi a exclusão de entidades ambientais e instituições de ensino
superior na sua elaboração. Outro aspecto também questionado foi quanto aos
critérios adotados na escolha do relator, o deputado Romildo Titon, do PMDB,
que em 2009 coordenou o processo de aprovação da lei do código florestal
catarinense. É o mesmo deputado, servidores municipais, políticos e empresários da
área de perfurações de poços artesianos, que estão envolvidos em fraudes de
licitações públicas e crimes contra a administração pública, cuja operação foi
batizada de “fundo do poço”.
Nas inúmeras entrevistas concedidas pelo relator
Titon e o Presidente da Assembleia Legislativa, Juarez Ponticelli, os
argumentos dão conta de que a legislação federal é excessivamente abrangente,
que não clarifica aspectos como as construções consolidadas em APPs urbanas, que
outorga aos administradores públicos e vereadores a tarefa de
regularização. Sobre os limites mínimos das áreas de preservação nos
perímetros urbanas, o art. 122-A, do anteprojeto, permitirá aos municípios definir
sua extensão e abrangência. Sobre a faixa não autorizada a edificação, o Art.
122-C estabelece 15 metros de área protegida em ambas as margens dos cursos
d’água, não mencionando qual a largura dos mesmos. Na hipótese da ocorrência de
possíveis conflitos ou impasses, o texto transfere para as administrações
municipais totais poderes para definir soluções cabíveis em razão das
peculiaridades territoriais, climáticas, econômicas e sociais. Segundo
Titon, “o código florestal de
Santa Catarina vai atribuir aos municípios a criação de regras para a ocupação
das APPs no entorno dos
rios das áreas urbanas
consolidadas, possibilitando regras mais brandas que a lei federal permite”.
A tendência caso o art.122-C não sofra modificações
pelos deputados é a possibilidade de tal medida servir de referência para os
demais estados bem como para a adequação do próprio corpo da lei 11.651/12 que
está em vigor. O agravante é que transferindo para os municípios decisões
importantes como definições de limites de APPs, não haverá garantia que tais
itens quando levados à discussão e votação, prevalecerão critérios unicamente técnicos
e não políticos como é costumeiro.
Os históricos dos munícipios catarinenses não dão
nenhuma garantia dessa imparcialidade, haja vista que expressiva parcela dos
legisladores, prefeitos, que terão tais incumbências, além de não apresentarem
a mínima competência e independência para tratarem de temas tão complexos como as
APPs, suas decisões sempre se propõem a salvaguardar interesses particulares,
especialmente de empresários e latifundiários financiadores de suas campanhas.
O próprio Romildo Titon, afirmou em entrevista que considerando
apenas o Código Florestal Brasileiro, a maioria dos empreendimentos nas cidades
estariam irregulares. “Não podemos ter uma lei, uma regra para
todos os municípios”.
Dos 253 artigos e outros tantos parágrafos e
incisos que constam o anteprojeto 305/2013, a maioria deles quando
interpretados não deixam dúvidas de que o código florestal que se pretende
instituir em Santa Catarina oferecerá ampla cobertura ao setor produtivo em
detrimento do ambiental. A começar pelo art. 115-B, inciso IV, sobre
regularização de APPs em áreas rurais consolidadas, que permite nas pequenas
propriedades o plantio intercalado de espécies exóticas entre as nativas em até
50% da área total a ser recomposta. Porém, o que preocupa na leitura do
documento é quanto aos espaços protegidos especialmente nas encostas de morros.
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Enquanto a antiga legislação n. 4771/65 definia
como área protegida as encostas com declividade superior a 45°, a recente lei
12.671/12 do código florestal, que está em vigor, como o próprio texto do
anteprojeto catarinense, ambos autorizam que encostas com declividade entre 25°
a 45°, já ocupadas, poderão continuar sendo utilizadas para manejo florestal e
outras atividades, devendo portando adotar
manejo sustentável observando boas
práticas agronômicas. O artigo não define se o manejo deverá ser exclusivamente
com espécies nativas ou se podem intercalar variedades exóticas. A realidade do
estado de Santa Catarina demonstra que quase a totalidade das propriedades
situadas em áreas com tais declividades, teve a floresta original quase que
totalmente suprimida, substituída por pastagens, eucaliptos e pinos.
As APPs das margens de rios, lagos e lagoas das áreas
rurais não consolidadas, inseridas no texto do anteprojeto, possivelmente serão
mantidas os mesmos dispositivos contidos na lei federal que estabelece a
exemplo do rio Araranguá, na extensão área central da cidade até sua foz, 100
metros de margem protegida. A dúvida, porém, é como o poder público e os órgãos
ambientais atuarão para adequar a legislação à realidade local, quando se sabe
que toda extensão das margens do rio teve a vegetação ciliar quase que
totalmente suprimida, sendo que a remanescente pouco supera os cinco metros de ambas
as margens.
