O ESPECTRO DO APADRINHAMENTO
POLÍTICO RONDA AS ESTRUTURAS DE GESTÃO DEMOCRÁTICA DAS ESCOLAS PÚBLICAS
ESTADUAIS DE SANTA CATARINA
A
redemocratização do Brasil depois de vinte anos de regime militar deve ser considerado como uma grande conquista da sociedade
brasileira. Claro que não é somente o voto, o ato de escolher seus/as
representantes políticos que irá assegurar vida digna e prosperidade para todos/as
os/as trabalhadores/as. O voto,
repito, é um instrumento da democracia,
porém não suficiente para a plena consolidação dos direitos, tão
vulneráveis, tão frágeis em sociedades como
a nossa.
Quando
falamos de democracia plena, estamos nos reportando às múltiplas experiências que o voto pode
proporcionar à diversos segmentos da sociedade: sindicatos, associações de
moradores, condomínios, grêmios estudantis, escolas, etc. Lembro de uma frase dita
e sempre repetida por um amigo, professor e sindicalista Nilson Matos Pereira,
que nos deixou há 18 anos sobre eleições para diretores/as de escola. Ele dizia
que não importava quem vencesse o pleito, porém, que fosse assegurando o
processo de escolha, independentemente das tendências políticas do/a candidato/a.
Infelizmente esse amigo nos deixou sem ter vivido essa realidade nas escolas publicas estaduais do estado de Santa
Catarina.
Enquanto
muitos estados da federação já haviam implantado
esse dispositivo de eleição direta nas escolas públicas estaduais e municipais,
Santa Catarina resistia com tenacidade para que o processo aqui permanecesse
por indicação política. Claro que esse instrumento era um mecanismo político eficaz
para assegurar a permanência das oligarquias no poder, todavia o/a gestor/diretor/a
indicado se configuraria em importante “cabo
eleitoral mor” a serviço dos partidos e das elites políticas conservadoras de
plantão, ramificadas em todas as regiões e que se perpetuavam no poder.
Por
décadas todas as escolas estaduais, os/as diretores/as eram indicados/as por vereadores/as,
deputados/as ou por diretórios municipais, ambos, geralmente sem qualquer
vínculo com a educação pública estadual. O próprio diretor/a indicado/a, costumeiramente
não possuía experiência alguma em gestão escolar, muito menos vínculo com a unidade
de ensino, onde fora empossado. O resultado, portanto, todos/as que trabalharam
com educação viveram na pele por décadas, verdadeira bagunça, perseguição
política, cuja escola mais parecia um “curral eleitoral” que uma instituição de
ensino.
Com
a criação do SINTE, Sindicato dos Trabalhadores da Educação da Rede Estadual,
uma das bandeiras de luta da categoria era a regularização de dispositivo da
constituição do estado para que fosse assegurada a gestão democrática nas
escolas. Jamais os governos que se sucederam no pós-regime militar ousaram em
regularizar tal dispositivo. Entretanto, nas margens do poder constituído,
algumas escolas do estado vivenciaram por pouco tempo e à revelia da lei
experiências bem sucedidas de gestão democrática.
A
proposta era fazer com que a comunidade assumisse de fato e de direito a
escola, por ser ela pública, do povo, e não dos governos e políticos de
plantão. Acontece que após a conclusão dos pleitos, claro que a revelia de legislações, a
dificuldade foi fazer com que o executivo estadual referendasse o processo. A
resistência sempre foi maior quando os/as eleitos/as tinham algum vínculo com
partidos ou forças políticas progressistas, que não integravam o escopo
conservador do Estado. Mas, de fato, foram experiências exitosas.
As
escolas que conseguiram assegurar o
processo, mantendo os gestores eleitos pela comunidade, mesmo sendo não alinhados as forças conservadoras, seus membros
respiravam ares de empoderamento e de elevada auto estima. Cabe aqui citar uma
dessas escolas cujo processo de escolha reverberou em todo o estado. A unidade de
ensino foi a Escola Estadual Bernardino Sena Campos, no bairro
Coloninha/Araranguá-SC.
Infelizmente
esse gostinho de democracia nas escolas durou pouco tempo, pois os governos
eleitos e sua poderosa máquina de correligionários, de políticos oportunistas,
faziam valer suas forças de persuasão, indicando para essas escolas seus
apadrinhados. Foi somente no começo da segunda década de 2000 que por meio
de decreto e não de legislação
específica, as escolas públicas estaduais de Santa Catarina tiveram a
oportunidade de eleger os seus gestores.
Muitas
críticas foram desferidas pelo sindicato/SINTE ao governo da época por não ter
acatado as proposições da categoria que almejavam um modelo de gestão diferente ao que estava lavrado no decreto. Uma dessas desaprovações se deve ao fato de
ter o governo instituído o sistema de gestão por meio de decreto e não legislação,
como estava apregoada na constituição. Decretos são dispositivos facilmente
modificáveis ou suprimidos por qualquer um que vier ocupar o executivo estadual.
Bom ou ruim, todas as escolas da rede estadual, de três em três anos passaram a experenciar escolhas de seus diretores e assessores diretos por meio de votos. Claro que para ter direito à participação do pleito o candidato teria que apresentar um plano de gestão para a escola, correndo o risco até de indeferimento do plano e o diretor deixar de ser empossado. Por cerca de dez anos o sistema de gestão democrática permaneceu inalterado, sendo eleito, portanto, o candidato que conquistasse maioria simples dos votos nos três segmentos, estudantes, professores e pais.
