COMO COMPREENDER O RACISMO TRILHANDO
OS LABIRINTOS OBSCUROS DO CÉREBRO HUMANO
O
episódio de racismo envolvendo o jogador de futebol do Real Madri, Vinícius Júnior, por torcedores do Valência no campeonato espanhol não foi um caso isolado nesse
esporte e em outras modalidades esportivas. O caso veio a tona e teve
repercussões globais pelo fato de se tratar de um jogador famoso e por ter
enfrentado dirigentes do clube e da liga espanhol que procuraram colocar panos
quentes no terrível fato. Não é de hoje que vemos cenas desse tipo em outras
ligas futebolísticas europeias quando torcedores jogam bananas no campo, gritam
ou fazem performance imitando um macaco.
Na
história todos sabemos que o racismo não
somente contra negros, mas judeus foi responsável por acontecimentos
horripilantes como o holocausto alemão, quando mais de seis milhões de judeus foram
mortos pelo nazismo. Nos Estados Unidos, há bem pouco tempo foram criadas
legislações que garantem aos negros direitos iguais aos brancos. Entretanto,
isso não significa que o racismo contra negros e de outras etnias como latinos,
asiáticos, tenham desaparecido. São frequentes os episódios de segregação como
a morte por asfixia de George Floyd por policiais brancos há cerca de dois anos.
A
áfrica do sul é outro país emblemático quando o assunto é segregação. Por quase
três décadas o país viveu sob o regime da apartheid, onde negros eram
segregados de direitos e tratados como sujeitos inferiorizados perante aos
demais. Nelson Mandela, líder da resistência contra a apartheid, se configurou
como um símbolo da ruptura desse regime racista, porém até hoje parcela
significativa da população do país ainda vive os fantasmas desse regime
perverso. Não há dúvida que existem outros casos semelhantes de racismo e
apartheid espalhados pelos quatros cantos do planeta.
Mas
voltando ao caso do jogador do Real Madrid, a pergunta que fica é o que levam as
pessoas a demonstrarem tal comportamento de ódio contra alguém pelo simples fato
de ter a pela escura? Em primeiro lugar precisamos entender que a Espanha foi
um país expansionista entre os séculos XV e XVI, apoderando-se de quase todo o continente
americano. A ocupação desse vasto território se deu por meio de um quase genocídio
deliberado contra os povos nativos que habitavam o território há milênios. Além
do assassinato em massa, os invasores destruíram também os monumentos e os símbolos
sagrados.
O
tráfico negreiro foi outro modo de acumulação de riquezas promovidas pelas
metrópoles portuguesas e espanholas. Centenas de milhares de africanos foram
capturados de suas pátrias e transladados às colônias para trabalhar como
escrava na agricultura e exploração das minas de ouro e prata das terras
ameríndias. Se a Espanha, Portugal,
entre outras nações europeias conseguiram superar suas condições de atrasos
econômicos e sociais, se devem a espoliação das riquezas e da força de trabalho
escrava em suas colônias.
Para
entender esse cenário de preconceito e racismo ocorrido no estádio de futebol
em Valença, Espanha se faz necessário recorrer à psicologia, mais especificamente
a psicanálise. Isso mesmo a psicanálise, pois é essa área do saber do comportamento
humano que tentará explicar que nós seres humanos carregamos no nosso
inconsciente fortes cargas de sentimentos e emoções frustrantes de nossos antepassados.
Por longos períodos a população espanhola viveu experiências terríveis de
repressão, como o Nazismo, cujo general espanhol Francisco Franco, permitiu que
o país fosse usado como laboratório para experiências da máquina de guerra de
Adolfo Hitler.
O ódio alimentado contra o outro, ao diferente, ao judeu, ao cigano, ao negro, etc, permaneceu por longo tempo adormecido nas profundezas do cérebro humano. Se tais patologias inconscientes não são tratadas convenientemente por políticas públicas o cérebro sublimará por meio de imposições externas advindas do Estado ou pela educação. O ressurgimento do fascismo no Brasil nos últimos anos tem relação também com nossa história de repressão forjada pela escravidão e de um moralismo religioso exacerbado. Bastou um gatilho, um elemento motivador, para que o monstro preso nas entranhas da nossa mente se libertasse e provocasse tanto estrago, tanta discórdia, tanta polaridade como foram os quatro anos de governo Bolsonaro.
Embora
os estádios de futebol e outros espaços que reúnem grande público sejam considerados
ambientes propícios às catarses coletivas, há limites toleráveis de
aceitabilidade no que deve ser dito. Chamar o árbitro de uma partida de FDP e
outras frases ditas ofensivas resultaria em crime se fosse dita fora do
contexto coletivo. No entanto são expressões, digamos, consensualidades, pelo
fato de as palavras não terem sentido racional. Porem chamar alguém de negro,
macaco, foge a tudo que é racional, pois ataca a essência humana, dando a
entender que o outro, o diferente, o que tem pele escura, se exclui desse conjunto
humano diverso, cujas distinções acontecem somente pelas cores das peles branca,
amarela, vermelha, preta, etc.
Claro
que tais manifestações de caráter supremassista de um grupo social específico são
construções históricas estimuladas por regimes totalitárias que acreditavam cegamente
na possibilidade de ser a pela branca, a ariana, instrumento indutor de superioridade
racial. Por que punir severamente os autores de tais perversidades raciais? Primeiro
porque movimentos totalitários como fascismo e nazismo tiveram suas sementes
germinadas em cenários semelhantes ao que vivemos hoje.
O
ressurgimento de grupos ultra direitistas em muitos países europeus ao ponto de
conquistar postos importantes de comando político como na Itália, com a eleição
de uma primeira ministra que se dizia fã de Benito Mussolini, deve servir de
alerta para toda a humanidade. A história, porém, deve ser nossa guia permanente
para compreendermos os limites entre o tolerável e intolerável no campo
político, social e cultural. Se governos não coibirem com tenacidade atos
racistas como o ocorrido na Espanha, poderemos estar trilhando caminho para o
ressurgimento de outro holocausto com consequências inimagináveis.
Prof.
Jairo Cesa
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