Sobre as Áreas de Preservação Permanente no entorno
dos lagos e lagoas, se estiver os mesmos situados em zonas rurais não
consolidadas e ultrapassarem 20 ha de superfície, o artigo 120-A, II, a, diz
que o limite mínimo de mata ciliar deverá ser de 100 metros. Na hipótese da
superfície ser inferior a 20 hectares, a faixa marginal será de 50m de mata
protegida. Os dois mananciais, Lago Dourado e Lagoa da Serra, ambos
teoricamente situados em áreas urbanas consolidadas, a proposta apresentada, de
acordo com o Art. 120-B, b, estipula 30 metros de área preservada. O
anteprojeto não define o limite mínimo de extensão ocupada pelos mananciais. Na
hipótese de considerar esse dispositivo da legislação estadual no plano diretor
municipal, quase todas as construções hoje situadas nas margens desses
mananciais que abastecem o município estão irregulares devendo as mesmas se
adequar a nova legislação, ou seguir o que reza o art. 122, A, que deixa a
cargo do poder público autonomia para estabelecer parâmetros específicos.
Como forma de dar fôlego aos legisladores, órgãos
ambientais e as administrações municipais, o anteprojeto que trata sobre APPs
não consolidadas traz no art. 120-B, parágrafo único, isenção de punição para
quem descumpriu a legislação suprimindo a vegetação protetora. O
parágrafo permite a possibilidade de alterações de dispositivos que tratam de
situações específicas com a adoção de novos limites mínimos e máximos de área
protegida. Tudo indica que esse recurso será muito utilizado nos municípios
catarinenses como Araranguá.
O anteprojeto caso seja aprovado com poucas
alterações produzirá certamente confusões interpretativas principalmente quando
se trata de APPs em áreas não consolidadas e em áreas rurais consolidadas.
Enquanto a primeira, área não consolidada trata dos limites mínimos de proteção
da vegetação das margens dos rios, lagos, lagoas entre outros, o Art.
123-B define os limites das APPs que deverão ser respeitados nas áreas rurais
consolidadas quando da existência de atividades econômicas vinculadas ao
ecoturismo, turismo rural e práticas agrossilvipastoris.
Embora a legislação tenha assegurado as restingas
fixadoras de dunas como área de preservação, o mesmo não ocorre com os
ecossistemas de manguezais que estarão seriamente ameaçados caso o texto seja
aprovado sem modificações. O Art. 124-F estabelece que a vegetação nativa
poderá ser suprimida quando a função ecológica do manguezal estiver
comprometida, para tanto, o local pode ser utilizado para fins habitacionais
com projetos de urbanização para população de baixa renda. O que é de
conhecimento da sociedade é que manguezais são ecossistemas frágeis situados na
faixa costeira especialmente na grande Florianópolis, que estão seriamente
ameaçados pela ocupação irregular e com pouca ou nenhuma interferência dos
órgãos ambientais. Hoje, são áreas extremamente valorizadas cuja ratificação da
lei catarinense abrirá inúmeros precedentes para regularização de novas áreas
não danificadas, ou que poderão sofrer descaracterização para serem inseridas
nesse grupo.
Durante anos após anos vem ocorrendo
no estado a supressão da vegetação nativa nas encostas dos morros para inserir
espécies lenhosas, frutíferas, entre outras. Porém, o cultivo dessas espécies
não respeitou os limites recomendados por lei, isto é, assegurar o não cultivo
e a ocupação humana na faixa acima dos 45° de inclinação, em muitos casos
chegando ao cúmulo de ocupar os cumes dos morros. Muitas das catástrofes
climáticas ocorridas nas últimas décadas, os impactos certamente foram maiores
indiscutivelmente nos locais em que a vegetação primária fora suprimida. Como
forma de normatizar as irregularidades cometidas, anistiando os infratores de
possíveis multas, o anteprojeto 305/2013, no Art.124-D, IX, torna legal o
plantio de “baixo impacto ambiental” de “espécies nativas” produtoras de
frutos, sementes e outros produtos vegetais, desde que não implique “supressão”
da vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área.
Outro dispositivo de certo modo avançado no
anteprojeto 305/2013 é o que trata sobre o percentual de 20% da Reserva Legal a
ser preservada. No entanto esse mesmo índice constava na lei 4771/65 e no atual
código florestal, sancionado em dezembro de 2012. Mais da metade das
propriedades rurais de Santa Catarina suprimiram além dos 20% de suas reservas,
que de acordo com a legislação na época lhe incorreriam em sansões penais. A
lei n°. 12.651/2012 se transformou em importante instrumento da bancada ruralista para anistiar os
desmatadores. A lei diz que todos que cometeram crime de desmatamento anterior
a 2008, estarão isentos de multa desde que recomponham a área desmatada.