Quando
se imaginava que o sistema de gestão nas escolas estaduais tenderia a avançar
ainda mais, sepultando para sempre as práticas politiqueiras de condução das
escolas, transforma-las em currais
eleitorais para contemplar elites políticas e econômicos, veio o retrocesso. Em
novembro de 2022 os catarinenses elegeram um novo governador com tendência política ainda mais conservadora, neoliberal, do que os
que o antecederam. É isso mesmo, mais de 70% dos eleitores catarinense em
novembro de 2022 depositaram o voto, a esperança, no candidato do PL (Partido Liberal)
o mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, que dispensa qualquer comentário,
e que fora derrotado na reeleição de 2022.
O agravo é que nesses mais de 70% de eleitores votantes à vitória desse governo, expressiva parcela que acreditou no seu programa de gestão, foram de servidores públicos do estado, pasmem, milhares de professores, que vem sofrendo as agruras dos governos passados. Em menos de um ano no comando do estado, o chefe do executivo já anunciou que realizará nova reforma previdenciária, alegando estar a previdência dos servidores, quebrada. A intenção é, sim, ferrar ainda mais os servidores ativos e, principalmente, os inativos, já afetados na reforma previdenciária de 2021, quando o legislativo estadual votou pelo sequestrado de 14% dos seus vencimentos.
Óbvio
que o governo do “Jorginho Malvadeza” não ficaria somente no anúncio de uma
nova reforma previdenciária, a outra bomba anunciada foi de que faria
modificações no decreto que tratava sobre o sistema de gestão democrática nas
escolas estaduais. O anúncio foi para assegurar posse ao cargo de gestor das
escolas o candidato que apresentasse um plano de gestão e conquistar 50% +1 dos votos dos três segmentos da escola.
Não havendo o cumprimento do quórum obrigatório em um dos três segmentos, o
decreto dizia que seria o próprio governo o encarregado na indicação do diretor/a.
Subtende-se
que havia nesse dispositivo ao decreto, explicita armadilha com intuito de
inviabilizar o processo democrático nas escolas do estado. Ficou ainda mais escancarada
tamanha má fé do governador quando se soube que no decreto estava escrito que o
pleito se transcorreria somente em um dia e, para piorar, esse dia seria o
domingo, quando não há transportes coletivos em muitos municípios à disposição. Depois de muita pressão de
diversos segmentos, finalmente o governo
cedeu, permitindo que as votações acontecessem em dois dias, domingo e segunda-feira.
Por
outro lado o governador não abriu mão do item que obrigava o quórum de 50% + 1
dos/as eleitores/as, pois sabia que dezenas, centenas de escolas não iriam
cumprir. Faltando alguns dias para o pleito, o SINTE protocolou ação junto ao
tribunal de justiça solicitando ao magistrado que suprimisse o artigo 13 do
decreto que obrigava a ocorrência de quórum no processo eleitoral. A ação foi
acatada pelo TCE – Tribunal de Contas do Estado que determinava a suspensão do
edital 2.711/2023, da SED – Secretaria do Estado da Educação, na qual
determinaria o retorno ao processo anterior, ou seja, maioria simples dos
votos.
Tanto
os antigos como os atuais servidores estaduais, sabem que no magistério e outros setores tudo que venham
beneficiá-los é passivo de ação por parte do Estado para prejudicá-los. Não é
mesmo? Foi o que ocorreu com a ação,
ganha, que derrubou o quórum para eleição de diretores. Quem decidiu o retorno
do retrocesso nas escolas foi uma desembargadora do TJSC e um juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda
Pública da Capital do estado.
Voltando tudo à estaca zero, após o pleito de
03 e 04 de dezembro, cerca de 200 escolas no estado os novos gestores a serem
empossados deverão ter o dedo/canetada de políticos ambos vinculados ao partido
do governador ou de sua base de apoio na ALESC. Lendo algumas reportagens
postadas nos sites jornalísticos da região da AMESC, constatei que foram 11
escolas que não tiveram êxito eleitoral nos dias 03 e 04 de dezembro.
Sobre
o processo das indicações dos novos gestores, em uma entrevista dada a um canal
de TV digital, foi mencionado que os nomes preferidos aos cargos terão que
preencher alguns requisitos como capacidade técnica e ser efetivo no estado. Foi
dito também que: “Em praticamente todas as escolas existem profissionais com este
perfil, mas, como a questão política deve ter peso nas indicações, o governo
deverá indicar nomes com proximidade, com alinhamento político. E em alguns
casos, indicações para atender deputados do PL ou alinhados do governador
Jorginho Mello”.
O
próprio editor do Post fez algumas confabulações de possíveis nomes que
ocuparão os espaços de gestão dessas 11 escolas, se o processo político
partidário ou de alinhamento político prevalecer. Portanto, se alguém tiver
alguma dúvida ou acreditar que não ocorrerão tais interferências politiqueiras,
certamente deve acreditar na existência
de Papai Noel e Coelhinho da Páscoa. O fato é que retornando às indicações de
gestores nas escolas, àquelas que tiveram quórum ou nem mesmo candidato, não há
dúvida que irá contaminar toda a estrutura de um processo que estava ainda
embrionário, a democracia nas escolas de Santa Catarina.
Prof.
Jairo Cesa
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