terça-feira, 30 de abril de 2024

 

GREVE DO MAGISTERIO ESTADUAL DE SC - UMA NECESSIDADE À CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE CLASSE DOS/AS EDUCADORES/AS

https://www.nsctotal.com.br/noticias/professores-de-sc-completam-seis-dias-de-greve-em-meio-a-impasse-com-governo


Quase duzentos anos depois da criação das primeiras legislações voltadas a uma educação pública, ainda hoje a estrutura das escolas e a profissionalização docente no estado de Santa Catarina se mantém aquém do mínimo desejado. Convém aqui realçar que se o magistério obteve algumas conquistas importantes durante o seu curso como planos de carreiras e concursos públicos  de acesso, isso se deve não ao mérito do Estado, mas a luta incessante da categoria, desde a criação da ALISC, nos anos 1970 e do SINTE, anos 1980.

Isso mesmo, tudo que o magistério conquistou até hoje, como gratificações, triênios e o misero vale alimentação foi porque companheiros/as do passado deram o seu sangue, sua vida, para que hoje milhares de educadores e demais servidores públicos tivessem um mínimo de conforto. As primeiras greves desencadeadas no período pós- redemocratização política tiveram como demandas a construção de complexos arcabouços legais, que tornassem de fato profissionais todos/as que ingressassem no magistério público catarinense.

A luta não se limitou apenas no âmbito da profissionalização docente, pois faltava assegurar outro importante dispositivo para dar respeitabilidade social, a remuneração condigna à profissão. Infelizmente nenhum governador que transitou pela casa administrativa nos últimos quarenta anos cumpriu de fato suas promessas de campanhas eleitorais que sempre priorizaram três pilares: saúde, segurança e educação. De certo modo o próprio servidor público estadual, o magistério, em especial, tem certa dose de culpa pelo estado de desolação que se encontra hoje.

Durante os inúmeros pleitos eleitorais a categoria sempre teve bons quadros que se colocaram a disposição para representá-los nas instâncias do legislativo e do executivo. Entretanto, concluído os escrutínios, a maioria dos eleitos em ambas as instâncias sempre foram predominantemente pró-elites que apregoavam programas de Estado mínimo. É inacreditável que um estado com mais de cem mil servidores públicos, historicamente sempre teve na ALESC três, quatro ou cinco deputados/as que os/as representam de fato. E olha que são quarenta assentos disponíveis, cuja maioria é sempre ocupada por parlamentares de partidos conservadores tradicionais, que sempre votaram projetos contrários aos interesses dos servidores estaduais.

O governo passado, eleito na febre do bolsonarismo, sem esquecer que milhares de votos obtidos foram de servidores, professores da rede estadual, foi alvo de denúncia por ter desviado milhões de reais que seriam aplicados na compra de respiradores durante a pandemia do COVID 19. No final foi absolvido por “falta de provas” acerca das acusações.   Seu governo também foi marcado pela fatídica reforma previdenciária dos servidores do Estado em 2021, cujo projeto de lei teve uma emenda inserida atingindo, em cheio, milhares de servidores/as aposentados/as, que passariam a ter o desconto de 14% nos seus proventos, como “contribuição previdenciária”.

Claro que tais atrapalhadas administrativas tiveram enorme peso eleitoral. No pleito de 2022 os votos obtidos não foram suficientes para passar para o segundo turno, perdendo a vaga para o candidato do PT, Décio Lima. O fato é que o peso do bolsonarismo no estado foi determinante mais uma vez tanto na derrota do candidato Moisés à reeleição como na vitoria do candidato eleito, Jorginho Melo, do PL. Entretanto os alertas de centenas de servidores, integrantes do SINTE, em especial, de que a eleição do candidato Jorginho Melo, do PL, seria para o magistério a pá de cal às conquistas históricas que ainda nos restavam, não surtiram efeitos.

A aprovação do projeto Universidade Gratuita que deslocaria recursos públicos do Estado para o financiamento de instituições particulares do ensino superior foi o primeiro ato anti-servidor público adotado pelo atual governo. O segundo ato de governo comprovou o seu autoritarismo e de seus aliados no legislativo, que ajudariam a se perpetuarem a frente desses poderes no estado. O ato que me refiro foi o dispositivo aprovado que alterou regras relativas às eleições de gestores/as públicos/as no estado, exigindo dessa vez 50% de participação nos três segmentos, estudantes, pais e professores.

Esse governo sabia como todos os que o antecederam que monitorar o processo de gestão das escolas públicas era estratégico para assegurar ganhos eleitorais. O gestor/diretor de uma escola tem na comunidade forte influência devido ao seu poder simbólico, quase comparado a um sacerdote em termos de capital simbólico. Não havendo eleições é claro que a escolha se dará mediante afinidade político partidária, tarefa que ficará sob a responsabilidade dos seus apadrinhados políticos locais, vereadores, presidentes de diretórios, deputados, etc.

Historicamente esse foi um instrumento muito utilizado no estado, fortalecido ainda mais quando da existência das SDR – Secretarias de Desenvolvimento Regionais, órgão que abrigava milhares de apadrinhados e que garantiram eleições e reeleições de muitos governadores e deputados/as estaduais. A ascensão de Jorginho Melo ao cargo de governador, agora representado por um partido de tendência extremista acende uma luz amarela no final do túnel para os professores e demais servidores estaduais.

A greve dos trabalhadores da educação que se desencadeou há pouco mais de uma semana, a primeira nos últimos dez anos, tenderá a se estender por muito tempo, como foi no passado, quando tivemos governadores que se utilizaram de métodos extremos para o esvaziamento do movimento. O discurso proferido no domingo passado, 28 de abril, em horário nobre na televisão, o governador se utilizou daquilo que o seu “guru”, Jair Bolsonaro, adotara com eficiência no posto de presidente da república, mentir, mentir, mentir.

Sabendo que os/as professores/as já estão bem calejados/as dessas estratégias de caráter autoritário por parte dos seus representantes, o que poderá acontecer a partir do ato dos professores em 30 de abril é o aumento significativo da adesão ao movimento. Deixar bem claro que uma greve é o momento em que o/a trabalhador/a passa a se interar de fato dos seus direitos, além do mais, momento de construção da sua consciência de classe. É exatamente o que está faltando ao magistério catarinense, profissionais imbuídos de criticidade política. Quem participa de um movimento, qualquer que seja, uma greve, por exemplo, jamais será o mesmo no seu término. Sua postura frente aos colegas, aos discentes, enfim, a todo o conjunto da sociedade será de alguém mais lúcido, mais crítico, com forte empoderamento político.  

Prof. Jairo Cesa                  

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