O § 2°, do Art. 125-C, do anteprojeto, sobre
localização da reserva legal define que a mesma poderá ser constituída na forma
de mosaico, junto as áreas ambientalmente protegidas, entre as quais as de
APPs, formando corredores ecológicos. Diferente da legislação federal que
vigorou em 2012, o anteprojeto catarinense leva em consideração dispositivos da
lei 12.651/12 na qual garante ao proprietário infrator a inclusão no cálculo da
sua reserva legal áreas de preservação permanente, corredores ecológicos e
unidades de conservação, ambas localizadas dentro dos limites do mesmo imóvel
ou em outro imóvel mediante forma de compensação. Há, nesse dispositivo, o
risco do proprietário infrator, como forma de compensar a supressão da Reserva
Legal na sua propriedade, adquirir áreas constituídas por APPs improdutivas
situadas em pontos distantes do mesmo bioma. No caso específico da região de
Araranguá, um proprietário que tenha destruído sua RL (Reserva Legal) na
comunidade de Volta Curta, poderá compensar a falta adquirindo 20% ou mais de
área florestada em outro município do vale do Araranguá?
O proprietário infrator que em 22 de setembro de
2008 tivesse a área de sua reserva legal extensão abaixo do permitido por lei,
o Art. 127-E, § 2°, exime de penalidade desde que promova recomposição da área
destruída num prazo de 20 anos, mediante o plantio intercalado de espécies nativas
com exóticas ou frutíferas. O mesmo parágrafo estabelece que as espécies
exóticas não poderão exceder 50% da área total a ser recuperada. Quem duvida
que no prazo estabelecido de vinte anos novas resoluções ou regularizações
possam novamente ocorrer para anistiar possíveis infratores que descumpriram o
código florestal.
Nos casos referentes às pequenas propriedades que
em 22 de julho de 2008 detinham até quatro módulos fiscais, ou seja,
aproximadamente 100 ha, cujos remanescentes de vegetação nativa apresentassem
percentual inferior ao previsto pelo Art. 125-A, a RL será constituída com a
área ocupada com vegetação nativa existente. Quem garante que os proprietários
infratores que possuam áreas superiores a quatro módulos fiscais, para
livrar-se das penalidades impostas pela nova legislação não desencadeiem um
violento processo de fracionamento de suas propriedades.
Muitas das áreas preservadas no estado de Santa
Catarina estão inseridas em Unidades de Conservação gestada pelo governo
federal, estadual ou municipal. Isso foi possível graças a legislação n°.
9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza que estabelece critérios e normas para sua criação, implantação e
gestão. Dentre os objetivos do SNUC destaca-se: proteger as
características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, arqueológica,
cultural, etc.; recuperar ecossistemas degradados; incentivos à pesquisa
científica e monitoramento ambiental; recuperar ecossistemas degradados;
proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações
tradicionais, respeitando e valorizando se conhecimento e sua cultura e
promovendo-as social e economicamente.
O que é mais importante quando se refere a criação
das unidades é a garantia que assegura a legislação federal quanto a
participação efetiva das populações locais na sua gestão. Uma das principais
dificuldades encontradas pelas entidades executoras na criação das UCAs
(Unidades de Conservação Ambientais) é quanto a execução das indenizações das áreas
particulares situadas nos limites das APPs. O Art. 12, § 2°, da lei n°.
9.985/00, diz que na hipótese de não houver acordo quanto aos valores
indenizatórios entre a entidade executora e o proprietário da área pretendida,
a mesma poderá ser desapropriada, de acordo com que dispõe a lei.
Dois anos depois da aprovação da lei que institui o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o governo federal lançou o decreto
n. 4.340/02, que regulamenta alguns artigos relativos à lei n° 9.985/00, dentre
os mais importantes o que se refere a criação das unidades que se dará por ato
do poder público municipal. O decreto estabelece também a gestão compartilhada
ou parceria entre o órgão executor e entidades ambientais como OSCIPs, desde
que as mesmas preencham os seguintes requisitos: promoção do desenvolvimento
sustentável e comprove atividades de proteção do meio ambiente ou
desenvolvimento sustentável.
O anteprojeto 305/2013, no que tange a criação das
UCAs, insere no Art. 131-F, II, III, dispositivos oriundos da lei 9.985/00 e o
decreto 4.340/02, assegurando sua homologação nas áreas que contenham espécies
ameaçadas de extinção regional ou global, e cujas florestas existentes sirvam
de corredores ecológicos. No que tange as parcerias nas gestões das unidades,
o Art. 137-G, parágrafo único, estabelece que os convênios devam priorizar
dentre outras coisas educação ambiental, ecoturismo, vigilância e fiscalização.
Prof. Jairo Cezar
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